23. Ora, o mesmo Jesus, ao começar seu ministério, tinha cerca de trinta anos.
35. No dia seguinte João estava outra vez com dois de seus discípulos
36. e, olhando para Jesus que passava., disse: "eis ali o Cordeiro de Deus".
37. Ouvindo-o dizer isto, os dois discípulos seguiram a Jesus.
38. Voltando-se Jesus e vendo-os a seguí-lo, perguntou-lhes: "Que buscais"? Disseramlhe: "Rabbi (que quer dizer Mestre) onde moras"?
39. Respondeu ele: "Vinde e vereis". Foram, pois, e viram onde morava, e ficaram aquele dia com ele; era mais ou menos a hora décima.
40. André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram João falar e que seguiram a Jesus.
41. Ele procurou ao alvorecer seu irmão Simão e lhe disse: "encontramos o Messias" (que quer dizer Cristo).
42. E o levou a Jesus. Olhando para ele, disse Jesus: "Tu és Simão, o filho de Jonas: tu serás chamado Cefas (que significa. Pedro).
A primeira frase de Lucas dá-nos conta da idade de Jesus ao iniciar seu ministério: "cerca de trinta anos".
Estávamos nos primeiros meses do ano 29 de nossa era, isto é, 782 de Roma, e Jesus, que nasceu em 7 A. C. (747 de Roma), contava precisamente 35 anos. A anotação de Lucas visava apenas a esclarecer que Jesus já tinha a idade "legal" para sua vida pública, quer civil, quer religiosa.
No trecho de João, volta.como primeiras palavras, a expressão: "no dia seguinte". Se começarmos a contar partindo do primeiro episódio (as respostas de João aos emissários do Sinédrio), o fato aqui narrado situa-se no 3. º dia. Será interessante notar que a sequência prosseguirá até o 7. º dia.
Observemos a cena. Trata-se dos dois primeiros discípulos que Jesus aceita (segundo a narrativa evang élica) e portanto da inauguração oficial de seu magistério na Palestina.
O evangelista foi testemunha ocular: dá-nos os pormenores. João, meio afastado, conversava com dois discípulos seus, quando viu Jesus passar a distância. Num desabafo de admiração, repete a frase da véspera: "vejam ali o Cordeiro de Deus"! Essa repetição constituiu um impacto no espírito dos dois que, apressadamente, se afastaram do Batista, fascinados pelo anseio de encontrar o melhor Mestre. E se o próprio mestre deles O indicava, podiam confiar com total segurança. Além disso, a Força Interna deles os impelia, e a de Jesus os atraía irresistivelmente.
—Que desejais?
Os dois entreolham-se. Que dizer? A primeira ideia é enunciada, daí subentendendo-se o resto: - Mestre, onde moras?
O título "Mestre", dito em hebraico-talmúdico, RABBI, era o título oficial reservado aos Doutores da Lei. Mas também se aplicava por delicadeza ou para demonstrar admiração por alguém mais sábio.
A resposta de Jesus: "vinte e vereis" correspondia à aceitação tácita dos dois novos discípulos. O narrador, que era um deles, continua com simplicidade: "eles foram e viram, e ficaram aquele dia com ele". E para firmar que não foi uma conversa rápida e cerimoniosa, acrescenta o pormenor da hora do encontro: "era mais ou menos a hora décima ", isto é, dezesseis horas. Essa anotação da hora é comum em João (cfr. 4:52; 18:28; 19:14 e 20:19), o que nos revela, ainda uma vez, a preocupação de João com a numerologia, que atinge o clímax no Apocalipse.
Como se julgava inadmissível e desrespeitoso chegar a essa hora da tarde em casa de alguém e retirarse para pernoitar em outro local, deduz-se que os dois passaram a noite entretendo-se com o Rabbi, de lá saindo só depois do nascer do sol.
Mas, quem eram os dois? De um, o narrador dá o nome: André (nome tipicamente grego, o que era comum na Galileia "dos gentios") e acrescenta para identificá-lo melhor: "irmão de Simão Pedro".
Simão é a helenização do hebraico Shim’on ("YHWH ouviu"). Eram ambos naturais da cidade de Bethsaida-Júlia (hoje El-Tell) a nordeste do Tiberíades (cfr. vers. 44). E o outro? Reza a tradição tratarse do próprio evangelista João, em vista dos pormenores narrados (é o único a documentá-los). E em todo o seu Evangelho, ele jamais se cita.
E essa sequência revela ensinamentos simbólicos de valor inestimável, e João não podia perder a oportunidade de ensiná-los aos leitores de seu Evangelho.
O anúncio de André a Pedro é taxativo: "encontramos o Messias".
A exigência dos trinta anos para início da vida pública, baseava-se também num simbolismo numerol ógico: a completação do desenvolvimento da personalidade (3 X 10), embora se houvesse já de há muito esquecido a razão que havia feito escolher essa idade.
Aqui observamos o fato de um mestre indicar a seus discípulos (talvez os melhores que possuía) o caminho de outro mestre: completa ausência de ciúmes! Mas verificamos que é a personalidade (o intelecto iluminado, João) que compreende que, quando o discípulo chegou a determinado grau evolutivo, tem que ser entregue à individualidade (Jesus) para que continue o aprendizado.
Os discípulos percebem a insinuação da personalidade (João) e seu desprendimento, e voltam-se, sem titubear, para a individualidade (Jesus) perguntando-lhe: "Onde moras"? A sede da personalidade, eles bem o sabem, é o intelecto. Também sabem que, para ter esse desprendimento sem ciúme e sem vaidade, o intelecto já está iluminado, esclarecido nas grandes verdades. Dirigem-se pois à individualidade e lhe perguntam "onde mora", porque ainda ignoram qual a sede desse novo plano. A resposta não poderia jamais ser o nome de uma rua nem o número de uma casa (observamos que os Evangelhos jamais disseram onde Jesus residia) porque a individualidade não tem sede no mundo físico. Daí poder Jesus dizer: "as raposas têm seus covis e os pássaros seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça" (MT
E os discípulos foram e viram sua elevação espiritual; penetraram no coração e descobriram o Espírito e "ali permaneceram", em meditação, todo aquele dia.
Era mais ou menos a "hora décima". Essa anotação numerológica não se refere aos novos discípulos, mas a Jesus, à individualidade. Os nove primeiros arcanos referem-se ao desenvolvimento do homem interno. O décimo exprime o início da atividade exterior. Não foi para ele mesmo que o evoluído viveu as etapas do Conhecimento Profundo e triunfou de uma série de provações. Uma vez atingido o ápice e superadas as "tentações", ele precisa aplicar seu saber e sua experiência, levando outros pelo mesmo caminho. A anotação do evangelista, pois, tem todo o cabimento, no momento exato em que Jesus (a individualidade) recebe e aceita os primeiros discípulos, a fim de aplicar seus’ conhecimentos: para ele, soara a décima hora. A João interessava assinalar quais os discípulos que seguiram Jesus. Cita-lhes os nomes. O primeiro, André, representa exatamente o HOMEM; o segundo, que era ele mesmo, é omitido; o terceiro, ao despontar da aurora do outro dia, é Simão (nome que significa: YHWH ouviu", da raiz shama). Mas Jesus lhe muda o nome para Pedro, como representante daqueles que interpretam as Escrituras à letra, levados pela emoção. Ele adere de imediato à individualidade, embora, por falta de intelectualismo e do domínio das emoções, tenha de passar por muitas provas, nem sempre saindo vencedor. No entanto, em vista do desenvolvimento emocional, é escolhido para dirigir o Colégio Apostólico, que está fixado no Raio da Devoção, dirigido por Jesus.
O nome com que Jesus é apresentado corresponde exatamente à realidade: o CRISTO INTERNO, a parte espiritual impregnada da Divindade, ou CRISTO CÓSMICO, da qual a parte material é apenas a contraparte, a condensação ou materialização, dando origem à personalidade visível no plano físico e transitório na dimensão tempo e espaço.