Sabedoria do Evangelho - Volume 1

CAPÍTULO 21

VISITA AO TEMPLO



LC 2:40-52

40. E o menino crescia e fortificava-se, enchendo-se de sabedoria, e a benevolência de Deus estava sobre ele.


41. Seus pais iam anualmente a Jerusalém, pela festa da Páscoa.


42. Quando o menino tinha doze anos, subiram eles, conforme o costume da festa;


43. e findos os dias da festa, ao regressarem, ficou o menino Jesus em Jerusalém. sem que o soubessem seus pais.


44. Mas estes, julgando que ele estivesse entre os companheiros de viagem, andaram caminho de um dia, procurando-o entre os parentes e conhecidos;


45. e não no achando, regressaram a Jerusalém à procura dele.


46. Três dias depois o encontraram no Templo, sentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os;


47. e todos os que o ouviam, muito se admiravam de sua inteligência e de suas respostas.


48. Logo que seus pais o viram, ficaram surpreendidos, e sua mãe perguntou-lhe: "Filho, por que procedeste assim conosco? Teu pai e eu te procuramos aflitos".


49. Ele lhes respondeu: "Por que me procuráveis? Não sabíeis que eu devia estar no que é de meu Pai"?


50. Eles porém não compreenderam as palavras que ele dizia.


51. Então desceu com eles e foi para Nazaré e estava-lhes sujeito. Mas sua mãe guardava todas estas coisas em seu coração.


52. E Jesus progredia em sabedoria, em maturidade e em benevolência (amor) diante de Deus e dos homens.

Lucas coloca o regresso a Nazaré logo após a apresentação ao Templo, ignorando por completo qualquer outro acontecimento. Diz-nos ele que o menino crescia e fortificava-se (na parte física) enchendose de sabedoria (na parte intelectual). Alguns manuscritos acrescentam "fortificava-se em espírito". O interessante a notar é que o evangelista salienta que o desenvolvimento da personalidade de Jesus se processava normalmente: não possuía a sabedoria total infusa, mas a adquiria aos poucos. Essa opinião é acatada por certos autores, como Cirilo de Jerusalém (Patrol. Graeca, vol. 75, col. 1
332) e Tomás de Aquino (Summa Theologica, III, q. XII, a. 2). Explicam que, como "homem" (como personalidade) Jesus progrediu segundo as leis naturais, crescendo seu conhecimento concomitantemente com o corpo.

A lei mosaica ordenava que todos os homens que chegassem à idade da puberdade deveriam visitar o Templo de Jerusalém três vezes por ano: na Páscoa, no Pentecostes e na festa dos Tabernáculos (EX 23:14-17; EX 34:23 e DT 16:16), preceito que não incluía as mulheres. A ida de Jesus aos doze anos não era ainda obrigatória, de vez que só aos quinze o homem se tornava realmente "israelita" ou "filho do preceito" (bar misheváh).

A festa da Páscoa durava sete dias, finalizando com grande solenidade (EX 12:15 ss; LV 23:5 ss; e DT 16:1 ss). O menino, com doze anos e muita inteligência, não era vigiado. Assim, ao organizar-se o primeiro acampamento à noite, na viagem de regresso, José e Maria deram por falta dele. Não o acharam entre os parentes e amigos. No dia seguinte regressaram a Jerusalém, observando outros grupos que saíam da cidade e não no encontraram durante todo aquele dia, nem mesmo na casa de conhecidos. No terceiro dia, resolveram ir ao Templo, e lá o descobriram, sentado entre os doutores (ou melhor, entre os "mestres" - didáskaloi).

As perguntas que lhes fazia, e as respostas que lhes dava, encheram os velhos mestres de admiração e estupor, em vista da sabedoria muito acima de sua idade, que ele revelava.

Os pais também ficaram atônitos, tanto pela cena que presenciavam, como pelo modo de agir com eles. Vem a frase de repreensão de Maria, que, falando a Jesus a respeito de José (única vez que isto acontece) lhe dá o título de "pai": "teu pai e eu".

Jesus responde. São as primeiras palavras Suas que este Evangelho reporta.


A resposta é incisiva e esclarecedora: ele precisava estar no que era de Seu pai. Há três interpretações da expressão grega έν τοϊς τοΰ πατρό

ς . 1. ª) no que é de meu Pai; 2. ª) na cas8. de meu Pai; 3. ª) nos neg ócios de meu Pai.

Ao regressar a Nazaré, Jesus estava sujeito a seus pais (obediência), desenvolvendo-se gradativamente na parte intelectual (sabedoria), na parte psíquica e emocional (maturidade) e na parte moral e espiritual (benevolência ou amor).


A anotação de Lucas (prescindindo das particularidades narradas por Mateus) ensina-nos que o Homem-

Novo se recolhe à Galileia ("jardim fechado") consagrando-se ao Senhor. Nesse ambiente, o espírito, embora "menino", cresce e se fortifica, enchendo-se de Sabedoria e aprofundando-se cada vez mais em seu coração, conquistando ("tomando de assalto", MT 11:12) o Reino de Deus, e imergindo na benevolência divina que o envolve.

Ao completar doze anos de consagração íntima a Deus, e preparação pessoal, o menino vai pela vez primeira enfrentar o grande centro religioso.

Por que aos "doze anos"? O arcano 12 tem profundo significado: no plano superior simboliza os messias ou enviados; no plano humano exprime o holocausto, o sacrifício de si mesmo em benefício da coletividade. O sacrifício é sempre feito no plano da matéria (os 12 signos zodiacais), que é especializado para a experimentação e provação dos espíritos, único plano cm que estes recebem o impulso indispensável para a subida.

O evangelista anota que Jesus SUBIU para Jerusalém (que significa "visão da paz"). Se é verdade que Jerusalém estava construída no alto de um monte, não o é menos que para "ver-se a paz" verdadeira é mister subir vibracionalmente ao plano do espírito.

Seus pais José e Maria (isto é, os que conseguiram o "nascimento do menino", o intelecto e a intuição) são chamados aos seus afazeres, e DESCEM de Jerusalém para o mundo de lutas (plano advers ário, ou diabólico). Repentinamente, "dão por falta" do Cristo, de quem perderam o contato. Aí come ça ansiosa busca entre parentes e conhecido (talvez voltando ao antigo hábito de orações a santos e guias). Mas não no encontram.

São então forçados a voltar a Jerusalém, a reingressar na "visão da paz", e só depois de algum tempo (três dias) de permanência nesse estado de meditação, é que o surpreendem novamente "no Templo", ou seja, no local sagrado onde habita a Centelha Divina: o coração, "templo de Deus", "Tabernáculo do Espírito Santo".

O intelecto e a intuição alegram-se ao reencontrá-lo, e o recriminam por haver desaparecido. A resposta é exata: "onde me encontraríeis, senão neste templo interior do coração, senão no que é de meu Pai"? Então, para que procurar? Já sabemos todos onde encontrá-lo.

Depois, mais firmes na fé, unidos mais do que nunca ao Cristo Interno, compreendem que deverão voltar ao "mundo" levando-o consigo, sem distrair-se com "parentes e conhecidos". Lidando no mundo sem perder contato com Deus em nossos corações. E é isso o que faz a intuição, que tudo percebeu, e "guardou tudo o que ocorreu em seu coração", em seu registro íntimo.

E no versículo final está resumida toda a ascensão sublime: Jesus progredia no tríplice aspecto: da individualidade (sabedoria), da personalidade (maturidade) e da divindade (benevolência = amor), não só em relação a Deus, como em relação aos homens. É o progresso que temos que perlustrar: avançar sempre, conquistando cada vez mais nos três campos.


SIMBOLISMO CÓSMICO

Acenamos (Visita dos Magos, 5 - O Astro) que O nascimento de Jesus passou a ser comemorado a 25 de dezembro, para conformar-se à data do "nascimento" do sol no solstício do inverno. Aprofundemos as observações - atentos a que estamos sempre referindo-nos ao hemisfério NORTE.


Jesus e comparado ao SOL (que exprime fogo, produzido pela fricção da madeira - era filho de u "carpinteiro" - e, qual o fogo, produz Luz). Eis algumas das datas escolhidas além dessa citada e seu cotejo com os fatos astronômicos:

1. - A concepção de Maria (Virgem) é colocada a 8 de dezembro, quando a constelação Virgo surge nos céus do hemisfério boreal, antes do solstício de inverno.


2. - Nove meses após, o nascimento de Mana é comemorado a 8 de setembro (signo de Virgo), quando a lua surge nessa constelação.


3. - A 25 de março, signo de Aries (Carneiro), festeja-se a anunciação (à concepção de Jesus), exatamente no início da primavera, estação da fecundação geral na Terra, quando em Roma se celebrava à festa de Anna Perenna (recordemos que, pela tradição a mãe de Maria era chamada Ana) ; Anna Perenna era representada pela lua, que se renovava todos os meses. No mês de março também eram comemoradas as concepções em Devanaguy (mãe de Krishna) e em Isis (mãe de Hórus).


4. - Três meses após, recorda-se a visita de Maria a Isabel, a 2 de julho, época em que Maria se oculta, para só reaparecer no nascimento de Jesus. Aí exatamente, no signo de Câncer (Carangueijo) a constelação de Virgo se oculta anualmente sob o horizonte do hemisfério norte, não sendo vista.


5. - A 25 de dezembro, signo de Capricórnio, após haver chegado ao horizonte a constelação de Virgo a 8 de dezembro, comemora-se o nascimento de Jesus (assim como o de Krishna, de Hórus e de Apolo), correspondendo a data à entrada do Sol no solstício do inverno (natalis Solis invicti). O hemisfério boreal celeste apresenta, nessa época, a seguinte configuração: aos pés de Virgo, a cabeça da constelação da Serpente ("a mulher te ferirá na cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar". GN 3:15). A oeste a constelação do Touro e de Orion, com suas três estrelas em fila, em direção a Virgo, representando os "três reis magos". Completa o quadro a constelação do Carneiro, que lembra a homenagem dos "pastores". E justamente o sol inicia sua nova eclíptica na constelação de Virgo (daí Jesus filho da Virgem Maria).


6. - O mês de maio era consagrado, entre os egípcios, a Isis, mãe de Hórus. e entre os romanos a Maia (donde tirou o nome) a deusa da fecundação primaveril do planeta, senão, por isso, entre eles, o mês preferido para os casamentos.


7. - Quando a Terra ingressou no signo de Aries, 2. 000 anos antes de Cristo, o sacrifício religioso típico era o do cordeiro, salientado também na festa da Páscoa. Na época de Jesus ingressou a Terra no signo de Peixes. A palavra "peixe", em grego ІΧΟΥΣ, contém as iniciais da frase "Jesus Cristo, filho de Deus. Salvador" (Іησους Χριστος θεου Υιος Σωτηρ) . E a figura do "peixe" simbolizou Jesus entre os primitivos cristãos. Com Sua vinda, cessaram também os sacrifícios cruentos de cordeiros: pedia-se aos que acreditavam Nele, que se sacrificassem, corrigindo seus vícios. E o ritual para indicar a mudança de vida, a passagem do "homem-velho" (signo de Aries) ao "homemnovo, signo de Peixes), era exatamente imitar a vida dos peixes, mergulhando dentro d’água (batismo). Aos apóstolos diz Jesus que os fará "pescadores de homens" MT 4:19, MC 1:17). E o batismo permaneceu na Terra durante toda a era dos Peixes, oficialmente, como símbolo de admissão na "barca" de Pedro.


LC 3:1-6

1. No décimo quinto ano do reinado de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da Judeia. Herodes tetrarca da Galileia, seu irmão Felipe tetrarca da região da Itureia e Traconites, e Lisânias tetrarca de Abilene,


2. sendo sumos sacerdotes Anãs e Caifás, veio a palavra de Deus a João, filho de Zacarias, no deserto.


3. E ele percorreu toda a circunvizinhança do Jordão, pregando o mergulho da reforma mental para a rejeição dos erros,


4.como está escrito no livro das palavras de Isaías: "Voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas I veredas;


5. todo o vale será aterrado e todo monte e cuteiro será arrasado, os caminhos tortos far-se-ão direitos e os escabrosos, planos,


6. e todo homem verá a salvação de Deus". MT 3:1-6


1. Naqueles dias apareceu João Batista pregando no deserto da Judeia:


2. "Reformai vosso pensamento, porque se aproxima de vós o reino dos céus".


3. Porque é a João que se refere o que foi dito pelo profeta Isaías: "Voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas".


4. Ora, o mesmo João usava uma veste de pelo de camelo e uma correia em volta da cintura; e alimentavase de gafanhotos e mel silvestre.


5. Então ia ter com ele o povo de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a circunvizinhança do Jordão.


6. E eram por ele mergulhados no rio Jordão, confessando seus erros.


MC 1:1-6

1. Princípio da Boa Nova de Jesus Cristo.


2. Conforme está escrito no profeta Isaías: "Eis aí envio eu meti anjo ante a tua face, que há de preparar o teu caminho;


3. Voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas",


4. apareceu João Batista no deserto, pregando o mergulho da reforma mental para a rejeição dos erros.


5. E saíam a ter com ele toda a terra da Judeia e todos os moradores de Jerusalém. e eram por ele mergulhados no rio Jordão, confessando seus erros.


6. Ora João usava uma veste de pelo de camelo e uma correia em volta. da cintura, e comia gafanhotos e mel silvestre.


Depois de adiantado o trabalho, já no capítulo 3. º, Lucas dá-nos finalmente apontamentos mais precisos para estabelecermos uma cronologia da vida de Jesus. Estudemos os vários dados históricos fornecidos. 1. º - "No 15. º ano do reinado de Tibério César"

Tibério sucedeu a Augusto, à morte deste, no dia 19 de agosto de 767 de Roma, 14 de nossa era (Dion, 56, 31). Nessa ocasião, assumiu o título de "César", e começou de fato a "reinar".

Segundo essa cronologia, o 15. º ano de seu reinado, na qualidade de César, ocorre de 19-8-28 a 19-8- 29 de nossa era (781 a 782 de Roma). O início da pregação de João ter-se-ia dado nesse ano de 28; o mergulho de Jesus (que contaria então 35 anos) teria ocorrido antes da Páscoa de 29, e sua morte na Páscoa (14 de nisan) do ano 31 de nossa era (784 de Roma) contando Jesus 37 anos de idade.

Há duas variantes na interpretação dessa data: a) diz-se que, de fato, Tibério foi "associado" ao governo de Augusto no ano 11 (764 de Roma).

No entanto, não usava o título de César, nem tampouco assumiu as rédeas do governo, porque não permaneceu em Roma. Com efeito, no ano 7 Tibério partiu para a Dalmácia, levando reforço de tropas a Germânico (Dion, 55, 31); no fim do ano 8 regressa a Roma (Dion, 56:
11) aonde chega no início do ano 9, assistindo aos jogos triunfais em sua homenagem (Dion, 56, 1). Na primavera (maio), volta à Dalmácia (Suet., Tib.,
16) dirigindo-se, no outono (outubro-novembro) ao Reno (Germânia). No ano 10 Tibério está novamente em Roma, e no dia 10 de janeiro faz a dedicação do Templo da Concórdia (Mommsen, Hist. Rom., 10, pág. 60). Logo após segue para o Reno, assumindo o comando das tropas romanas e passa nessa região todo esse ano e o ano 11 (Mommsen, Hist. RM 9, pág.
61) assim como o ano 12 (Hermann Shulz, Quaestiones Ovidianae, pág. 55). No ano 13 (Schulz, ibidem), em Roma, celebra a 16 de janeiro o triunfo pela guerra da Panonia, recebendo de Augusto, novamente, o poder tribunício sem limite de tempo (Dion, 65, 28). Nessa época e no início do ano 14, Augusto faz o recenseamento ajudado por Tibério (Suet., Oct. 27). A 19 de agosto de 14 Tibério assume o governo, começa a reinar no lugar de Augusto (Dion, 56, 29-31 e Suet., OCt., 100).

Nem para Roma, nem mesmo para as províncias, poderiam ser consideradas essas atividades de Tib ério, sobretudo extra urbem, como "reinado de Tibério César".

Esta 2. ª interpretação anteciparia todas as datas do Evangelho de dois anos, ou seja: a pregação de João e o mergulho de Jesus (que contaria 33 anos) seriam no ano 27, e sua morte no ano 29, tendo Jesus 35 anos (Cfr. Hieron., De Viris, 5; Catálogo Filocaliano e Libri Paschales do 5. º século, in Patrizi, De Evange1is 3, pág. 515).

Essa interpretação foi aceita pelo catolicismo romano, pois em 1929 comemorou com um "Ano Santo" o 19. º centenário da morte de Jesus.

b) Ponderam alguns estudiosos que o ano, na Síria, é computado a partir de 1. º de outubro. E raciocinam que talvez fosse considerado o primeiro ano do reinado o período de 19-8-14 a 1-10-14 (um mês e meio), sendo o período de 1-10-14 a 1-10-15 considerado como o segundo ano de reinado.

Essa interpretação daria um resultado intermediário às datas evangélicas, fixando-se a pregação de João e o mergulho de Jesus (que teria 34 anos) no ano 28, e Sua morte do ano 30 (tendo Jesus 36 anos). Cfr. Fouard, Vie de Jésus, II, pág. 445-448; Wieseler, Chronologische Synopse, pág. 334 e Cáspari, Einleitung, pág. 44; Pirot, Saint Jean Baptiste, pág. 123-127.


Difícil, porém, que um rápido período de pouco mais de um mês tivesse sido considerado como "Primeiro ano". 2. º - "Sendo Pôncio Pilatos Governador da Judeia"

Pôncio Pilatos foi nomeado "procurador" da Judeia, em substituição a Valério Grato, no ano 26 (Josefo, Ant. Jud., 18, 4, 2). No ano 36, Lúcio Vitélio, legado imperial na Síria, enviou Pilatos a Roma, por causa de acusações, cuja defesa não foi aceita por Calígula (Josefo, Ant. Jud., 18, 6, 10), que nomeou Marulo para substituí-lo. A cidade de residência dos procuradores romanos era Cesareia de Filipe. 3. º - "Herodes, tetrarca da Galileia, seu irmão Filipe, tetrarca da região de Itureia e Traconites, e Lisânias, tetrarca de Abilene" O título de "tetrarca" havia muito não designava mais o governador de um reino dividido em quatro, tanto que Antônio conferiu esse título, em 41 A. C., a Herodes o Grande, governador único da Palestina.

Todavia, à morte deste (4 A. C.), a região resultou mesmo dividida em quatro partes, sendo seus governantes: I - Arquelau, filho de Herodes o Grande e da samaritana Maltace. Recebeu, com o título de "etnarca", a Judeia, a Iduméia e a Samaria. que ele governou só dez anos: em vista de sua crueldade, foi exilado no ano 6 de nossa era para a cidade de Viena nas Gálias. Por seu afastamento, seu território passou a ser governado pelo procurador romano.

II - Herodes Antipas (ou Antípater), irmão do precedente, foi feito herdeiro por seu pai, com o título de tetrarca da Galileia e da Peréia, que governou até cerca do ano 39, quando foi exilado com sua esposa Herodíades, por Calígula, para Lyon, nas Gálias, tendo falecido na Espanha (Josefo, Ant. Jud., 18,7,2).

III - Herodes Felipe, filho de Herodes o Grande com Cleópatra de Jerusalém, foi, de 4 A. C. até 32 A. D., tetrarca da Batanéia, Traconites, Auranítides, Gaulanítides e Panéias, cidade que ele reconstruiu com o nome de Casareia de Felipe. Lucas cita apenas as duas regiões extremas.


IV - Lisânias, filho de Lisânias I, que reconquistou sua tetrarquia à morte de Herodes o Grande, governando Abilene, no Anti-Líbano, a oeste de Damasco, limite extremo-norte do ministério de Jesus. 4. º - "Sendo sumos sacerdotes Anás e Caifás"

Anás (Hannah ou Ananus) era sumo-sacerdote desde o ano 6 A. C. e foi deposto em 15 A. D. por Valério Grato, governador da Judeia, que nomeou em seu lugar Ismael, filho de Fabi; em 16, Eleazer, filho de Anás, sucede a Ismael; em 17 é sumo sacerdote Simon, filho de Kamit; e em 18 sucede-lhe José, chamado Caifás, genro de Anás. Caifás manteve o cargo ininterruptamente, até 36, quando foi deposto por Vitélio. Como sogro de Caifás, Anás ter-se-lhe-ia agregado, exercendo grande influência sobre ele, a ponto de Lucas citar os dois como Pontífices Supremos, quando, por lei, deveria haver um.

Entramos, agora, nos textos equivalentes dos sinópticos, com pequeníssimas variantes.

"Veio a João a palavra de Deus", ou seja, chegou-lhe a inspiração do Alto. O deserto de Judá (Juízes 1:16) estendia-se ao sul de Arad, a leste de Bersabé. Mas o deserto da Judeia era a planície de Jericó.

João vivera retirado, entre os essênios, dos quais guarda as características, inclusive o hábito da purifica ção pela água.

Havia três tipos de "ablução" entre os judeus: l. ª) as prescritas pela Lei Mosaica em LV 14:1-32 (em caso de lepra), em LV 15:1-33 (após as relações sexuais) e em LV 11:24-27 (após tocar um cadáver). 2. ª) os "batismos" (mergulhos) essênios, para iniciação de novos membros, que se tornavam "iniciados" ou "purificados" (catharói), 3. ª) O "batismo" dos prosélitos judeus, que vinham do paganismo, e que conhecemos através de uma discussão entre as escolas de Hillel e de Chamai, e que parece ter sido um rito bem firmado já um século antes de nossa era. No 1. º século de nossa era, por influencia da escola de Hillel, tornou-se o rito de iniciação por excelência.

João não permanece parado, mas percorre toda a circunvizinhança do Jordão, pregando "o mergulho da reforma mental".

A palavra "batismo" significa realmente "mergulho", e o verbo "batizar" tem o sentido exato de "mergulhar" . Não é possível outra interpretação, da letra que é bastante clara.

O termo vulgarmente traduzido por "arrependimento" (metánoia) tem o sentido preciso de "reforma mental" (metá e noús). Não é, pois, um arrependimento no sentido de "chorar o mal que praticou", mas sim a modificação radical dos pensamentos, da mente, e do comportamento: a reforma mental.


A expressão είς άφεσιν άµαρτιώυ, geralmente traduzida "para remissão dos pecados", tem, na realidade, o sentido de "’para rejeição dos erros", Com efeito άφεσις é rejeição, repúdio, afastamento; e
άµαρτιώ

ν tem o significado muito mais vasto que pecados": é o erro em geral, qualquer erro. Pelos demais textos do Novo Testamento, verificamos que esse é o melhor sentido para essa expressão.

Interessante observar que Mateus emprega constantemente (31 vezes) "reino dos céus", que nos demais evangelistas aparece como "reino de Deus" (que Mateus só usa 4 vezes). Ambas se equivalem.

Como o nome Inefável não devia ser pronunciado, a ele se substituía a palavra Céus, no plural (no hebraico, shamaim e no aramaico shemata só havia a forma do plural). Mateus, mais arraigadamente judeu, evitava o emprego do tetragrama, escrúpulo abandonado pelos outros escritores.

O texto é de Isaías (40:3), extraído dos Septuaginta, e em Lucas aparece mais completo 40:3-3. Isaías referia-se literalmente à intervenção de Ciro, com seu edito de 538 A. C., considerado um messias, por haver salvo os israelitas do cativeiro da Babilônia. Mas Lucas emite a primeira parte do versículo 5, que, completo, diz: "e a Glória de Yahweh se manifestará e toda carne (todo homem) juntamente o verá".

Marcos, sob o nome de Isaías cita no versículo 2 o texto de Malaquias (Malaquias 3:1), com o qual emenda a cita ção de Isaías.

O que diz Malaquias confirma que João Batista é a reencarnação de Elias. E as palavras de Isaías referem o que se costumava fazer para preparar o caminho dos reis que iam visitar as cidades de seu reino: tornar mais retas as veredas, aterrar os vales, aplainar os montes e outeiros, tirar as pedras do caminho, etc. Tudo isso pode ser interpretado moralmente, no sentido de preparar os homens para receber as verdades que Jesus viria pregar.

Mateus e Marcos dão-nos a descrição física do arauto. Usava uma veste de "pelo de camelo". A palavra veste compreende as duas peças principais, a túnica e o manto. A túnica era presa aos rins por um cinto de couro.

Esse era exatamente o trajo de Elias, que trazia um cinto de couro para. prender a túnica de pelo de camelo (2RS 1:7-8) e além disso levam-nos a confirmar a crença de que João era realmente essênio.

Quanto à alimentação, fala-se em gafanhotos e mel silvestre. Os beduínos e nômades de Amman e de Petra ainda hoje utilizam esse alimento casualmente: tiram a cabeça, as patas e as asas, assam o gafanhoto sobre brasas, e dizem que não é desagradável ao paladar.

Mateus afirma que muitos eram mergulhados, "confessando seus erros", coisa que se explica pela exaltação religiosa, não rara em movimentos de alto teor místico.

O estudo do simbolismo leva-nos a várias conclusões.

Em primeiro lugar verificamos que as anotações de datas e cronologias são dadas em relação a João, e não a Jesus. Com efeito, João representa a personalidade, que ainda está sujeita a tempo e espaço, ao passo que Jesus, a individualidade, transcende tudo isso e vive na eternidade sem datas e sem pontos de referência.


Anotemos de passagem o simbolismo de alguns dos nomes citados. Além de João (Yohânan = Yahweh é favorável), temos uma descrição rápida do ambiente em que João começou o ministério da pregação. O governador supremo o "César", era a figuração de Roma, representada pelo Rio Tibre (Tiber

—Tibérius) e seu representante, lançado como uma ponte (Pontius) armada (Pilatus = armado d "pila", uma arma romana), dominava a religião (Judeia = louvor a Deus); Herodes, o idumeu (edom = vermelho, sangue), domina a região fechada (coração, Galileia) e o amigo dos cavalos (Felipe) na região rude e árida (Traconites); mas aquele que dissipa a mágoa (Lisânias) governa a planície verdejante (Abilene). Como superiores religiosos oficiais a graça (Anás) dominado pelo opressor (Caif ás). Esse o painel confuso da Terra, quando a grande personalidade de João inicia sua missão de Precursor: uns poucos bem intencionados, mas a maioria vivendo, por ignorância, na maldade e no materialismo.

Nessa situação, vem ao arauto a "palavra de Deus (não se trata do Lagos, palavra ativa, principio criador, mas de REMA, palavra discursiva, articulada, que dá ordens), incitando-o a dar início à ação.

A personalidade não é influenciada pelo Logos, que apenas atua na individualidade (coração).

João (a personalidade) falava ainda no deserto de individualidades, exortando as criaturas ainda no lano animalizado à reforma mental, a fim de renunciarem à inferioridade e renascerem pela água, em nova personalidade (da mesma forma que o renascimento do corpo se efetua através do mergulho no líquido amniótico do ventre materno). O "mergulho", pois é um renascer simbólico, como se a criatura entrasse no ventre materno da Mãe Terra e de lá saísse purificado dos erros das existências anteriores, nova criança, homem renovado.

Todas as arestas precisam ser aparadas, os excessos amputados, as deficiências preenchidas, retificadas as veredas das intenções, afastadas as pedras, embotados os espinhos, para que a personalidade possa elevar-se, vendo a salvação que vem de Deus e atingindo assim, através do ingresso no "reino dos céus", isto é, do viver na individualidade, a capacidade de aprender os ensinos de Jesus.

Todos os que já estavam no plano do "louvor a Deus" (Judeia) e na "visão da paz" (Jerusalém) ouviam a voz a clamar e iam em busca do mergulho para o novo nascimento. Só quando a criatura atinge determinado grau de maturidade e que pode ouvir o apelo divino; porque toda reforma e toda melhoria em que vir de dentro para fora: o chamado deve ecoar no coração, para que este possa responder com honesta sinceridade.