Sabedoria do Evangelho - Volume 1

CAPÍTULO 28

VOLTA À GALILEIA



JO 1:43-51

43. No dia seguinte, resolveu (Jesus) ir à Galileia e encontrou Filipe, e disse-lhe: "segueme"!


44. Ora, Filipe era de Betsaida, cidade de André e de Pedro.


45. Filipe encontrou Natanael e declarou-lhe: "encontramos aquele de quem Moisés escreveu na Lei e os profetas falaram. Jesus filho de José, o de Nazaré".


46. Perguntou-lhe Natanael: "De Nazaré pode vir coisa boa?" Respondeu-lhe Filipe: "Vem e vê".


47. Vendo Jesus Natanael aproximar-se, disse dele: "eis um verdadeiro israelita, em quem não há engano"!


48. Perguntou-lhe Natanael: "Donde me conheces?" Respondeu Jesus: "Antes de Filipe chamar-te, eu te vi, quando estavas debaixo da figueira".


49. Replicou-lhe Natanael: "Rabbi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel"!


50. Disse-lhe Jesus: "por dizer-te que te vi debaixo da figueira, crês? verás coisas maiores que estas"...


51. E acrescentou: "Em verdade, em verdade vos digo, que vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem".

No dia seguinte (é o 5. º dia dessa sequência), Jesus resolveu regressar à Galileia, juntamente com seus três novos discípulos: João, André e seu irmão Simão-Pedro. Voltavam os quatro para sua terra natal, ao norte da Palestina.


Aí o pequeno grupo encontra Filipe. Também é nome tipicamente grego, significando "amigo do cavalo", embora corresponda. ao hebraico פֿבֿטּ׳אב (Phaltiel), que significa "libertação de El" (cfr, 2SM 3:15). Filipe aderiu de imediato. Podia confiar em seus amigos e conterrâneos. E logo se enfervora com o que ouve do novo mestre, tentando arranjar outro prosélito. Vai chamar Natanael (mesmo significado que Teodoro = "dom de Deus"). O nome de Natanael não mais aparece em o Novo Testamento; por isso os comentaristas o identificaram com Bartolomeu (filho de Tolmai), que é sempre citado ao lado de Filipe em todas as listas dos apóstolos (MT 10:3; MC 3:18; LC 6:14).

Segundo informações do próprio João (21:2), Filipe era natural ria cidade de Caná da Galileia (hoje, parece, Kefr-Kenna), que fica a 8 quilômetros de Nazaré, a aldeia de Jesus. Temos a impressão de que Natanael já conhecia Jesus, porque Filipe, ao anunciar-lhe o encontra "daquele de quem Moisés escreveu na Lei e os profetas falaram", cita o nome familiar: "Jesus, filho de José", esclarecendo "o de Nazar é". Esses pormenores deviam recordar algo a Natanael que com isso o identificaria.

Conhecendo Jesus, um operário braçal que vivia em minúscula aldeola, Natanael indaga: "e de Nazaré pode sair algo de importante"? Filipe, porém, não procura fazer a apologia de Jesus: convida-o apenas a verificá-lo de visu. E Natanael aceita e vai.

O primeiro choque vem do primeiro contato, quando ouve Jesus anunciar ao grupo: "vejam um israelita em quem não há simulação". Admirado com o elogio inesperado, Natanael indaga donde Jesus o conhece. Poderia ter tido informações. Mas o Rabbi quer revelar seu poder. Sabe que Natanael é pessoa íntegra, cumpridor de seus deveres religiosos, convicto de sua fé. E revela-lhe algo que o estarrece. Mas o evangelista registra apenas uma frase simples: "antes que Filipe te chamasse, eu te vi debaixo da figueira". Para nós, não faz sentido. Mas para Natanael deve ter constituído uma prova irretorquível, por aludir a algo que ele deveria estar fazendo debaixo da figueira, e a frase de Jesus deve ter tido significado profundo para ele, que exclama: "Rabbi, tu és o Filho de Deus (o Enviado especial), tu és o Rei de Israel (o Messias aguardado) "!

A resposta de Jesus vem ampliar de muito o horizonte mental dos cinco primeiros escolhidos para participarem da campanha de transfiguração do planeta.

Começa dizendo que a alusão à estada sob a figueira era de somenos importância e que muitas coisas, ainda mais extraordinárias, seriam por eles testemunhadas.


Passa então a esclarecer: "Em verdade, em verdade", locução típica à o hebraico. Quando um israelitaafirma, com força de juramento (mas sem jurar, para "não tornar em vão o nome de Deus), ele diz: amén (אמוּ) ou seja, "é verdade". E quando quer solenizar sua palavra, usa a expressão אמך סלח (amén selô): "é verdade eternamente".

Essa fórmula era com frequência empregada por Jesus, quando revelava fatos que desejava fossem compreendidos e lembrados por seus discípulos.

"Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo" é uma alusão indiscutível a GN 28:10- 17, onde se narra o sonho de Jacob em Bethel, quando de partia para a Mesopotâmia.

Aqui aparece pela primeira vez o título que Jesus se atribuía de FILHO DO HOMEM, já usado por algum profetas (cfr. DN 7:13-14, etc.) .


FILHO DO HOMEM

A expressão hebraica "filho de... ", exprime o possuidor da qualidade da palavra que se lhe segue: "filho da paz" é o pacífico; "filho do estrangeiro" é o estrangeiro; nessa interpretação, "filho do homem" é o homem. No entanto, embora em alguns passos possa interpretar-se assim (por exemplo:

"Deus não é como um homem que mente, nem como o filho do homem que muda ", NM 23:19) nem sempre essa expressão se conservoucom esse sentido. Na época mais recente do profetismo, o significado se foi elevando, passando a designar algo de especial.

Observamos assim que Daniel (Daniel 7:13) descreve a visão que teve do "Filho do Homem que vinha sobre as nuvens do céu". Isaías fala: "feliz o Filho do Homem que compreende isto" (56:2). Jeremias afirma que o Filho do Homem não habitará a Iduméia" (49:
18) nem Asor (49:
33) nem Babilônia (50:40 e 51:43), significando que não terá participação com os pecadores. Ezequiel só é chamado por YHWH de "Filho do Homem" (em todo o livro de Ezequiel, 92 vezes). O sentido, dessa maneira, se foi restringindo até assumir o significado que, na época de Jesus, já se havia firmado: era o Homem que já se havia libertado do ciclo reencarnatório ("guilgul" ou "samsara"). Nesse sentido, "Filho do Homem" se opunha a "Filho de Mulher", que representava o homem ainda sujeito às reencarnações, ainda não liberto da necessidade de nascer através da mulher.

O "Filho do Homem" é o Espírito que já terminou sua evolução, e que portanto se tornou o "produto do Homem", o "fruto da humanidade". Não mais necessita encarnar, mas pode fazê-lo, se o quiser.

Não está preso ao "ciclo fatal" (kyklos anánke): vem quando quer. São os grandes Manifestantes da Divindade, os Mensageiros, os Profetas, os Enviados, os Messias, que descem à carne por amor à humanidade a fim de trazer revelações, de indicarem o caminho da evolução, exemplificando com sua vida de dores e sacrifícios, a estrada da libertação, que eles já percorreram, e que agora apenas perlustram para mostrar, como modelos, o que compete ao homem comum fazer por si mesmo. É o caso de Krishna, Buddha, Moisés, Ezequiel, Jesus, Maomé, Ramakrishna, Bahá ’u ’lláh e outros.

Em o Novo Testamento encontramos o título "Filho do Homem" aplicado por Jesus a ele mesmo na seguinte proporção: em MT 31 vezes; em LC 25 vezes; em MC 14 vezes; em JO 12 vezes; apenas em JO 12:34 o título lhe é dado pelo povo. No entanto, Jesus não o aplica a mais ninguém. E dá-nos ele mesmo a definição do que entendia pela expressão, quando diz: "ninguém subiu ao céu, senão aquele que desceu do céu. a saber, o Filho do Homem" (JO 3:13), ou seja, só aquele que já subiu ao céu (que já se libertou da Terra, das reencarnações) é que, ao descer à Terra reencarnado, pode ser chamado "Filho do Homem", como era seu caso. Esse tem conhecimento próprio, adquirido pela experiência pessoal, do que se passa nos planos superiores à humanidade, e portanto pode falar com autoridade.

Não sendo mais "Filho de Mulher", mas "Filho do Homem", podia ele dizer que João Batista era o maior entre os "Filhos de Mulher", ou seja, entre aqueles que ainda estão sujeitos à reencarnação pela Lei do Carma. João era, realmente o maior entre os presos à "roda de Samsara"; mas o menor dos já libertos, era superior a ele; e Jesus era Filho do Homem, já liberto.

Interessante observar que, no resto do Novo Testamento, a expressão "Filho do Homem" aplicada a Jesus (que assim se denominava) só é encontrada na boca de Estêvão (AT 7:56) e em dois passos do Apocalipse (1:13 14:14). Explica-se o fato porque, fora da Palestina, sobretudo entre os gentios, a expressão podia ser interpretada ao pé da letra, e portanto traria sentido ridículo à pregação dos apóstolos sobre a pessoa de Jesus.

Depois de começar a admitir os discípulos na "hora décima", ou seja, a exteriorizar o aprendizado evolutivo interno, Jesus resolve caminhar com os recém-vindos para um local de meditação, onde lhes possa dar as primeiras lições e a exemplificação viva.

Ao penetrar o "jardim fechado" (Galileia) são citados mais dois nomes: Filipe, ou melhor Phaltiel, que significa a "libertação de El", isto é, o Espírito que se liberta do domínio da matéria, a individualidade que se livra do jugo da personalidade, passando a utilizá-la como instrumento da evolução, e não a servi-la como escravo. Filipe chama Natanael (o "dom de Deus"), completando-se assim o grupo de cinco, que simboliza a personalidade mais a intuição: ANDRÉ, o "homem" (físico), o "outro" (sensações), PEDRO (emoções), NATANAEL (o intelecto, "dom de Deus") e FILIPE (a intuição, intermediária entre a Mente e o Intelecto).

Como representante da intuição, Filipe convoca Natanael, o intelecto, com ele se comunicando. Agindo como legítimo intelecto comum, a primeira reação de Natanael é a crítica, e crítica com menosprezo.

Mas, em presença da individualidade, ao ouvir o conhecimento que ela tem do próprio intelecto, admirase profundamente. De início, ao perceber o conceito em que é tido, de não ser falso nem fingido, o intelecto indaga: "de onde me conhece"? É o vício da pesquisa, que quer explicação de tudo. Mas ao ouvir a resposta final, entrega-se inerme, rende-se sem mais resistência.

A frase que causou o impacto é simples: "antes que Filipe te chamasse, eu te vi sentado sob a figueira".

A figueira, abundantíssima em toda a bacia mediterrânea (e portanto também na Palestina) apodrece citada 56 vezes nas Escrituras (37 no Antigo e 19 em o Novo Testamento). Árvore que não produz frutos, mas apenas flores (embora flores "inclusas") era muito apreciada e tido como símbolo de abundância. Suas flores tinham grande utilidade: como alimento dos mais delicados e saborosos, e como medicamento (usado como cataplasma em antrazes, úlceras e abcessos) com efeito curativo. A árvore floresce na primavera em grande profusão.

De modo geral a figueira é citada ao lado da vinha, da oliveira e da romã, com expressão esotérica. A figueira representa a floração interna das qualidades morais e espirituais, isto é, a evolução em si mesma, a transmutação da seiva interior da árvore nas flores da perfeição, não abertas para o exterior, mas inclusas ou fechadas em si mesmas, florescendo para o íntimo. A vinha simboliza a sabedoria espiritual (como afirmavam: in vino véritas, no vinho, a verdade). A romã representa a fecundidade sexual e sua consequência natural: o desenvolvimento mental. A oliveira exprime a paz, quer a externa, quer sobretudo a interna e profunda. A figueira, uma das árvores mais antigas no conhecimento da humanidade, aparece desde as primeiras páginas da Bíblia. No profundo simbolismo do episódio adâmico, segundo o Gênesis (Gênesis 3:7), Adão e Eva cobriram suas partes sexuais com folhas de figueira (tradição conservada até hoje pelos pintores e escultores puritanos). O significado dessa ideia é que a parte material (animal) é superada (coberta) pelo aprimoramento da pujante força espiritual.

A expressão "sentar-se sob a figueira e sob a vinha", ou seja, preparar-se interiormente pela aquisição da Virtude e da Sabedoria é empregada em 1RS 4:26; em Miquéas, 4:4; em Zacarias 3:10 e em 1 Macabeus, 14:12, para simbolizar a Virtude e a Sabedoria que haverá na "época messiânica", isto é, no momento em que o homem se encontrará com o Messias ou Cristo Interno.

A frase de Jesus teve, portanto, sentido profundo, quando afirmou que, antes de ser avisado pela intuição, já ele (Cristo Interno) percebera o intelecto (Natanael) "sentado sob a figueira", ou seja, buscando ansiosamente o encontro com seu Eu, aspirando ao contato - por meio do florescimento das virtudes - com o Cristo Interno, o Filho de Deus, o Rei da Humanidade (Israel).

O intelecto que tem boa vontade, e desejo sincero de evoluir, cede sempre diante da realidade, vencido e convencido.

Mas Jesus acrescenta que ele e os companheiros veriam o "céu aberto", ou seja, penetrariam o segredo do "Reino dos Céus" que se abriria para eles, em seus corações, e, nesse encontro, seus Espíritos, os "anjos de Deus", subiriam e desceriam em contatos sucessivos, iluminando o Filho do Homem, o "espírito" liberto totalmente das peias da matéria.