21. Desde esse tempo, começou Jesus a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário ir a Jerusalém e padecer muitas coisas dos mais velhos, dos principais sacerdotes e dos escribas, ser assassinado e no terceiro dia ser despertado (ressuscitado)
22. Correndo a protegê-lo, Pedro começou a repreendêlo, dizendo; "Deus te guarde, Senhor: de modo algum te acontecerá isso"!
23. Mas, virando-se ele, disse a Pedro: "Vai para trás de mim, adversário; tu me és pedra de tropeço, porque não pensas nas coisas de Deus, mas sim nas dos homens".
31. E começou a ensinar-lhes que precisava o Filho do Homem padecer muitas coisas, ser rejeitado pelos mais velhos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, ser assassinado e após três dias levantar-se (ressucitar). 32. E abertamente falava esse ensino. Então, chamando-o à parte, Pedro começou a repreendê-lo.
33. Mas, virando-se e olhando para seus discípulos, repreendeu a Pedro, dizendo: "Vai para trás de mim, adversário, porque não pensas nas coisas de Deus, mas nas dos homens".
22. Dizendo : "É necessário que o Filho do Homem padeça muitas coisas e seja rejeitado pelos mais velhos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, seja assassinado e no terceiro dia seja despertado (ressuscitado)
Aqui, pela primeira vez, após o reconhecimento oficial de Seu messianato por parte dos discípulos, Jesus lhes expõe com clareza e sem circunlóquíos (Marcos diz: "o ensino foi dado abertamente") o fim trágico que Lhe está reservado exteriormente, diante dos homens. E é interessante salientar que, embora alguns manuscritos (seguidos por Wescott-Hort, Weiss, Nestle e Lagrange) tragam "Jesus Cristo", outros, (como C, E, F, G, H, S, U, theta, omega e numerosos mais, seguidos por Tischendorf, von Soden, Vogels e Bover) omitem a qualidade divina, aí deixando apenas o nome humano de "Jesus". Realmente, quem teria que submeter-se à terrível prova de dor-amor era o homem Jesus, já que o Cristo divino, que "habita corporalmente" em todos nós, é INATINGÍVEL a qualquer dor ou sofrimento, seja de natureza moral ou física.
A teoria docetista de que às dores físicas Jesus foi insensível por ser um fantasma (agênere) é de indizível ingenuidade; nem há razões que justifiquem a abolição da dor física, a fim de salientar a dor moral (motivada pelo baixamento de vibrações, o que lhe permitiu conviver na Terra com a humanidade ainda atrasadíssima como está). O homem Jesus (o Filho do Homem) sofreu moral e fisicamente.
Mas o Cristo Cósmico, mesmo em suas Centelhas, sendo Deus, é imutável e impossível, não sofrendo nem de um modo nem de outro; é inatingível a dores e sofrimentos, pois vive na beatitude permanente da sintonia absoluta com o Som (Verbo), unificado que está ao Pai e com o Espírito-Amor, a luz, de que o Cristo constitui um raio. Tal como um adulto não sofre, porque compreende a incapacidade infantil, se um lactente lhe faz uma desfeita, nem do recém-nascido exige o comportamento de um ho mem amadurecido, assim o Cristo divino - muito mais elevado em relação ao homem, que o adulto em relação ao lactente - não sofre jamais, porque sabe e compreende a ignorância infantil da humanidade.
Os avisos que "começa" a dar, a respeito de Suas dores futuras, têm por escopo prevenir Seus discípulos que abandonassem a crença vulgar do Messias-Rei, e se familiarizassem com a ideia realística do Messias-Servo-de-YHWH, sofredor e incompreendido (cfr. IS
1. ª - que Ele deverá sair do "Jardim" risonho e florido da Galileia, para subir a árdua, agreste e íngreme montanha de Jerusalém;
2. ª - que terá que padecer muitas coisas às mãos do Sinédrio hierosolimitano, citado por seus componentes: os mais velhos (presbyte oi) que constituiam a nobreza do povo; os sacerdotes mais importantes (principais) e os doutores da lei. escribas, intérpretes autorizados das Escrituras; ou seja, será rejeitado pelo mundo oficial da Igreja israelita; 3. ª - que terminará Sua carreira sendo assassinado de modo violento;
4. ª - mas que ao terceiro dia será DESPERTADO (em Mateus e Lucas: egerthênai, infinito aoristo passivo) ou SE LEVANTARÁ (em Marcos: anastênai, infinito aoristo segundo ativo).
2. º dia, sábado, 3. º dia, domingo) . Em Oséias (Oséias
Essa revelação abrupta causa em Pedro violento choque emocional e, temperamental como sempre, parece-lhe que tudo vai realizar-se ali mesmo, naquele momento, diante de todos. Então, extrovertido e generoso "corre a protegê-Lo" (sentido literal de proslabómenos, particípio presente ativo de proslambánomai).
—Deus te ajude, Senhor! De modo algum te acontecerá isso!
A fórmula grega aqui usada, hileôs soi (proveniente de hílaos, "alegre", donde vêm nossos vocábulos" hílare" e "hilaridade"), omitia sempre o nome de Deus, traduzindo-se literalmente: "favoravelmente a ti", e correspondendo às nossas expressões correntes "Deus te ajude", "Deus te favoreça" ou "boa sorte".
—Vai para trás de mim, adversário!
"Adversário", em grego satanã (transcrição do hebraico satan), porque, tal como da outra vez, havia manifesta oposição à missão messiânica que Ele viera cumprir, pretendendo-se incutir-Lhe a vaidade, o orgulho e a ambição, caminhos opostos à humildade, à renúncia e à submissão necessárias para levar a termo o auto-sacrifício por amor.
Logo depois é dada explicação do motivo por que o chama de adversário. Quase num jogo de imagens, ao mesmo a quem chamara "a pedra" (Pedro), diz, agora, ser "pedra de tropeço", pois pretende fazê-Lo tropeçar e cair no caminho da evolução. Aqui o sentido literal de skándalon pode ser dado em toda a sua plenitude.
Mas a explicação prossegue com profundo sentido didático: o discípulo precisa compreender totalmente as razões de uma repreensão: "não pensas (ou phroneís) nas coisas de Deus, mas nas dos homens", isto é, olhas tudo do ângulo material e humano, e não do espiritual e divino.
Lucas limita-se a transcrever o aviso que Jesus deu do que O aguardava, sem aduzir o incidente do protesto de Pedro.
O episódio traz-nos ensinamentos que nos alertam contra a prudência (phrónis) típica da personagem encarcerada na carne.
Logo após o Encontro Místico e o reconhecimento do Cristo Interno por parte do intelecto que se rende à evidência; logo após a felicidade inaudita da nova conquista, a criatura é alertada para os passos inevitáveis que ainda terá que dar, antes de atingir as alturas da libertação definitiva da descida à matéria, ao pólo negativo, ao Antissistema.
Aqui, temos que fazer ligeira digressão, para fazer-nos entender.
"Attar; os "sete castelos da alma" de Teresa de Ávila: "a montanha dos sete patamares" de Thomas Menton, etc.) .
Todas essas etapas estão bem estabelecidas na vida física de Jesus" que é o modelo e exemplo do que a todos nós deverá ocorrer para o nascimento do "homem novo" ou "Filho do Homem", isto é, a vida plena da individualidade.
Quando o Espírito já percorreu a maior parte da estrada evolutiva, e já se encontra maduro para dar o salto definitivo para a individualidade; ou seja, quando já atingiu a liberação total dos carmas negativos, tendo inclusive adquirido a sabedoria (desenvolvimento pleno das sensações, que foram superadas; das emoções, que foram dominadas e vencidas; e do intelecto, que foi iluminado, estando apto a mergulhar e dissolver-se na mente), então a "iniciação" realizada no planeta Terra chega ao ponto de poder despojar definitivamente o Espírito das personalidades ou personagens transitórias, libertando-o da "roda das encarnações" (gilgul, samsara, kyklos ananke), ou seja, do ciclo de "Filho da mulher", passando-o a "Filho do Homem"; e se os passos forem perfeita e completamente realizados, terminará a experiência como "Filho de Deus".
2. ª - a CONFIRMAÇÃO, quando desce "a graça", resposta divina ao esforço humano, o que ocorreu com Jesus no momento exato em que foi dado o mergulho, quando se fez ouvir a voz: "este é meu filho bem-amado".
3. ª - as TENTAÇÕES, que representam a metánoia, ou modificação total da mentalidade, e que terão que ser vencidas com vitória absoluta, contra a atração dos três maiores vícios da personagem divisionista: vaidade, orgulho, ambição. Também estas só são consideradas superadas, quando se obtém a "manifestação" do Alto na outra etapa: 4. ª - a TRANSFIGURAÇÃO, que é a sublimação do corpo físico, após a vitória sobre os vícios, pela elevação das vibrações, purificando definitivamente a carne pelo contato com a divindade, obtendo se, então, a "manifestação" (epiphania) das Forças Espirituais. Novamente aparece a frase: "este é meu filho bem-amado, ouvi-o". 5. ª - a UNIÃO total com o Cristo Interno e, por seu intermédio, com o PAI, num matrimônio místico, coisa que ocorreu na chamada Última CEIA, quando Jesus revelou o grande segredo, o mistério máximo de sua doutrina, depois do que pode declarar: "Eu e o Pai somos UM" (JO
6. ª - a conquista do grau de SACERDOTE, que precisa ser precedido por uma "experiência" mística vivida, com o sofrimento voluntário da DOR-AMOR (1), que consegue a redenção total do passado, e que Jesus viveu na CRUCIFICAÇÃO, obtendo a consagração na RESSURREIÇÃO, com a definitiva vitória sobre a matéria. (1) A palavra portuguesa "paixão" vem do latim passione(m), (verbo patior) muito semelhante ao grego páthos (verbo patheín). O sentido de patheín é realmente "experimentar" ou "sofrer uma experiência". Empregava-se esse verbo no sentido de que os "iniciados" teriam que "experimentar" ao vivo os ensinamentos aprendidos, conforme, aliás, consta de um fragmento de Aristóteles (em "Sinésio", Dion 10): "O místico deve não apenas aprender (mathein) mas experimentar (patheín)". Na interpretação iniciática consistiu exatamente nisso a "paixão" de Jesus. 7. ª - a ASCENSÃO, que exprime a passagem ao plano mental (o plano próprio do ser que conquistou a plenitude do estado hominal) com a final destruição da personalidade, eliminando-se, de todo, as sensações do etérico, as emoções do astral e o raciocínio do intelecto, e permanecendo apenas o sentimento e o conhecimento intuitivo e global, a sabedoria experimental (ou gnose).
Nesse ponto ("na etapa final", ver vol.
3) o ser conquistou o estado espiritual, tendo vencido a morte e subjugado o "inferno" (a inferioridade personalística), tornando-se Filho de Deus nas esferas evolutivas ou "celestiais".
A cada encarnação em que a criatura repete esse ciclo iniciático, ascende mais um passo. Daí haver diversos planos de iniciação: iluminados, iniciados, adeptos, mestres, hierofantes... Jesus, evidentemente, estava no último grau da última iniciação terrena.
Voltando ao nosso tema, observamos que a criatura é alertada quanto aos passos dolorosos por que terá que passar. Embora tendo o intelecto reconhecido o Cristo Interno em seu contato íntimo, ainda não está totalmente preparado e assusta-se diante dos transes aflitivos que sobrevirão à personagem humana, antes de galgar o supremo degrau que lhe dará o adeptado no planeta de provas que é a Terra.
Assusta-se e procura esquivar-se. Realmente, nesse ponto muitos recuam; alguns poucos chegam ao 2. º passo; raros ao 3. º; em menor número ainda ao 4. º, e raríssimos seguem daí por diante. No entanto, TODOS, no dizer de Paulo (EF
Diante, pois, do medo manifestado, o Cristo assinala que o intelecto ainda é o adversário, o antagonista do Espírito. Com seus cálculos egoístas, o intelecto personalista se apega aos bens terrenos. O Cristo o sacode, demonstrando-lhe e ordenando-lhe que fique atrás do Espírito: "vai para trás de mim". Coloca-o no lugar justo, submetido ao Espírito, e não querendo impedir-lhe a caminhada.
E esclarece (o intelecto é curioso...) a razão disso: ele só pensa nas coisas humanas, terrenas, materiais ou intelectuais, ao invés de preocupar-se com os problemas do Espírito, com as coisas de Deus.
Enquanto a criatura não modificar sua mente (a palavra usada nos Evangelhos para exprimir isso é metánoia) colocando acima das coisas terrenas as espirituais, não estará apto a submeter-se às provas, não terá ainda iniciado a subida evolutiva.
Como vemos, dizer-se "iniciado", sem ter passado por essas provas, exprime arrojo inaudito. Aliás, só o fato de alguém dizer-se iniciado, demonstra que não o é; porque o verdadeiro iniciado jamais o diz: limita-se a revelá-lo por seus atos, por seu comportamento, por sua irradiação espiritual. Quem estiver à altura de compreendê-lo, o saberá ao primeiro contato. Desconfiemos de todos as que precisam dizer que o são, para serem reconhecidos...
Mas o próprio Mestre, no próximo capítulo, desenvolverá melhor esse tema.