8. Estando Zacarias a exercer diante de Deus as funções sacerdotais na ordem de sua turma, coube-lhe por sorte,
9. segundo o costume, entrar no santuário do Senhor e queimar o incenso.
As turmas sacerdotais de serviço, cada semana - em número de 24 - eram sorteados segundo a Lei Mosaica.
A de Zacarias era a oitava, de Abijah (cfr. 1CR
Observamos que Zacarias (o intelecto) ainda se encontrava agindo na personalidade, a praticar ritos externas (queimar incenso, proferir orações verbais, observar liturgias, etc.), e isso no recinto anterior ao Santo dos Santos (que é o santuário mais íntimo, o "coração", ande só os "Sumos Sacerdotes", ou seres realizados, podem penetrar).
10. E toda a multidão estava orando da parte de fora, à hora do incenso.
Quando o sacerdote começava o rito, tocavam as trombetas do Templo, e o povo, que se achava espalhado no ádrio dos homens e das mulheres, se recolhia em prece.
O evangelista alerta-nos para o fato de que a "massa popular" (a multidão do povo) ainda não atingiu nem sequer esse primeiro santuário: está "do lado de fora", no momento da prece. É o que geralmente se denomina "reza" (derivado de "recitar"), ou seja, a prece recitada com os lábios, repetindo-se 50 ou mais vezes as mesmas fórmulas decoradas. São os "profanos".
11. E apareceu a Zararias um anjo do Senhor, em pé, à direita do altar do Incenso,
12. Zacarias, vendo-o, ficou perturbado e o temor o assaltou,
13. Mas o anjo disse-lhe: "Não temas, Zacarias, porque tua oração foi ouvida, e Isabel, tua mulher te dará à luz um filho, a quem chamarás João,
14. e terás gozo e alegria, e muitos se regozijarão por causa do seu nascimento,
15. nporque ele será grande diante do Senhor e não beberá vinho nem bebida forte; já desde o ventre de sua mãe será cheio de um espírito santo,
16. e convertera muitos dos filhos de Israel ao Senhor Deus deles.
17. Ele irá diante do Senhor com o espírito e o poder de Elias, para converter os corações
dos pais aos filhos, e converter os desobedientes, de maneira que andem na prudência dos justos, a fim de preparar para o Senhor um povo dedicado".
ω "falar por meio de", e médium palavra latina que significa" intermediário" entre o desencarnado e o encarnado). A segunda condição depende do desencarnado, quando a criatura encarnada não é médium: precisa o espírito "materializar-se", tomando forma fluídica, para aparecer ao não-vidente. Uma das provas de que o anjo que apareceu a Zacarias era um espírito desencarnado de homem, é o nome que ele tem: Gabriel, que significa "HOMEM DE DEUS".
Apareceu do lado mais nobre do altar, o direito, que ficava na direção sul, onde estava o candelabro de sete velas, símbolo místico da luz.
Zacarias assusta-se ao vê-lo, e depois permanece temeroso diante do acontecimento. Mas o mensageiro o tranquiliza, dando o recado de que fora incumbido: "tua prece foi ouvida", e Zacarias verá o nascimento de um filho, ao qual imporá o nome de JOAO.
João, em hebraico YEHOHANAM, significa "Iahô foi favorável".
A forma "Iahô", abreviatura de YHWH (YHayWeH) é a mesma que deu origem ao vocábulo JÚPITER (Iahô-pater) e a que entra na formação da palavra DEUS (D-YAO-S), com o sentido de LUZ, cujo feminino formou a palavra DIA.
O nascimento de João trará alegria ao casal, pelo término da esterilidade (considerada "castigo" entre os judeus), mas essa felicidade se estenderá a muito mais gente. Isto porque João será grande aos olhos de Deus.
Não beberá jamais vinho nem bebidas fortes (fermentadas), o que revela que João será NAZIREU (ou nazareno). E, embora nada se diga no Evangelho, também não poderá cortar os cabelos. Eram estas as condições do nazireato (veja o capítulo 6 do Livro "Números"). O nazireu era o homem que fazia um voto especial, consagrando-se a Deus, e esse voto foi criado por YHWH, por intermédio de Moisés.
Firmemos mais uma vez o princípio, de que YHWH era o mesmo espírito que encarnou com o nome de JESUS (cfr. pág. 4). E mais uma prova pode ser dada aqui. Quando se trata de DEUS O ABSOLUTO, sem forma, jamais criatura alguma poderá "vê-lo", como está escrito em Êxodo (33:20): "não poderás ver minha face, porque o homem não poderá ver minha face e viver". Mas com YHWH é diferente.
Falando a Moisés, Aarão e Miriam, YHWH diz-lhes: "se entre vós houver profeta (médium), eu, YHWH, a ele me faço conhecer em visão, falo com ele em sonhos. Não é assim com meu servo Mois és: ele é fiel em toda a minha casa (a Terra). Boca a boca falo com ele, claramente e não em imagens, e ele contempla a forma de YHWH" (Números
Prosseguindo em nosso trecho, verificamos que o anjo ou espírito de Gabriel afirma a Zacarias que João é um "espírito já santificado", mesmo antes de nascer. Após dar-se a concepção, ainda no ventre materno, ele (o homem) estará cheio (vivificado) por um espírito que é santo. Note-se que no original grego não há artigo, o que demonstra a indeterminação: "UM espírito santo", e não "O" Espírito Santo.
Então, esse espírito santo que sé encarnará em Isabel terá gloriosa missão: preparar as criaturas para "conversão". As palavras usadas no Evangelho de Lucas repetem as da profecia de Malaquias (note-se que a palavra Malaquias, em hebraico, significa exatamente. ’mensageiro" ou "anjo"...) . Malaquias escreveu (3:
23) "Eis que vou enviar Elias o profeta antes que chegue o dia de YHWH (JESUS), grande e terrível, e ele (Elias) converterá o coração dos pais aos filhos", etc. As expressões de Gabriel constituem uma citação evidente do antigo profeta israelita.
A frase seguinte é digna de nota: "converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor Deus DÊLES", isto é, ao Deus PARTICULAR do povo israelita, que era YHWH (o mesmo espírito que Jesus). YHWH se definia, de fato, como o DEUS PARTICULAR dos hebreus: "Eu sou YHWH, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó". Não se refere o evangelista, portanto, ao DEUS ABSOLUTO, mas ao Deus DELES, a Jesus.
No sentido literal, não há sofisma que permita escapar da conclusão de que João era a reencarnação de Elias. Leiam-se os trechos nacionalista) Van Hoonacker, em sua obra "LES Petis Prophètes", página 741, escreve: "pela grandeza de sua missão, deveria tratar-se de qualquer maneira de uma nova encarna ção do espírito e do poder de Elias".
Várias lições aprenderemos aqui.
Quando o intelecto está preparado e unido à intuição (Zacarias - e Isabel "casados"), aparece o Mestre, para revelar-lhe o segredo da obtenção dos frutos (do nascimento do "filho"). Esse Mestre pode ter o aspecto de um espírito desencarnado (Guia, Mentor) ou de um ser encarnado. Não importa.
Sua tarefa, porém, e apenas a de revelar o caminho, e jamais de provocar milagres ou de evoluir "em lugar" do homem. Trata-se pois, rigorosamente, de um "anjo", de um "mensageiro", que anuncia alguma coisa, que abre uma porta e mostra os passos que se têm que dar para obter o fruto ambicionado (o filho).
Esse filho que nascerá, há de chegar ao intelecto por intermédio da intuição: "Isabel te dará a luz um filho".
O fruto da união com Deus, o "filho" em sentido alegórico, será - chamado João, isto é, " Iahô foi favorável". Sabemos todos que a criatura tem que iniciar e persistir na busca do Eu Supremo. Mas o encontro só se dará quando vier, do próprio EU Supremo ou Cristo Interno, a resposta (a descida da graça), ou seja, quando "Deus for favorável". Assim nascerá o fruto (o filho) no encontro da criatura com o Criador que vive dentro dela: a subida do ser humano e a descida do ser divino.
A alegria e a felicidade serão totais, não só para o próprio, quanto para todas as criaturas, mormente para aquelas que, embora ainda em estado celular, constituem nosso veículo denso.
Depois de nascido o filho, depois de "realizada" a criatura, depois de terminado o "segundo nascimento" e surgido o "homem novo", que substitua o "homem velho", o ser não buscará mais coisas terrenas físicas, nem as do mundo astral (vinho e bebidas forte, isto é, emoções e sensações).
No entanto, desde o primeiro momento, desde o primeiro contato com o Cristo Interno, a criatura fica na plenitude da graça, "cheia de um espírito santificado", e bastará sua presença para atuar sobre as outras criaturas, promovendo a paz e a harmonia em todos. Então mesmo aqueles que não puderam alcançar a altitude do encontro, mesmo eles se converterão aos seus "deuses particulares", nos diversos ramos religiosos "humanos", com seus pequenos deuses antropomórficos que se combatem uns aos outros, apelidando-se mutuamente de "diabos". Mas é esse, exatamente, o início da caminhaSABEDORIA DO EVANGELHO da: compreender que "existe" um caminho espiritual, por mais primitivo que seja. E é assim que "o povo que está de fora" se tornará aos poucos "dedicado ao Senhor".
18. Perguntou Zacarias ao anjo: "Como terei certeza disso? porque eu sou velho e minha mulher já é de idade avançada".
19. Respondeu-lhe o anjo: "Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui enviado a falar-te e trazer-te estas boas notícias;
20. e tu ficarás mudo e não poderás falar até o dia em que essas coisas acontecerem, porque não deste crédito às minhas palavras, que a seu tempo se. cumprirão".
21. O povo estava esperando Zacarias e maravilhava-se enquanto ele demorava no santuário.
22. Quando ele saiu, não lhes podia falar, e perceberam que tivera uma visão no santuário: e ele lhes fazia acenos e continuava mudo.
23. Cumpridos os dias de seu ministério, retirou-se para sua casa.
24. Depois desses dias, Isabel, sua mulher, concebeu e ocultou-se por cinco meses, dizendo:
25. "Assim me fez o Senhor nos dias, em que pôs os olhos sobre mim. para acabar com meu opróbrio entre os homens".
Eram tão grandes as promessas feitas a Zacarias, que ele pede ao anjo um sinal, uma prova, de sua veracidade. Já outros profetas anteriormente tinham agido assim: Abraão (GN
Em resposta, o anjo "apresenta suas credenciais", dando o nome de Gabriel (o HOMEM de Deus) e dizendo que faz parte dos sete que assistem diante do trono de Deus (cfr. 2CR
Depois, como segunda. prova, fá-lo emudecer, embora temporariamente. E essa mudez não foi como a de Daniel (10:
15) que emudeceu pelo susto produzido pela aparição, mas sim como resposta à prova pedida. E além de perder a fala, perdeu o sentido da audição, pois é "por sinais" (LC
O povo admira-se da demora exagerada de Zacarias no santuário; e ao sair, vendo que não proferia as palavras rituais de hábito, de bênção aos fiéis, compreende, pelos gestos do sacerdote, que ele tivera uma visão.
Orígenes ("Patrologia Graeca", vol 13, col. 1
812) e Ambrósio ("Patrologia Latina", vol, 15, col. 1
550) comentam que o mutismo de Zacarias era um símbolo do mutismo em que ficaria a religião mosaica ao ser promulgado O Evangelho.
Ao terminar suas funções sacerdotais, Zacarias se recolhe à sua residência, na localidade de Ain-Karim.
Depois disso, dá-se a concepção de Isabel, a qual permanece oculta do público durante cinco meses, louvando a Deus por haver-lhe concedido a bênção de um filho.
Admirável é todo o simbolismo deste trecho.
O intelecto (Zacarias) tem como função precípua a dúvida (Descartes), a indagação por experiências.
O objetivo primordial do intelecto é o raciocínio discursivo, plano, que só caminha por meio de dúvidas e provas, para ter base para suas conclusões. A intuição "vê" diretamente, num átimo, e não pergunta razões nem pede provas: SABE. O intelecto indaga, procura, pesquisa, pondera, discerne, julga e só depois é que deduz e conclui.
Era pois inevitável e justo segundo sua natureza que, diante do aparecimento de uma visão espiritual, o intelecto não se conformasse de imediato, e iniciasse o estudo objetivo da questão.
Verificado, porém, pelas palavras do mestre que lhe surge à frente em pessoa, que o grande objetivo de sua busca se aproxima, o intelecto resolve obedecer submisso.
O anjo diz-lhe, em primeiro lugar, que é de origem divina, que já obteve o contato com o Deus Interno, e que já se tornou, por isso, um "homem de DEUS" (Gabriel), um homem "divinizado" (filho de Deus).
Mas acrescenta que, para Zacarias (o intelecto) consegui-lo, ele deverá emudecer em meditação, nada ouvindo e nada falando, profundamente recolhido em si mesmo.
Zacarias primeiro termina seu mandato sacerdotal, como homem reto e justo, e depois se afasta, não dando mais atenção ao bulício do mundo, ao "povo que estava de fora". O povo admira-se de sua demora: ainda hoje, quando qualquer criatura se afasta dentro de si mesma em oração, mais tempo do que a "obrigação de uma vez por semana", o "povo" se admira e não entende.
Superada essa fase, "vai para sua casa", isto é, recolhe-se a seu íntimo. Lá encontra-se com a intuição (Isabel), une-se a ela intimamente, e ela concebe a ideia que o intelecto lhe transmite, e também" se oculta", para que possa dar-se o nascimento do filho, ou seja, o contato com o Eu Supremo, pelo qual nascerá uma nova criatura, o "homem novo".
Ambos (intelecto e intuição - Zacarias e Isabel), recolhidos durante cinco meses em louvor a Deus (Judeia), ocultos a todas as vozes e chamamentos do mundo, mudos e surdos a tudo o que é da Terra, preparam-se para o grande evento.
Não há outro caminho que conduza ao Cristo Interno (nós o veremos em outros passos à frente) senão o da meditação solitária, que poderá, quando muito, receber a visita do Mestre.