Sabedoria do Evangelho - Volume 1

CAPÍTULO 20

REGRESSO DO EGITO



MT 2:19-23

19. Mas, tendo morrido Herodes, eis que um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José, no Egito,


20. dizendo: "Levanta-te, toma contigo o menino e sua mãe e vai para a terra de Israel, pois já morreram os que procuravam tirar a vida do menino".


21. Levantando-se tomou o menino e sua mãe e voltou para a terra de Israel.


22. Tendo ouvido porém que Arquelau reinava na Judeia, em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá; e avisado em sonhos, retirou-se para os lados da Galileia,


23. e foi morar numa cidade chamada Nazaré, para cumprir o que foi dito pelos profetas: "ele será chamado nazoreu".


Após a morte de Herodes, novamente funciona a mediunidade onírica de José: em sonhos um "anjo" manda-o regressar à "terra de Israel", como ainda hoje se diz: ςκ מפץ יׁשך José obedeceu de imediato e (segundo Mateus) dispunha-se a regressar a Belém, quando "ouve dizer" que lá governava Arquelau, filho de Herodes. Instala-se nele o medo. Realmente, à morte de Herodes (4 A. C.) Arquelau tinha 18 anos; mas como os judeus se opuseram a seu reinado, revoltando-se por não ter sido deposto o sumosacerdote Joasar, ele mandou matar 3. 000 judeus (Josefo, Ant. Jud. XVII, 9, 1). Mas à noite, outro sonho esclarece-o, indicando-lhe que se dirija à Galileia, "a uma cidade chamada Nazaré". Como estamos vendo, essa cidade constituía para Mateus uma "novidade" absoluta. Parece que José e Maria nem a conheciam. Como conciliar com as palavras de Lucas, de que eles eram da cidade de Nazaré, isto é, que lá tinham nascido e residiam normalmente? Teria sido mais fácil dizer que do Egito regressaram à sua cidade de Nazaré ... pois lá eles possuíam casa, a oficina de carpinteiro de José, os parentes e amigos.

Entretanto, Mateus desconhece tudo isso, mostra-o desejoso de ir para Belém (fazer o quê?) e só o aviso "em sonho" o faz dirigir-se para Nazaré, como se fora um local que eles pisassem pela primeira vez. E ainda explica: "para que se cumprisse a profecia, que o chama NAZOREU". Nem é "nazareno" ...

Esse gentilício é usado quatro vezes por Marcos e duas vezes por Lucas. Mas o próprio Mateus emprega duas vezes nazoreu, que é utilizado uma vez por Lucas, três vezes por João, e sete vezes por Atos.

Eram assim chamados (nazoreus) os cristãos por volta do ano 60 (AT 24:5). O Talmud denomina Jesus o NOZRI, e chama os cristãos NOZRIM.

Notemos que não há profecia alguma que diga dever o Messias ser chamado "nazareno" nem "nazoreu" . A única frase que poderia ser aplicada seria a de Isaías (Isaías 11:1) quando diz que "do tronco de Jessé sairá um rebento, e de suas raízes sairá um renovo (= nezêr) que frutificará. E o Espírito de YHWH se deterá nele". Tendo Mateus apresentado Jesus como o último rebento (o renovo) na genealogia, pode ter feito mentalmente uma aproximação, embora forçada.

Depois de viver algum tempo no isolamento da meditação, fora de seus consanguíneos e amigos, o Homem-Novo galgou mais alguns passos no aprendizado espiritual, e precisa voltar à atividade entre o povo, a fim de aproveitar o que aprendeu, ensinando-o e exemplificando-o.

No entanto, o regresso à multidão ignara e materialista, viciada e incompreensiva, ainda não é aconselh ável a quem não esteja suficientemente amadurecido e firme nos novos rumos. É-nos isso ilustrado com os fatos ocorridos com Jesus. Iluminado pelo Alto (avisado pelo anjo) o intelecto (José) resolve ir para o meio religioso do próprio povo (Judeia = louvor a Deus). Mas percebe que lá ainda domina a intransigência religiosa, talvez perseguidora. Já não é mais aquele materialismo cego e perverso que procurava sufocar e matar o espiritualismo puro: já é "filho"; isto é, já avançou um pouco e está acima do vulgo (Arquelau = arch é + laós = "chefe do povo"), mas assim mesmo constitui perigo para o iniciante porque, mesmo no ambiente religioso, conserva as características da intolerância e do fanatismo estreito, que não pode perceber as luzes intensas da espiritualidade crística, mas apenas vê o lado externo e popular do espírito da religião.

Entra o intelecto novamente em oração e, ainda uma vez, recebe a inspiração de não afrontar o oficialismo religioso com sua presença. Resolve, pois, refugiar-se nas "regiões fechadas" (Galileia), entre aqueles que praticam o espiritualismo não oficial, e vai estabelecer sua morada na cidade de Nazaré, isto é, na dedicação a Deus (nazireato), para que se realize o que é predito por todos os conhecedore "será chamado nazoreu ou nazireu", ou seja, homem consagrado a Deus, de corpo e alma, vivendo no mundo e em prol do mundo, mas sem ligar-se ao mundo.


Figura "A VOLTA DO EGITO" - Pintura de Bidu, Gravura de Edouard Girardot