Sabedoria do Evangelho - Volume 1

CAPÍTULO 32

EXPULSÃO DOS EXPLORADORES



(Em Jerusalém, abril de 29 A. D.)
MT 21:12-13

12. Jesus entrou no templo, expulsou todos os que ali vendiam e compravam, derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam as pombas,


13. e disse-lhes: "Está escrito, minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, a fazeis covil de salteadores".


LC 19:45-46

45. Tendo entrado no templo, começou a expulsar os que ali vendiam, dizendo-lhes:


46. "Está escrito: minha casa será casa de oração, mas vós a fizestes um covil de salteadores".


MC 11:15-17

14. E chegaram a Jerusalém. Entrando ele no templo, começou a expulsar os que ali vendiam e compravam, e derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam as pombas,


15. e não permitia que ninguém atravessasse o templo


16. levando qualquer objeto, e ensinava dizendo: "Não está escrito que minha casa será chamada casa de oração para todas as nações? mas vós a fizestes um covil de salteadores".


JO 2:14-17

14. Encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas, e também os cambistas sentados;


15. e tendo feito um azorrague de cordéis, expulsou a todos do templo, as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas e virou as mesas.


16. E disse nos que vendiam as pombas: "Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de meu Pai uma casa de negócio".


17. Então se lembraram seus discípulos de que está escrito : "O zelo de tua casa me devorará".

Interessante observar que João coloca o episódio no início da vida pública de Jesus; Mateus e Lucas o citam no domingo em que Jesus entra triunfalmente em Jerusalém, e Marcos na segunda-feira seguinte, pela manhã. Quando se realizou realmente? Ou será que a cena se repetiu duas vezes? Não há possibilidade de solucionar a questão com segurança absoluta, Mas parece, como pensam muitos exegetas, que a razão está com João. No libelo acusatório da quinta-feira seguinte, a última acusação ("finalmente", MT 26:60) é a de que Jesus falara da destruição do Templo e de sua reconstrução em três dias.

Ora, se o episódio se houvesse verificado quatro ou cinco dias antes, que "se recordava" de havê-lo ouvido dizer isso. Os três sinópticos só falam de Jesus em Jerusalém nessa época: natural que, por comodidade, tivesse aí colocado o episódio.

Os vendedores permaneciam no ádrio do templo (hierô), único local em que podiam penetrar os gentios (isto é, os não-judeus), e não dentro do templo propriamente dito (naós). Alinhavam-se as mesas no pórtico, como de uso nas vias públicas, e vendiam bois, ovelhas, pombos, farinha, bolos, incenso, óleo, sal e vinho. Além disso havia os cambistas, que trocavam dracmas gregas, e denários romanos, por siclos judeus, únicas moedas aceitas como ofertas. A troca era feita com ágio ("cóllybos").

Todos, vendedores e cambistas, contribuíam com percentagens para os sacerdotes, e Rabbi Simeão Ben Gamaliel queixa-se dos altos preços extorsivos cobrados pelos vendedores do Templo.

Marcos anota que Jesus protestou também contra a travessia do Templo, a carregar pacotes. Esse costume foi condenado no Tratado Barakoth do Talmud. Com efeito, para evitar uma volta grande, o povo se acostumou a carregar suas cargas atravessando o Templo de leste a oeste.

Marcos é o único evangelista que traz as citações completas. A de Isaías (Isaías 56:7) segundo os LXX: "minha casa será chamada casa de oração para todas as nações". E a de Jeremias (Jeremias 7:11), quando esse profeta exorta os israelitas a melhorarem suas vidas; pois se continuassem a roubar, a matar e a mentir, entrando no Templo com seus crimes, "esta casa, que é chamada de meu nome, se tornaria a vossos olhos um covil de salteadores".

Outro argumento a favor de João, colocando a expulsão no início da vida pública, é que o fato constitui uma confirmação das palavras do Batista ("entre vós está aquele de quem não suspeitais", Jo 1:26) e da profecia de Malaquias (Malaquias 3:1): "depois disso, o Anjo do Testamento, que esperais impacientemente, fará sua aparição no Templo".

Segundo João, Jesus faz um chicote de cordinhas (é usado o diminutivo) ou cordéis, para enxotar os animais (não poderia fazê-lo com carícias!); mas aos homens dirige a palavra candente, derrubando as mesas donde caíram as moedas dos cambistas. Figura - "A expulsão dos exploradores", quadro de BIDA, gravura de FLAMENG.

Para uma ação desse tipo, não houve necessidade de "milagre": a intervenção repentina e inesperada, com autoridade, desconsertou-os, e eles obedeceram sem reação, inibidos de espanto.

Muito mais tarde é que os discípulos se lembraram das palavras do Salmo (69:9), citadas segundo os LXX, no futuro: "o zelo da Tua casa me devorará ".


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O fato da expulsão dos "exploradores" do Templo, bem aceito pela teologia católica, quer romana, quer reformada, sofre grandes restrições no ambiente espiritista. Convictos da bondade de Jesus, de seu amor para com os pecadores e humildes, não querem admiti-Lo violento. Parece-nos haver confus ão entre violência e energia, entre bondade e complacência. Pode e deve haver bondade enérgica, frequentemente indispensável na educação de crianças rebeldes, sem que haja violência. A moleza de caráter (muitas vezes chamada "benevolência") pode em certos casos constituir até crime. Cruzaríamos os braços diante de um bandido que estivesse para assassinar um bando de crianças, e se tivéssemos força capaz de detê-lo sem matá-lo? E nossa conivência, sob a capa cômoda da "caridade", não seria cumplicidade?

Não se alegue que Jesus "perdeu a linha", porque nenhum evangelista deixa supó-lo. Repreender com severidade, derrubar uma mesa de cambista, pegar um feixe de pequenas cordas para enxotar animais, é um gesto de justa indignação que supõe grande elevação espiritual diante da profanação de um lugar sagrado. Vem isto provar-nos que não devemos - nem podemos - pactuar com o abuso, sobretudo de negociar nos lugares destinados à oração.

Quanto ao "chicote" de cordéis, não é necessário supor-se uma "figura", dizendo que era o chicote "da palavra". Não se diz no Evangelho que Jesus espancou os exploradores, mas apenas que fez o chicote, com ele espantando os animais, que não podiam entender as palavras candentes que dirigiu aos homens.

O episódio não pode ser posto em dúvida, quando vem narrado nos quatro evangelistas. E em muitas outras ocasiões podemos observar o retrato de um Jesus másculo e forte. Jamais o vemos fraco e covarde.

Seria inadmissível que um Espírito, com a autoridade de Jesus que criou o planeta, aqui chegasse com um caráter mole e efeminado. A força moral de Jesus, assim como sua energia, é bem confirmada pelas palavras duras com que enfrentava os enganadores do povo, que faziam da religião simples degraus para subir no conceito popular e para adquirir prestígio e honrarias, ou posição política, ou riquezas e isenção de obrigações.

Desse fato, narrado pelos quatro evangelistas, deduzimos um ensinamento valioso. Trata-se da autoridade e severidade com que devemos tratar nossos veículos inferiores, quando nos querem eles levar por falsos caminhos, para a fraude, para a simonia.

A individualidade não pode consentir que a personalidade transforme o Templo de Deus, de nosso Pai, em "covil de salteadores", onde, se acoitem vícios e enganos, a hipocrisia e a "venda" das coisas que devem servir para o sacrifício à Divindade; não podemos vender nosso "espírito" por favores em benefício de nossa comodidade e nosso conforto.

Quantas vezes a personalidade acha "natural" fraudar o Templo de Deus, trocando a justiça e a retid ão por lucros incontestáveis de sensações e emoções! Quantas vezes permitimos que a animalidade assuma o papel principal, acima da espiritualidade. Quantas vezes consentimos em constituírem nossos veículos inferiores um aglomerado de vendilhões e exploradores das coisas sagradas, comprando prazeres sórdidos com sacrifício de nossas potencialidades sacrossantas, seja nas sensações, seja nas emoções, seja no intelectualismo viciado!

Jesus ensina-nos a agir prontamente, com rapidez, energia e autoridade, com severidade e zelo, mostrandonos que jamais podemos compactuar com essas profanações do Templo de Deus. Exemplificamos que, se necessário, usemos de um chicote de cordas para expulsar o animalismo, a covardia, o comodismo, a falsidade, a agiotagem dos "cambistas" que trocam o Reino dos Céus pelos bens da Terra; que sacrificam as riquezas imperecíveis por gozos momentâneos e ilusórios; que nos atrasam a caminhada e aprofundam no solo, pelo qual caminharemos, espinhos dolorosos que colheremos nas estradas futuras.

Energia, sim, rigor, intransigência, autoridade irretragável, dureza incomplacente com todos os veículos inferiores que devem servir ao Espírito, e não escravizá-lo a seus caprichos, a seus prazeres, a suas loucuras" Mesmo sem violência contra eles, jamais fraquejar nem amolecer: a energia deve ser varonil e autoritária.