Sabedoria do Evangelho - Volume 2

CAPÍTULO 25

A QUESTÃO DO JEJUM



MT 9:14-17


14. Depois foram a ele os discípulos de João, dizendo: "por que é que nós e os fariseus jejuamos, mas teus discípulos não jejuam"?


15. Respondeu-lhes Jesus: "Podem acaso estar tristes os convidados do casamento, enquanto o esposo está com eles? mas dias virão em que lhes será tirado o esposo, e nesses dias jejuarão.


16. Ninguém põe remendo de pano novo em manto velho, porque o remendo, repuxa parte do manto e fica maior o rasgão.


17. Nem se põe vinho novo em odres velhos; senão arrebentam os odres, e derramase o vinho e estragamse os odres; mas vinho novo é posto em odres novos, e ambos se conservam".


MC 2:18-22


18. Ora, os discípulos João e os fariseus estavam jejuando.

E eles vieram perguntarlhe: "por que jejuam os discípulos de João e os dos fariseus, mas os teus discípulos não jejuam"?


19. Respondeu-lhes Jesus: "Podem acaso jejuar os convidados do casamento, enquanto o esposo está com eles? Durante o tempo em que têm consigo o esposo, não podem jejuar.


20. Dias virão, porém, em que lhes será tirado o esposo, e então nesses dias jejuarão.


21. Ninguém cose remendo de pano novo em manto velho: senão o remendo novo repuxa parte do velho, e tornase maior o rasgão.


22. E ninguém põe vinho novo em odres velhos; senão o vinho fará arrebentar os odres e derramar-se-á o vinho e também perder-se-ão os odres; ao invés, vinho novo é posto em odres novos".


LC 5:33-39


33. Disseram-lhe eles: "os discípulos de João jejuam frequentemente e fazem orações, assim como os dos fariseus; mas os teus comem e bebem".


34. Mas Jesus disse-lhes: "Podeis fazer jejuar os convidados do casamento, enquanto o esposo está com eles?


35. Dias, porém, virão em que lhes será tirado o esposo, então nesses dias jejuarão".


36. Propôs-lhes também uma parábola: "Ninguém tira remendo de manto novo e o põe em manto velho; senão rasgará o novo, e o remendo do novo não combinará com o velho.


37. E ninguém põe vinho novo em odres velhos; senão o vinho novo arrebentará os odres, e ele se derramará, e estragar-se-ão os odres:


38. Ao invés, vinho novo deve ser posto em odres novos.


39. Ninguém que já bebeu o vinho velho, ao ver o novo, pois diz: "o velho é melhor".


Ainda durante o banquete é apresentada a Jesus outra objeção, desta feita ritualística. Os joanitas (disc ípulos de João Batista) observam que, num dia de jejum (conforme noticia Marcos), Jesus se banqueteia com seus discípulos. A anotação de Marcos de que os fariseus e joanitas "estavam jejuando"

(êsan nesteúontes) assinala o contraste entre a alegria do banquete e a tristeza "formal" dos que jejuavam.

Não é crível, todavia, que Jesus estivesse afrontando, logo no início de seu ministério, um jejum prescrito por lei (como, por exemplo, o "da expiação", a 10 de tishri). Mas havia outras datas, já cita das por Zacarias (Zacarias 8:19) e que, segundo esse profeta deveriam ser abolidas; não obstante, continuavam a ser rigorosamente observadas pelos ortodoxos rigoristas.


Jesus responde com uma comparação: os "filhos da câmara nupcial" (hoi huioi tou numphônos, tradução do hebraico benê hupâh) expressam os "convidados", que não podem manifestar luto e tristeza na presença do esposo. Essa comparação é dirigida especialmente aos joanitas, que deviam bem lembrarse das palavras do Batista, quando comparou Jesus ao "esposo" e ele mesmo ao "amigo do esposo" (JO 3:29). E, ainda mais, vem ligar Jesus ao Antigo Testamento, onde se afirma que o esposo por excelência do povo judaico era YHWH (JR 2:2; Os. 1:3), confirmando o que escrevemos na pág. 4 do

1° vol., ou seja, de que Jesus é a encarnação de YHWH. No entanto, breve chegará o tempo em que o esposo "será arrebatado (aparthê), conforme também escreveu Isaías (Isaías 53:8), ou seja, aparthê aíretais apó tês gês hê zóe autou (será arrebatada da Terra a vida dela).

Vem depois uma frase sentenciosa, em forma de aforismo: "ninguém sobrepõe remendo (epíblêma) de pano novo (ágnaphos) , literalmente "não molhado", que portanto encolherá muito ao ser lavado, em roupa velha, pois a peça (plérôma) repuxará, e o rasgão (schisma) ficará maior. A comparação é nova e bela. Lucas, porém, a apresenta de forma algo diferente: "ninguém arranca um pedaço da roupa nova para remendar outra velha", pois as duas ficariam inutilizadas.

Segue-se outra comparação do mesmo teor, a respeito do vinho. O odre (ainda hoje usado no oriente) consiste numa pele de, animal, sobretudo bode, devidamente macerada, cosida nas extremidades e fechada na boca com uma fivela de osso, conservando mais ou menos a forma do animal. Nesses odres eram transportados líquidos (água, leite, vinho, óleo ou leben, isto é, leite coalhado). Ora, o vinho novo, ao fermentar, arrebentaria a pele já velha e desgastada de ser carregada às costas de um lado para outro, e tanto o vinho se derramaria, como a pele se perderia.

Aqui Lucas acrescenta, também, um versículo novo: quem bebe o vinho velho, não quer saber do novo, pois o velho é melhor (chrêstóteros, ou, em outros manuscritos, "é bom", chréstos, sem o comparativo).

Os exegetas interpretam essas comparações, como a impossibilidade de adaptar-se a "Boa-Nova" às velhas doutrinas israelitas, e portanto, como afirmação de que a nova doutrina deverá arrebanhar homens libertos de preconceitos e dogmas. No entanto, pela última frase de Lucas, quem já experimentou o vinho (a doutrina israelita) nem quererá saber da nova (o Evangelho), porque julgará sempre que o antigo é o melhor.

Daí concluem que o candidato à nova doutrina de Jesus deverá abandonar totalmente, delas fazendo tábula rasa, todas as suas crenças antigas, sem o que jamais poderá compreender todo o alcance do que Jesus ensinou.

Outras lições mais vamos aprendendo, aprofundando assim o conhecimento do ensino de Jesus.

Se os fariseus caracterizam, os tipos hipócritas (atores) que representam uma cena sem que os sentimentos expressados correspondam ao que lhes vai no íntimo, os joanitas já são exemplo de outra categoria: os rigoristas sinceros, que julgam residir a perfeição no rígido cumprimento dos preceitos morais: é intelectualismo, ainda, já um pouco esclarecido, embora não bem equilibrado.

Preocupam-se, então, com o lado exterior da vida, dando importância ao jejum, isto é, à ausência da alegria. Porque o jejum, mais do que a abstenção do alimento, valia pela expressão facial de tristeza, pelo óleo que derramavam no cabelo, deixando que escorresse pela barba, pela cinza com que pulverizavam a cabeça e as roupas, velhas e sujas, a fim de dar aos outros (embora não a si mesmos) a impressão de grandes penitentes.

Ora, enquanto o "esposo" (o CRISTO INTERNO) está unido à sua criatura, esta fatalmente terá que demonstrar alegria. Todos os grandes místicos, que realizaram a unificação, ou pelo menos quando conseguem a união, sempre foram alegres, bastando-nos recordar o exemplo de Teresa de Ávila.

Entretanto, quando a união se desfaz, nos "intervalos de separação", a tristeza é grande, e a criatura chega a perder o apetite e o sono, jejuando então espontaneamente; essa fase é denominada período de secura ou de trevas, como a "noite sem estreias".

Os ensinamentos feitos sob forma de parábolas são profundos.

A interpretação dada por todos os exegetas é de que o Evangelho não pode adaptar-se às crenças judaicas; a Boa-Nova se perderia se pretendesse brotar e produzir no terreno já cultivado por outra crença. Esta é, com efeito, a interpretação personalista que joga, quase sempre, com fatos exteriores, a fim de não precisar tocar em seu próprio íntimo, "reformando sua mente", e modificando seus hábitos e sua crença.

Mas a interpretação real é mais profunda.

O "homem novo" não pode ser sobreposto ao "homem velho", senão ambos se estragam. A individualidade não pode aplicar-se sobre a personalidade, porque senão, quando a individualidade se encolhe na humildade verdadeira, para ficar de seu tamanho próprio, a personalidade, que a não pode acompanhar, se rebela e o rasgão (em grego, o "cisma") entre as duas se torna maior.

E ainda, não há possibilidade de a individualidade que cresce por dentro (fermenta) não poder adaptarse à personalidade mesquinha: o fermento desse crescimento ao infinito arrebentaria a pequenez da pessoa, e teríamos total estrago. De fato, quando certas pessoas penetram, apenas intelectualmente, nessa compreensão, mas sem conseguir a vivência, observa-se que representam uma coisa que não são; tornam-se extremamente vaidosas, sob a capa da humildade exterior; não admitem ninguém superior a elas, porque se julgam plenos de sapiência, conhecedores únicos da "verdade"; olham a todos" de cima", como seres superiores que se sentem: perdeu-se o vinho e arrebentou o odre.

Então, a adaptação tem que ser perfeita: primeiramente é mister que a criatura se torne "homem novo", libertando-se de preconceitos e dogmatismos, com a mente livre de teorias escravizantes, para então poder receber o vinho novo, ou seja, realizar a união com o Cristo Interno.

Mas tudo isso é difícil, porque, quem experimentou o vinho velho, recusa o novo. Quem, durante séculos, plasmou sua mente em moldes preestabelecidos e a eles se adaptou plenamente, recusa abandonar TUDO (cfr. LC 14:16 e LC 14:33) para tornar-se novamente criança (cfr. LC 18:17) e então "entrar no reino dos céus", isto é, na Consciência Cósmica, encontrando o CRISTO INTERNO".