Sabedoria do Evangelho - Volume 2

CAPÍTULO 14

CURA DE UM OBSIDIADO



MARC. 1:21-28

21... E imediatamente nos sábados, indo à sinagoga, ensinava.


22. E admiravam-se muito de seu ensino, porque ele ensinava como quem tinha autoridade, e não como os escribas.


23. Ora, estava na sinagoga deles um homem, com um espírito atrasado, que gritou:


24. "Que (importa) a nós e a ti, Jesus Nazareno? Vieste a perder-nos? Bem sei quem és: o santo, de Deus".


25. Mas, repreendendo-o, disse Jesus: "Cala-te e sai dele".


26. Então, agitando-o violentamente e bradando em alta voz, o espírito atrasado saiu dele.


27. E todos ficaram tão admirados que uns perguntavam aos outros: "Que é isto? que novo ensinamento é esse? Porque com autoridade ele manda também aos espíritos atrasados e eles lhe obedecem"!


28. Divulgou-se logo sua fama por toda a circunvizinhança da Galileia.


LC 4:31-37


31... E ensinava a eles nos sábados,


32. e admiravam-se muito de seu ensinamento, porque sua palavra fora com autoridade.


33. Estava na sinagoga um homem que tinha um espírito de um desencarnado atrasado, e bradou em alta voz:


34. "Ora, que (importa) a nós e a ti, Jesus Nazareno? Vieste a perder-nos? Eu sei quem és: o santo de Deus".


35. Jesus repreendeu-o dizendo: "Cala-te e sai dele". E, tendo-o lançado por terra no meio (de todos), o desencarnado saiu dele sem têlo magoado.


36. Todos ficaram admirados, e perguntavam uns aos outros: "Que palavra é essa, pois com autoridade e poder ordena aos espíritos atrasados e eles saem"?


37. E por todos os lugares da circunvizinhança divulgava-se sua fama.

Como era de seu hábito, num sábado Jesus entra na sinagoga. Não se fala de seus discípulos, mas parece evidente que Pedro, André, Tiago e João que moravam em Cafarnaum deviam lá achar-se, como bons judeus. Era costume serem convidados os visitantes e assistentes a falar, e isso muito favoreceu a Jesus, e mais tarde aos apóstolos, a divulgação da nova doutrina diante dos que se interessavam por assuntos religiosos.

Marcos assinala a admiração dos circunstantes pela autoridade com que Jesus falava, "não como os escribas" que, de modo geral, levavam os comentários decorados: tanto que o maior elogio que se lhes podia fazer era de "não dizerem uma só palavra se a não tivessem ouvido de seu mestre". O povo habituarase, pois, a ouvir sentenças pré-fabricadas e recitadas, e não interpretações vivas e palpitantes, objetivas e, acima de tudo, cheias de amor (Lc 4:22).


Encontrava-se na sinagoga um homem obsidiado por um "espírito" atrasado (άиάθαρτος = não purificado, não evoluído); aparece essa expressão 23 vezes em o Novo Testamento referindo-se não a uma pureza legal, mas moral.
Lucas esclarece bem que se trata de "um espírito de um desencarnado" (πνεϋµα δαιµονίου) o qual era ainda não purificado ou atrasado (άиάθαρτου) em genitivo, concordando com "desencarnado".
Como desencarnado, embora atrasado, estava apto a ver a aura magnificamente luminosa de Jesus e a pressentir que seu domínio sobre o obsidiado, que ele subjugava, teria que terminar. Lança então a exclamação: "que (importa) a nós e a ti, Jesus Nazareno" o que este sofre? A expressão τί ήµίν иαί σοί (que analisamos à pág, 158/9 do vol, 1. º) não é um hebraísmo (como afirma Pirot, vol. 9, pág. 415), já que era empregada também por autores gregos que nenhum contato tinham com os israelitas, embora se encontrasse também no hebraico מח־בגו ךבד, tendo sido usada no Antigo Testamento.
O "santo de Deus", קדרש exprime "o consagrado" ao serviço divino, que em grego, άγιος tem precisamente o sentido de "consagrado à divindade, santo, puro", quando se refere a pessoas.

Jesus não conversa nem discute: impõe-lhe silêncio e o desliga do obsidiado. O ato do desligamento fluídico das duas auras (a do desencarnado que domina e a do encarnado subjugado) provoca "violenta agitação"; e a angústia da separação faz que o obsidiado grite: todos esses fatos são corriqueiros nas sessões espíritas, quando se realiza o mesmo ato do desligamento de obsessores violentos. Mas a liberta ção é feita.

Dá-nos Lucas o pormenor de que o obsidiado foi "lançado por terra", como se houvera perdido repentinamente o ponto de apoio que o sustentava. Também essa modalidade não é rara em nossos dias.

Assinala-se a admiração dos assistentes. Todos conheciam os métodos "religiosos" do exorcismo, que dificilmente surtiam efeito, por falta de "autoridade moral" dos exorcistas e pelo desconhecimento da técnica obsessória. E o que os impressiona é o poder psíquico de dominar os desencarnados atrasados que, quase sempre, são renitentes, teimosos e irreverentes, não obedecendo jamais a quem não possua real força moral para impor-lhes o afastamento.

Logicamente a fama se espalhou pelas redondezas, apressando-se cada qual a contar as novidades (neste caso as "Boas-Novas") de que aquele Jesus de Nazaré era senhor de forças notáveis, acima do comum dos homens.

Jesus, que representa a individualidade, ensina-nos com seu exemplo que mesmo aqueles que já não necessitam dos "trilhos" de uma religião, nada perdem em sujeitar-se às tradições de seu povo; antes, devem aproveitar as situações que se apresentam para elucidar a todos as grandes verdades profundas do Espírito. Deve, portanto, frequentar o círculo religioso a que se acha ligado, seja ele qual for.

Mostra-nos que, nesses ambientes, deve o iluminado agir com força e autoridade, mas sobretudo com amor, atendendo aos necessitados, servindo a sua necessidade de evolução. Não obstante, deve evitar que qualquer indiscrição queira revelá-lo como superior aos outros; então, imporá silêncio, todas as vezes que um desencarnado tente revelar quem ele é. Nenhuma dúvida, porém, quanto à ação que lhe seja possível, em benefício de qualquer necessitado espiritual.

Outra interpretação do texto revela-nos que nossa individualidade deve agir com autoridade cada vez que descobre que nossa personalidade está dominada por "espíritos atrasados" de nossos vícios milenares: egoísmo, ambição, ódios, etc. Quando nossa iluminação perceber que nosso "espírito personal ístico" é dominado por qualquer vício, deve imediatamente ordenar seu aniquilamento, embora nosso "espírito atrasado" se contorça, grite e nos lance por terra, sofrendo ao destacar-se do vício.

Sem essa força moral do Espírito, jamais poderia o "espírito" progredir: permaneceria séculos (como tem permanecido) preso às ilusões demolidoras de nossa ascensão espiritual, aos apegos desordenados às coisas e prazeres materiais transitórios. Lição oportuna e necessária para nossa evolução.