Sabedoria do Evangelho - Volume 2

CAPÍTULO 42

O JEJUM



MT 6. 16-18

16. Quando jejuardes não tomeis um ar triste como os hipócritas; porque eles desfiguram os rostos, para mostrar aos homens que estão jejuando; em verdade vos digo, que já receberam sua recompensa.


17. Tu, porém, quando jejuas, unge a cabeça e lava o rosto


18. para não mostrar aos homens que jejuas, mas somente a teu Pai que está na secreto; e teu Pai que vê no secreto, te retribuirá.

Os ensinamentos continuam no mesmo tom sintético de oposição entre o que costumava praticar-se naquela época pelos supostos "modelos" de virtude, e o que Jesus pregava a seus discípulos.

Os jejuns eram frequentes entre os israelitas, quer quando prescritos pela lei mosaica, quer por devoção. Em qualquer deles, fazia-se questão de mostrar a todos que se jejuava, apresentando um rosto sujo, com expressão de sofrimento; o cabelo e a barba embaraçados, sem pentear; o ar sombrio (skuthr ôpoí, isto é, "de olhos tristes"). Realmente, o jejum judaico incluía a penitência, tanto que se denominava sôm e ta’anith, ou seja, "aflição". Mas se tornava mais uma exibição que realmente uma penit ência.

A esse estado de coisas, Jesus opõe o disfarce: esconder a todos que se faz penitência: que lavassem o rosto, se penteassem e perfumassem os cabelos (LC 7:44-46), para que ninguém soubesse que seus discípulos jejuavam, mas a penitência só fosse conhecida do "Pai que está no secreto".

Entretanto, Jesus não aconselhou a seus discípulos que jejuassem, e até foi acusado por isso (cfr. MT 9:14).

Para a individualidade valem muito esses conselhos: não tanto pelo jejum como abstenção de alimentos, mas para todo e qualquer sofrimento.

Bem sabemos que não é o fato de abster-se deste ou daquele alimento, que nos trará evolução espiritual.

Mas há jejuns que todos somos levados a realizar por necessidades passageiras. Quantas vezes a individualidade vê que sua personalidade é obrigada a abster-se, quer de alimentos, quer de vestuário adequado, quer de distrações, quer de quaisquer outros dos chamados "prazeres", mesmo legítimos.

Em quaisquer dessas hipóteses, nada deve transparecer na fisionomia que denote nosso sofrimento íntimo. Se algo nos falta, saibamos disfarçar e suportar essa carência como se tudo estivesse normal: ninguém tem nada que ver com a nossa vida.

Mesmo não havendo necessidade de cortar nada que agrade para "mortificar-se", depois que conseguimos" ter conosco o Esposo" divino pelo Encontro Místico - pois o Esponsalício Espiritual deve dar-nos a alegria permanente - é por vezes imprescindível privar-nos, por causa das circunstâncias, de coisas agradáveis.

E há outras coisas que amamos e que com frequência nos vêm a faltar; ainda assim, nenhuma manifesta ção externa de dor deve ser permitida à personalidade, como por exemplo, a exibição, ainda hoje comum, de vestir de preto ("pôr luto"), quando uma pessoa querida passa a uma vida melhor. Que tem os outros que ver com a nossa dor? Só o Pai, que habita no secreto, deve ser testemunha muda de nossos sentimentos.