Sabedoria do Evangelho - Volume 1

CAPÍTULO 5

ANÚNCIO A MARIA



LUC. 1:26-38

26. No sexto mês, foi enviado da parte de Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré.


27. a uma virgem prometida a. um homem que se chamava José, da casa do David, e o nome da. virgem era Maria.

A comunicação do anjo a Maria ocorre seis meses após a concepção de Isabel. O mensageiro é o mesmo que falou a Zacarias, isto é, Gabriel. No entanto, o fato não mais ocorre em Jerusalém, sim numa cidadezinha desconhecida da Galileia, Nazaré, onde morava uma mocinha que estava noiva.

A cidade de Nazaré só nos é conhecida através das citações dos Evangelhos. Nem no Velho Testamento, nem em nenhum autor profano aparece esse nome. Também não o temos escrito em hebraico, mas apenas sua transcrição para o grego, e com seis variantes: Nazaré, Nazaret, Nazareth, Nazará, Nazarat e Nazarath.


Lucas frisa com insistência que Maria não estava ainda casada: era noiva, ou seja, "prometida" (em grego έµνηστευµένη, particípio aoristo 2. . º do verbo µνεστεύ

ω, que tem o sentido de "prometer em casamento" ou "contratar matrimônio"). O matrimônio só se completava quando, a noiva ia morar na casa do noivo, que então se tornava marido. Tanto que Lucas só dá a José o título de "pai’, quando fala da apresentação de Jesus ao Templo (LC 2:33, LC 2:41, LC 2:43 e LC 2:48).

Entre os judeus, porém, desde que se contratava o casamento, a noiva era considerada ligada ao noivo de tal forma, que um erro dela era catalogado como adultério (DT 22:23).

Todo o nosso sistema terráqueo está constituído na base setenária. Não se trata de misticismo nem de cabalismo, é uma verificação fácil de fazer-se. Conhecendo os antigos esse fato, todos os acontecimentos e o simbolismo eram baseados no número sete.

Como o sete era a etapa final, o penúltimo passo representava-se pelo número seis. Daí lermos "no sexto mês. Isto significa que o símbolo que vai ser dado aos leitores, exprime a penúltima etapa dessa fase do desenvolvimento.

Nessa penúltima do etapa, o discípulo acha-se preparado e o mestre aparece, o "homem de Deus", Gabriel, a fim de anunciar-lhe a última etapa.

O aparecimento do "anjo" ou "anunciador" dá-se na Galileia, a "região cercada" do íntimo da criatura.

A cidade tinha o nome de Nazaré. Que o nome constitui um símbolo, compreendemo-lo por não constar ter havido, na época, nenhuma cidade real com esse nome. A palavra "Nazaré" parece derivarse do radical hebraico Nâzir, que significa "separado, consagrado", ligando-se ao nazireano instituído por Moisés (Núm. cap. 6. . º).

Vemos, pois, que o "mestre" aparece no lugar separado da região cercada", ou seja, no CORAÇÃO, falando através da voz silenciosa.

Anota o evangelista que a aparição se deu "a uma virgem", e que ela estava "prometida a um homem" . A intuição está sempre ligada ao intelecto. E, mormente quando no caminho espiritual, quase sempre se filia a uma pessoa humana, que a guia, intelectualmente, pela estrada da evolução.

O sentido da palavra José "(Deus) acrescenta", ou seja, "Deus dá por acréscimo de misericórdia", coincide com o título "filho de David", já que David significa "o Amado".

Daí compreendermos que o intelecto, quando se dedica às coisas divinas, aos estudos das realidades espirituais, se torna "amado", e a ele "Deus acrescenta" sabedoria. Isto, não por privilégios, mas por simples efeito de sintonia vibratória: se um rádio é sintonizado com uma estação transmissora, recebelhe as ondas não por "predileção" da estação, mas porque as condições de sintonia favoreceram a receptividade. Deus’ dá igualmente (infinitamente) a todos, mas cada um recebe segundo sua capacidade.

No oceano divino vogam o pequeno caíque e o grande transatlântico, mas cada um mergulhando de acordo com o calado de sua quilha.

A conversa de Gabriel com Maria difere da havida com Zacarias. Com este, temos a representação d "mestre" que fala ao intelecto, suscitando dúvidas (segundo a característica própria do intelecto).

Com Maria, temos a representação do "mestre" que se dirige à intuição, e é aceito, porque a intuição" sente" a verdade da manifestação.


28. Aproximando-se dela, disse-lhe: "Alegra-te, altamente favorecida, o Senhor é contigo".


29. Ela, porém, ao ouvir essas palavras, perturbou-se muito e pôs-se a pensar que saudação seria essa.


FIGURA "Anúncio a Maria"
A saudação do anjo a Maria é concisa. A fórmula grega Χαίρε significa "alegra-te", Observe-se: que, na saudação, os gregos auguravam alegria, enquanto os orientais desejavam paz (shalôm) e os latinos faziam votos de saúde (salve, ave, vale) . O perfeito grego κεχαριτωµένη indica a posse permanente (não transitória) de graça, de perfeição, de beleza, tanto física quanto moral. Usado na saudação de Gabriel, em tom de vocativo, esse perfeito assume quase o papel de um adjetivo substantivo: "ó perfeitíssima", "ó altamente favorecida", que a vulgata interpretou "cheia de graça".

A seguir uma afirmativa: "o Senhor está contigo". Não se trata, como em Rute (Rute 2:4) do desejo de que" o Senhor esteja contigo", mas de uma afirmação categórica a respeito de um fato conhecido por Gabriel.

Maria perturba-se não tanto pela presença de um homem jovem a seu lado (e Gabriel devia apresentar extraordinária beleza física), mas pelas palavras de saudação proferidas; por ele, por aquele elogio inesperado da parte de um estranho.


A mente transmite sempre com imensa alegria, quando anuncia a presença divina dentro da criatura:

"o Senhor está (é) contigo", vive dentro de ti, habita em ti, é a vida que pulsa em ti. Quando o homem ouve essas palavras silenciosas dentro do coração, invariavelmente se perturba: que palavras estranhas são essas, dirigidas a criaturas tão cheias ainda de defeitos?

A voz íntima, no entanto, diz a todos: "alegra-te, filho de Deus, és altamente favorecido pela divindade, pois Deus habita em ti" !


30. Disse-lhe o anjo: "Não temas, Maria., pois conquistaste benevolência da parte de Deus,


31. e conceberás em teu ventre e darás à luz um filho a quem chamarás JESUS.


32. Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David,


33. e ele reinará no futuro sobre a casa de Jacob, e seu reino não terá fim. Gabriel exorta Maria a não temer porque ela "conquistou a benevolência de Deus".

O anjo não se apresenta a Maria dando nome e posição como o fez com Zacarias. Ao evangelista basta revelar que o mensageiro foi o mesmo nos dois casos.

Conquistar benevolência é expressão já muito usada no Velho Testamento, com as palavras "achar graça" (cfr. GN 6:8; X;x. 33:12; Juízes 6:17) O anúncio da próxima maternidade de Maria é feito com expressões semelhantes às que foram ditas por outros espíritos, para anunciar o nascimento de Ismael (GN 16:11) e de Sansão (Juízes 13:3-5).


O nome que o anjo impõe é JESUS (em hebraico IEHOSHUA’ γωιπ que se Abrevia Ўιΰ ou ιωι, mas que também pode transliterar-se. ...com o sentido de "Iahô salva". Na previsão de Isaias, era-lhe dado o nome de HIMMANU-EL, isto é, "Deus conosco". " Jesus", diz o anjo "será grande, será chamado de Filho do Altíssimo", título que era dado aos reis na antiguidade (cfr. 2RS 7:14-1CR 22: lC).
O menino receberá o "reino de David", que ele ocupará "no futuro", (είς τους αίωνας) e seu reino "não terá fim". A palavra αίώ

ν tem o mesmo sentido que seu derivado latino "aevum" (em português "evo", ou seja século, uma "vida") e era empregado no sentido lato de futuro, e não no de "eterno". Eterno é o que não tem princípio nem fim. Além disso, a segunda parte do versículo esclarece bem a ideia, quando diz "e seu reino não terá fim", Se a palavra "aiónas" tivesse o sentido de "eterno", não havia razão para a segunda parte do versículo, nem mesmo invocando-se a técnica da repetição, na poesia hebraica.

Com Zacarias, o anjo se apresenta, porque o intelecto quer saber de tudo, pede "credenciais"; ao passo que a intuição não repara no intermediário: sente a verdade em suas palavras, não lhe interessando quem a diz, mas sim o que diz.

A resposta do "mestre" à indagação aflita da criatura que, humildemente, se julga indigna de receber tão grande graça - embora não duvide da própria graça - vem trazer maior certeza da realidade: "conquistaste benevolência da parte de Deus". Não é, propriamente, o "merecimento", no sentido de haver a criatura dado algo mais do que devia, com isto merecendo uma recompensa, ou "comprando" a benevol ência. Não. Trata-se da sintonia natural da criatura, que lhe possibilita receber as emissões (a benevolência) divinas, dadas a todos indistintamente: bons e maus, sábios e ignorantes, santos e criminosos.

E essa sintonia é obtida pelo que a criatura É (não pelo que sabe, nem pelo que faz).

Tendo conseguido essa sintonia, a criatura pode "conceber em seu ventre" (recebe em seu coração) um" filho", que é sua "salvação": JESUS, isto é, Iahô salva. Esse "nascimento" é uma expressão que usamos por falta de outro vocábulo mais exato. Assim como, ao nascer, a criança aparece, é vista, tocada e sentida (embora não tenha começado a existir nesse momento, pois inclusive seu corpo já existia no ventre EU Supremo consiste apenas na verificação de nossa parte de que ele existe. Realmente ele já existia dentro de nós, mas ainda oculto e não sentido. Ao revelar-se, ao tornar-se "sensível", nós dizemos que ele "nasceu": isto é, que se manifestou; quando nós o DESCOBRIMOS, dizemos que ELE NACEU ...

Esse EU Supremo será grande e é o Filho do Altíssimo porque é a Centelha que emanou Dele (do Foco Incriado); e terá, por todo o resto de sua existência o "trono de seu Pai" o AMADO (David).

Vimos (pág.
2) que Deus (o AMOR) se manifesta como o Verbo Criador (o AMANTE) e como o Criador, o Filho (o AMADO). Ora, o EU Supremo, que é a individualização de um Raio-Divino, isto é, "Filho do Cristo" (o AMADO), pode ser, por isso, chamado "filho do Amado" ou "filho de David".

Seu reino não terá fim sobre a casa de Jacob. Jacob significa "o que suplanta" (ou "o que segura pelo calcanhar"). Exprime, então, a personalidade, que durante milênios "suplanta" a individualidade abafandoa totalmente. Quando JESUS surge, ele assume o trono de David, e reina sobre a "casa de Jacob" sem fim isto é nunca mais a individualidade sofrerá o domínio da personalidade.


34. Então Maria perguntou ao anjo: "como será isso, uma vez que não conheço homem"?


35. Respondeu-lhe o anjo: "um espírito santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te envolverá.com sua sombra; e por isso o nascituro será chamado santo, Filho de Deus.


36. Isabel, tua parenta, também ela concebeu um filho na sua velhice, e já está no sexto mês aquela que era chamada estéril,


37. porque, vindo de Deus nada será impossível".


38. Disse Maria: "Eis aqui a escrava do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra". E o anjo retirou-se.


A pergunta de Maria difere da de Zacarias. O sacerdote pergunta: "como saberei que isto é verdade"?, o que exprime dúvida a respeito das, afirmativas de Gabriel. Maria indaga: "Como se dará isso, se não conheço homem"? O que constitui um pedido de explicação: ela crê verdadeiras as palavras, mas deseja saber o modo de agir para resolver o caso. " Conhecer homem ou mulher" é eufemismo usado entre os judeus para designar as relações sexual, empregando-se o vocábulo γτι . Maria, jovem noiva, não tinha ainda (por isso usa o presente do indicativo:

"não tenho") comércio sexual. E Gabriel parece esclarecer que a concepção se deverá dar de imediato, sem esperar que o casamento se realize.


O anjo explica que ela conceberá um espírito santo (já santificado). Em grego, aqui também não aparece o artigo, denotando a indeterminação: UM, espírito santo. Esse espírito santificado descerá sobre ela
(έπελεύσεται do verbo έπέρхοµαι) e acrescenta que "a força ou poder do Altíssimo a envolverá com sua sombra". Parece uma alusão clara à shekinah da mística judaica. Nesses casos, qualquer contato sexual, mesmo fora do casamento, será abençoado. Deus não está sujeito às leis "humanas", nem das sociedades nem dos Estados. O casamento é um ato instituído pelos homens, a fim de evitar abusos e manter organizada a humanidade. Mas Deus simplesmente criou as plantas, animais e homens dotados de sexo para que se unissem, produzindo filhos, a fim de que Sua obra não perecesse: Qualquer restrição é humana e não divina. No caso em apreço, isso está claro. Tanto assim que, mesmo fora do casamento Maria receberá, em seu ventre, um espírito santo, que será chamado Filho de Deus E logo a seguir acrescenta, a título de comprovação, que Isabel, parenta de Maria (não se sabe qual o grau de parentesco) também terá um filho, apesar da idade e de ter sido estéril, já estando no sexto mês de gravidez.
E aduz: "vindo de Deus, nada é impossível". A expressão do texto original: "nenhuma palavra"
(πάνρήµα) é o equivalente do hebraico dàbâr (דכד), que tem muitas vezes (cfr. GN 18:14) o sentido d "coisa". Ora, "nenhuma coisa" é o mesmo que "nada".
A resposta de Maria é uma aceitação plena, uma conformação total: "eis a escrava (δουλη) ao Senhor".
E mais: faça-se em mim conforme dizes". A expressão "faça-se" (γένοιτο) é muito mais forte que o
γευηθήτο usado no "Pai Nosso" (MT 6:10). Neste, exprime-se o desejo de que "se faça", mas deixando livre quanto à época em que se realize. No caso presente, o "faça-se" de Maria expressa o desejo e quase a ordem de que se faça já.

Cumprida a missão, o anjo retirou-se.

A própria intuição, sobretudo levada pelo intelecto, supõe e deseja que alguém lhe dê a iniciação.

Espera o milagre, certa de que o grande encontro se realizará por meio de uma palavra mágica ou de um gesto cabalístico, com um rito exótico. Essa é a estranheza manifestada por "Maria (simbolizando a intuição) quando diz que "não conhece homem", que não está em contato com um iniciado ou adepto.

O "homem de Deus" (Gabriel) esclarece (por omissão) que não é disso que se trata: que não há homem que possa resolver esse caso. O Espírito Santo que está dentro dela ("o Senhor é contigo"), é que se manifestará, e ela será envolvida por sua sombra. Trata-se da "shekinah", tão conhecida pela mística judaica.

Todas as experiências do encontro com o EU Supremo (segundo o testemunho dos que o conseguiram, em qualquer das correntes religiosas), tem um ponto em comum: a criatura se sente envolvida por intensa luminosidade, que é comparada a um relâmpago, a um incêndio, enquanto ela mesma se expande ao infinito, mergulhando e desfazendo-se na luz. O mergulho na luz é a descida da "shekinah".

Por essa razão, o "homem novo" que daí nasce é chamado "Santo, Filho de Deus".

Para incentivá-la a dar o último passo, Gabriel cita-lhe o exemplo de Isabel, sua parenta (ou seja, de todos os seres, parentes nossos, que atingiram o grau de "adoradores de Deus" - Elisheba), que se encontra no mesmo ponto evolutivo, no penúltimo degrau, "no sexto mês", aguardando a iluminação, embora desta ninguém mais esperasse nada, pois não era julgada capaz de consegui-lo, após tantos anos de tentativas infrutíferas (esterilidade). E como coroamento, conclui: "nada é impossível a Deus".

Vencida e convencida, Maria submete-se com máxima humildade à vontade divina, A humildade real, na qual a criatura se entrega qual escrava para obedecer em tudo e sempre, sem reconhecer nenhum direito para si, é o caminho único que leva ao encontro com o EU profundo.

Mas essa humildade precisa querer que se realize o ato, precisa entregar-se total e plenamente, sem condições nem reservas. Isto porque, embora sendo, como é, a causa de tudo, Deus é a humildade máxima: jamais se mostra, jamais assina Suas obras, jamais pede retribuição de nenhum dos benefícios prestados, e Sua vida toda se resume em SERVIR a todos, dando tudo de graça, sem distinção alguma de pessoas.

Por isso, quando a criatura atinge o grau de perfeita humildade, encontra Deus em si, por sintonia vibratória, e passa a viver UM com DEUS.

Isso mesmo ocorreu com Maria: no momento em que se conformou plenamente com a vontade do Pai, aniquilando a sua vontade pequenina, anulando sua personalidade, nesse momento concebeu JESUS, encontrou DENTRO DE SI (em seu coração) o Filho de Deus, o CRISTO, que nasceu virginalmente, ou seja, sem obra nem intervenção de homem.

Esse o sublime simbolismo que aprendemos desse trecho de Lucas, deduzindo-o dos fatos reais, que ocorreram na Palestina há quase dois mil anos. Lições de inestimável valor para nosso aprendizado.