Sabedoria do Evangelho - Volume 3

CAPÍTULO 27

JESUS É SEGUIDO



MT 14:13-14


13. Tendo Jesus ouvido isso, afastou-se dali num barco para um lugar deserto, sozinho; e quando as multidões o souberam, seguiramno das cidades, por terra.


14. E Jesus, ao desembarcar, viu grande multidão, compadeceu-se dela e curou seus enfermos.


MC 6:32-34


32. E foram no barco sozinhos para um lugar deserto.


33. E os viram partir e muitos os reconheceram; e correram para lá a pé de todas as cidades (e lá chegaram antes deles).


34. Ao desembarcar, viu Jesus grande multidão e compadeceu-se dela, porque era como ovelhas sem pastor; e começou a ensinarlhes muitas coisas.


LC 9:11


11. E ao saber isso, a multidão seguiu-o; e tendoa Jesus acolhido, falou-lhe do reino de Deus, e curava os que tinham necessidade de cura.


JO 6:1-4


1. Depois disso, Jesus atravessou o mar da Galileia, que é o de Tiberiades.


2. Grande multidão seguia-o, porque tinha visto os sinais que operara nos que se achavam enfermos.


3. Jesus subiu ao monte, e ali se sentou com seus discípulos.


4. E estava próxima a Páscoa, festa dos Judeus.

Duas razões principais levaram Jesus a afastar-se da Galileia, dominada por Herodes Antipas.

A primeira foi proporcionar aos discípulos, que acabavam de regressar de um giro de pregações e curas, um pouco de repouso longe das multidões sofredoras e sequiosas de conhecimento (cfr. MC 6:30-31 e LC 9:10).

A segunda foi discretamente colocar-se fora do alcance do tetrarca, que já ouvira falar Dele (cfr. MT 14:1-5; MC 6:14-16; LC 9:7-9) e que, segundo Lucas, "procurava conhecê-Lo". Ora, tendo ouvido falar nessas coisas, e sobretudo no assassinato de João, julgou prudente dirigir-se para o território do tetrarca Filipe, a leste do lago, rumando para Betsaida- Júlias (MT 14:22; LC 9:10). Esta razão, porém, não era assim tão importante, pois ao dia seguinte de manhã Jesus regressou a Cafarnaum.

Caladamente embarcou com os discípulos e iniciou a travessia.

Aconteceu, entretanto, que O viram embarcar e observaram o rumo que tomava. Ao verificar para onde se dirigia, alguns mais entusiasmados resolveram segui-Lo por terra. A distância entre Cafarnaum e Betsaida- Júlias não chega a 10 km, que portanto podia ser coberta folgadamente por uma e meia a duas horas (Marcos assinala que alguns "corriam a pé"). E em seu alvoroço alegre iam dando notícia a todas as pessoas que encontravam pelas aldeias do caminho, e novos contingentes engrossaSABEDORIA DO EVANGELHO vam a comitiva, de tal forma que, ao desembarcar, Jesus encontrou na praia pequena multidão que O aguardava.

No barco, não havia pressa: iam descansar. Já haviam começado a conversar a respeito do que ocorrera a cada um no giro. E assim a viagem transcorria suave e demorada.


Ao ver a massa que se comprimia, frustrando Suas primitivas intenções de repouso, Jesus não demonstra nenhum movimento de impaciência, antes: "compadeceu-se ternamente" (esplagchnísthê) e começou a falar-lhes e a curar os enfermos. Aquela gente humilde, pobre, suarenta, desnorteada, deu-

Lhe a impressão de "um rebanho sem pastor". E Monsenhor Louis Pirot ("La Sainte Bible", Letouzey, Paris, 1946, vol 9, pág
472) escreve: "Jesus teve piedade dessa multidão; os que deviam esclarecê-la, padres e doutores da lei, são infiéis à sua missão ou estão abaixo de sua tarefa. Preocupados, na maioria, unicamente nos proventos pecuniários que lhes renda seu sacerdócio, ou prisioneiros das tradições dos Padres, que deformaram a lei e alteraram o verdadeiro espírito do mosaísmo autêntico, eles são incapazes de guiar o povo para o Messias prometido que, no entanto, se apresenta em pessoa a Israel".

São palavras não minhas, mas de um Monsenhor católico. Mutatis mutandis...

Diante desses fatos, Jesus sobe da margem para pequena elevação de terreno (João, vers
3) e ali começa a falar.

As horas passam, e todos permanecem embevecidos, presos a seus lábios "que falavam palavras cheias de amor" (cfr. LC 4:22). Os enfermos, revigorados na saúde, já podem permanecer ali sem maiores sofrimentos.

Frequentemente a individualidade sente imperiosa necessidade de recolher-se a um lugar isolado, levando consigo apenas seus veículos, para dedicar-se à meditação e à prece, para auscultar a "voz do coração", para responder às dúvidas de seu intelecto, para atender às necessidades de suas emoções ensinando-as a controlar-se, para aliviar as tensões de suas sensações exacerbadas nos embates da vida.

Mormente após viagens de pregação ou períodos de trabalhos mais intensos (ou após cada período encarnatório na Terra), aparecem sintomas desagradáveis, agregações fluídicas, cansaço cerebral, perturbações emocionais; e sair da "multidão" para o isolamento do silêncio e da meditação, em contato com o Eu Profundo é o remédio eficaz.


No entanto, nem sempre se consegue isso. Quantas e quantas vezes, exaustos e confusos, vamos à procura de repouso e, em lugar dele, encontramos outra "multidão" à nossa espera, pedindo favores, suplicando conselhos, solicitando "passes", expondo-nos dúvidas, jogando-nos em cima seus problemas

... Cabe a nós aprender a lição que nos é aqui ensinada: não aborrecer-nos, nem sequer impacientarnos.

Olhar sempre os sofredores como "ovelhas sem pastor" e segurar o báculo do serviço, compadecendonos de todos os que, ainda presos às ilusões do corpo e da matéria, se creem injustiçados.

Mas a lição tem outro pormenor: o atendimento tem que ser multiface. Em primeiro lugar, o ensinamento, para que o conhecimento apague dúvidas; depois a cura dos males; em seguida (ve-lo-emos no próximo capítulo) o atendimento social. A importância da urgência e da necessidade de cada um dos passos é ensinada pela ordem em que foi executada pelo Mestre: 1. º O ensino (alimento do espírito); é o atendimento mais elevado e imprescindível, que se pode dar à humanidade; 2. º a cura das enfermidades (realizada em grande parte pelo conhecimento adquirido com o ensino dado, que desperta a fé e refaz o equilíbrio); e em 3. º lugar (o último) o atendimento social (alimento do corpo que lhe refocila as forças físicas, para dar-lhe energias, a fim de prosseguir na luta diária.


* * *

Outra interpretação. Nosso Eu ou individualidade jamais deve cansar-se de atender às necessidades de seus veículos, nem de perdoar seus erros. Por vezes, sabemos que é mais difícil perdoar a si mesmo, que fazê-lo aos outros. Apesar de toda imperfeição e incapacidade de nossa personalidade, aprendamos a suportá-la, ensinando-lhe a evoluir, atendendo-a com amor, sem nervosismos nem an gústias, quando ela se mostra incapaz de atingir o alvo que desejaríamos; demos-lhe o ensino paciente, sem dela exigirmos mais do que possa dar de esforço; alimentemos-lhe a fome de conhecimento com palavras simples, demonstrando que a evolução é realmente coisa penosa e difícil, carecente de carinho e ajuda.