Sabedoria do Evangelho - Volume 1

CAPÍTULO 16

CÂNTICO DE SIMEÃO



25. Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão, homem esse justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel, e estava sobre ele um espírito santo,


26. pelo qual espírito santo lhe fora revelado que não morreria antes de ver o Cristo do Senhor.


27. E com o espírito foi ao templo; e quando os pais trouxeram o menino Jesus, para fazer por este o que a lei ordenava,


28. Simeão tomou-o nos seus braços e louvou a Deus dizendo:


29. "Agora tu, Senhor, despedes em paz teu escravo, segundo tua palavra,


30. porque meus olhos já viram a salvação


31. que preparaste ante a face de todos os povos:


32. luz para revelação aos gentios, e glória de teu povo de Israel".


33. Seu pai e sua mãe maravilharam-se do que dele se dizia.


34. E Simeão os abençoou e disse a Maria, mãe do menino: "Este é posto para queda e para levantamento de muitos em Israel. e para sinal de contradição,


35. (e também uma espada traspassará tua própria alma), para que os pensamentos de muitos corações sejam revelados".

Limita-se o evangelista a dizer que Simeão era "um homem justo e piedoso", nada mais esclarecendo a seu respeito. Entretanto, o "Evangelho de Nicodemos" (apócrifo) o chama "grande sacerdote" e a traição o situa como "muito idoso’, embora dizendo que é filho de Hillel (70 A. C. a 10 A. D.) e pai de Gamaliel, o que contradiria a tradição a idade provecta. Se aceitássemos essa versão, à época do nascimento e Jesus, Simeão teria de 40 a 50 anos, no máximo.


No versículo 25, Lucas assinala que Simeão aguardava a παρά-λεσιν, isto é, a "consolação" de Israel, como seus compatriotas. Todavia, sobre ele estava um espírito santo ou bom (em grego, sem artigo) o qual lhe revelou (observe que, na repetição, aparece o artigo, como se disséssemos em português: "vi UM- menino; O menino corria" ...) que não desencarnaria sem ver o Cristo de Deus.
Continua Lucas: "e com o espírito foi ao templo": иαί ήλθεν τώ πνεύµατι είς το ίερό

ν.


A expressão grega "no espírito" - já o vimos quando comentávamos LC 1:17 (veja pág., 32, 2. º parágrafo) - tem o sentido associativo ou de companhia. Devemos pois entender "ele foi COM O espírito"

ou "o espírito foi NELE para o templo".

Em sua outra obra importantíssima ("Analysis Philologica Novi Testamenti Graeci", editada pelo Pontifício Instituto Bíblico, Roma, 1960), o mesmo sacerdote jesuíta Zerwick diz que, neste passo, o en é causal, isto é: "foi ao templo por causa de um espírito", ou seja, "impelido por um espírito".

De qualquer modo, quer consideremos o en "associativo" (foi com um espírito) quer o aceitemos "causal" (foi impelido por um espírito), o sentido é o mesmo: trata-se de um fenômeno psíquico (mediunismo) em que se manifesta um espírito desencarnado a agir sobre Simeão, revelando-lhe o momento em que José e Maria levariam o menino Jesus ao templo, para que lá os encontrasse.

Prossegue Lucas (vers. 27): "ao levarem os pais o menino Jesus" confirmando que, a essa altura, já estavam casados, e portanto José reconhecera legalmente o filho como seu.

Para que fique bem claro o pensamento do jesuíta padre Maximiliano Zenwick, com o qual concordamos, porque esclarece o texto bíblico de acordo com nossa teoria citamos suas palavras originais, com a tradução ao lado: 117. Res alicius momenti est volentibus nobis intellegere, quomodo Paulus modo dicat nos in Christo (vel in Spiritu) esse, modo Christum (vel Spiritum) in nobis esse. De facto tam parva, ne dicam tam nulla, videtur ex mente Pauli distinctio esse inter otrumque modum dicendi, ut unum altero explicet et quasi definiat: R 8,9 "vos autem in carne non estis, sed in spiritu, si tamen spiritus Dei habitat in vobis".

Ergo, "in spiritu" est ille, in quo spiritus est, vel etiam - sicut Apostolus prosequitur - ille qui "spiritum habet": "si quis autem spiritus Christi non habet, hie non est eius". Etiam apud Io Dei (Christi) in nobis et nostra in Dei (Christo) permansio sunt ejusdem rei duo aspectus correlativi et inseparabiles ef 1 Io 10 4, 13 15:16; Io 6, 56; 15, 4, 5; Io 8, 44b de santana dicitur "in veritate non est, quia non est veritas in eo". Ita illud en (non sine influxu semitico) reducitur fere ad ideam generalem associationis vel comitatus, quam latine potius redimus pet praepositionem "cum": "homo cum spiritu immundo", "mulier cum fluxu sanguinis", (Graecitas Biblica, edita a Pontificio Instituto Bíblico, Romae, 1960).


É coisa de certa importância para nós compreender como Paulo ora diga estarmos nós em Cristo (no Espírito) ora Cristo (ou o Espírito) estar em nós. De fato parece ser pequena, para não dizer tão nula, a distinção na mente de Paulo entre um e outro modo de dizer, que explica um pelo outro e quase defina: "vós não estais na carne, mas no espírito, se é que o espírito de Deus habita em vós" (RM 8:9). Então "no espírito" está aquele em quem o espírito está, ou também - como prossegue o Apóstolo - aquele que "tem o espírito "se alguém, todavia, não tem o espírito o Cristo, esse não é dele"

Também em João a permanência de Deus (Cristo) são dois aspectos correlativos e inseparáveis da mesma coisa. Cfr. I JO 4:13, JO 4:14, JO 4:16; JO 6:5, JO 15:4-5; JO 8:44b diz-se de satanás: "não nele". Assim esse en (não sem influxo simita) reduz-se quase à ideia geral de associação ou companhia que melhor traduzimos em latim (em português) pela preposiçã "com": "homem com espírito imundo", "mulher com fluxo de sangue".


Simeão segura o menino em seus braços e entoa o "cântico" que é um dos mais belos. Dizendo-se "escravo" (δούλος), ele se dirige a Deus, dando-lhe o título de "Senhor dos escravos", ou seja, Δέσποτα, e diz-lhe que "agora pode libertá-lo, despedi-lo em paz, porque seus olhos contemplaram a salvação, preparada diante de todo o povo; e dá a Jesus o título de LUZ para a revelação (άποиάλυψις = levantamento de um véu) dos gentios e glória de Israel".

No versículo 33, Lucas dá a José, taxativamente, o título de PAI, revelando sua admiração, e a de Maria, diante do que estavam ouvindo.

Simeão (vers. 34), voltando-se para eles, os abençoa; e dirigindo-se a Maria, revela-lhe o que ocorrerá com o menino: "ele foi colocado (cfr. FP 1:16-1TS 3:
3) para queda e levantamento (ressurreição) de muitos, provocando discussões e formando partidos pró e contra (cfr. IS 8:14-15), e que lhes revelara o "coração", isto é, o pensamento íntimo. Acrescenta a seguir que "uma espada de dor traspassará o coração de Maria": a dor de ver que seu filho seria recusado, não se lhe reconhecendo a missão divina, e depois caluniado, perseguido, surrado e assassinado.

Todas as vezes que uma criatura se alçou a essa elevação espiritual, encontra irmãos que lhe percebem a grandeza de alma, a profundidade do mergulho (batismo), a seriedade do contato. Homens ou mulheres, geralmente já bastante evoluídos ("de idade provecta") SENTEM e se tornam felizes por encontrar o novo Homem. Tomam o menino em seus braços - lindo eufemismo para exprimir a intimidade do amplexo - e louvam a misericórdia divina.


Sabem, também, e muitas vezes o dizem, que o espírito da criatura que teve o Sublime Encontro será

"traspassado por uma espada de dor", atacado pelos que ainda vivem para a matéria, sem sequer conhecerem que existe o Espírito, ou mesmo pelos que, teoricamente crendo na imortalidade, vivem enclausurados no dogmatismo estreito, julgando-se donos absolutos da verdade total, e perseguem os que "não lêem pela mesma cartilha". Maria sofreu, por parte do clero de sua época, ao ver seu filho assassinado; outros sofrerão a mesma coisa em tempos posteriores, porque os homens são os mesmo fanatizados, enquanto não descobrem a liberdade dos filhos de Deus. Ainda não aprenderam que "o Senhor é Espírito, e onde está o Espírito do Senhor, aí HÁ LIBERDADE" (2CO 3:17). As perseguições vêm, não há duvidar. E a dor daquele que já viu, sentiu, "apalpou" a Realidade é imensa, ao verificar que os "cegos" que se debatem na angústia das ilusões não conseguem perceber e, por isso, não aceitam a palavra e o testemunho dos que "sabem".

Daí o silêncio de que se rodeiam os que têm esse contato: os capazes sabem, sem que ninguém lhos diga; aos outros, não adianta dizer: "não se dão pérolas a porcos nem coisas santas aos cães" (MT 7:6) O exemplo de Simeão e Ana é típico, para mostrar que os "capazes" sentem a verdade, ou por intuição própria ou pela revelação de espíritos amigos.


36. Havia também uma profetisa, de nome Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser (era ela de idade avançada, tendo vivido com seu marido sete anos, desde a sua virgindade)


37. viúva de oitenta e quatro anos, que não deixava o templo, mas adorava noite e dia em jejuns e orações.


38. Esta, chegando na mesma hora deu graças a Deus e falou a respeito do menino a todos os que esperavam o resgate de Jerusalém.


39. Quando se tinham cumprido todos os preceitos de acordo com a lei do Senhor, regressaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré.

Aparece agora em cena outra figura, da qual o evangelista procura dar os traços mais característico.


Ana, filha de Fanuel, viúva de oitenta e quatro anos, que estivera casada apenas sete anos, e que permanecia no templo em jejuns e orações, como era hábito das pessoas piedosas, quando de idade provecta

(cfr, 1TM 5:5). Ana era médium (profetisa) e percebeu a identidade de quem ali se achava.

Dirigiu-se ao pequeno grupo que louvava a Deus e depois saiu a narrar a todos o aparecimento do Messias, tão ansiosamente aguardado.

Cumpridas as leis Mosaicas, a família regressa à sua cidade de Nazaré, na Galileia.

O caso de Ana chama-nos a atenção para a dedicação que, depois à e certa idade, as criaturas fazem de suas vidas a Deus. Embora durante a juventude vivam a "vida do mundo", depois de algum tempo, sentindo-lhe o vazio, se dedicam à vida de "orações e jejuns", aguardando o Messias. Todo o simbolismo da vinda do Messias é assim compreendido: é o nascimento do Cristo Interno (do Cristo de Deus) que vem resgatar "o povo de Israel", isto é, as criaturas que, mesmo pertencendo a Deus, estilo mergulhadas na matéria "combatendo a Deus" (sentido etimológico da palavra "Israel"). Aspiração comum a toda a humanidade, é mais sentida e mais forte depois que chegaram as desilusões da vida terrena, com o afastamento de tudo o que se tem de mais caro: bens, riquezas, situações, amores, mocidade, cultura. Quando tudo aparece realmente como é - ilusório - então o espírito se volta para Deus e fica ansiosamente aguardando o aparecimento do Messias DENTRO DE SI MESMO.


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Essa narração discorda da de Mateus que veremos a seguir. O que há de comum entre ambas é o nascimento em Belém e a posterior moradia em Nazaré, embora Lucas a coloque de imediato e Mateus a situe bem mais tarde.

No entanto, observamos que: a) Mateus ignora a homenagem dos pastores: a circuncisão, a purificação, a apresentação ao templo, o encontro com os dois profetas; b) Lucas desconhece a homenagem dos magos: o massacre das crianças, a fuga para o Egito.

A que atribuir essas divergências? à diversidade das fontes? Se a fonte de Lucas foi Maria, como admitir a omissão de fatos tão importantes?

E quando se terão realizado esses acontecimentos narrados por Mateus? Não há dúvida de que só depois da apresentação, porque nos quarenta dias entre esse fato e o nascimento, não haveria tempo, dado que Maria não poderia ter saído de casa.

Como conciliar o regresso a Nazaré, que em Lucas aparece natural (regressaram "para sua casa") e em Mateus como a ida a um lugar desconhecido, por indicação de um anjo?

As explicações simbólicas dar-nos-ão as razões.

O Eu Profundo ou Cristo Interno é o mesmo Cristo de Deus em todas as criaturas. Entretanto o caminho para alcançá-lo varia de pessoa a pessoa.

A experiência de um pode ilustrar o que com ele ocorreu, mas não pode ser tomada qual modelo a imitar, porque as estradas da periferia ao centro são tantas, quantos os raios possíveis dentro de um círculo.

Cada individualidade se plasmou através de milênios, na constituição dos próprios hábitos, diferentes dos demais. E a evolução conduzirá cada um por seu caminho especial. Não é de admirar, pois, que, escrevendo sobre o mesmo assunto, Lucas divirja de Mateus nos fatos, que, para o Espírito, pouca ou nenhuma importância têm. Não são livros "históricos" que estamos lendo, mas obras que ensinam, através dos fatos, realidades concretas e objetivas do modo pelo qual poderá alguém atingir Deus dentro de si.

Assim, Mateus escolhe fatos e narra acontecimentos que esclarecerão certos pormenores da árdua e longa busca do abismo do Eu, enquanto Lucas prefere outros que, embora levando ao mesmo objetivo, perlustram outras sendas.

Mais acidentado, porque mais externo e glorioso, em Mateus; mais sereno, porque mais interno e singelo, em Lucas. Mais "terreno" e "ativo" no primeiro (magos, massacre, fuga); mais "celestial" e" místico" no segundo (anjos, lei, templo, profetas).

Para o sentido esotérico e profundo, simbólico e místico, nada importam essas divergências superficiais de personalidade, e sim o significado oculto que se depreende das palavras veladas.

Verificamos, pois, que aquele que se aventura na estrada abismal que leva às profundidades altíssimas do Eu Supremo, pode trilhar várias sendas.

Uma (ensinada por Mateus) se dirige através do movimento personalístico, atraindo a atenção de magnatas e dignitários que se assustam com a novidade e começam a mover perseguições e a buscar a eliminação da nova força que, na sua humildade (a palha do presépio) ameaça a segurança dos tronos e os privilégios dos potentados. Há necessidade, então, de buscar-se um refúgio no silêncio da solidão, exilando-se para outros ambientes.

A outra (revelada por Lucas) caminha pelo lado mais ascético, menos mundano, e encontra na oração (anjos do Senhor, templo, profetismo ou psiquismo) a sua máxima expansão. Aí não há perseguições nem necessidade de fuga. A jornada é mais tranquila pelos atalhos do espírito, cortando-se logo o apego à matéria (circuncisão) e consagrando-se a vida a Deus (apresentação) onde se encontram o "arautos do céu" (médiuns ou profetas) que lhe apresentam palavras de conforto e de advertência.