10. Perguntaram-lhe os discípulos dizendo: "Por que então dizem os escribas que Elias deve vir primeiro"?
11. Respondendo, Jesus disse: "Sem dúvida Elias vem primeiro e restaurará todas as coisas;
12. mas eu vos digo que Elias já veio e não o conheceram, antes fizeram com ele tudo o que quiseram; assim também o Filho do Homem há de padecer por parte deles".
13. Então os discípulos entenderam que lhes falara a respeito de João Batista.
10. E guardaram essa palavra, discutindo entre si o que seria ter sido levantado dentre os mortos.
11. Então lhe perguntaram dizendo: "Como é que os escribas dizem que Elias deve ter vindo primeiro"?
12. Respondendo, disse-lhes: "Elias, tendo vindo primeiro, restauraria todas as coisas e (como está escrito do Filho do Homem) padeceria muitas coisas e seria rejeitado;
13. mas digo-vos que (tal como está escrito a respeito dele) também Elias veio e fizeram a ele tudo o que queriam.
Aqui temos um dos ensinos mais claros e explícitos de Jesus, mas há dois milênios vem ele sendo premeditadamente mal interpretado. Pensadamente se torce a doutrina explicada pelo Mestre, para adaptá-la às próprias convicções e aos convencionalismos ditados pela falta de conhecimento da realidade.
São então trazidos à balha nos comentários de hermeneutas e exegetas, os mais deslavados sofismas, que contradizem frontalmente o texto.
Reconstituamos a cena, tal como está narrada pelos dois evangelistas.
Em Marcos, encontramos a causa que provocou a pergunta. Tinham os discípulos gravado na memória a proibição de Jesus e, a esse respeito, vinha sendo mantida acesa discussão a propósito da frase: ter-se levantado dentre os mortos" (veja-se o estudo de anístêmi, "levantar-se", no vol. 3).
Apesar da discussão, não se fez a luz e não chegaram eles a uma conclusão satisfatória.
Com efeito, havia muitos dados que pareciam contraditórios entre si. Malaquias previra o retorno de Elias à Terra, antes do Messias, na qualidade de Seu precursor. Jesus declarara (MT
Agora, mais uma complicação surgira: eles acabavam de ver e ouvir Elias, com a forma de Espírito. Como explicar-se ali a presença de Elias? Elias não havia renascido na pessoa de João Batista? E então, por que apareceu Elias, e não o Batista? E havia mais: se estava previsto que a missão de Jesus chegava ao fim (assunto tratado durante a visão, confirmando as palavras anteriores de Jesus), não haveria tempo suficiente para que Elias reencarnasse e viesse "preparar o caminho para o Senhor".
De fato, a confusão era procedente e eles resolveram interpelar o Mestre, expondo-Lhe suas dúvidas numa pergunta que as englobasse: "como dizem os escribas que Elias deve vir primeiro" (dei elthein prôton)?
Jesus aceita e ratifica o ensino dos escribas baseado nas Escrituras: não há dúvida de que Elias vem antes. Eis as respostas com suas variantes nos dois Evangelhos: Mateus: "Sem dúvida Elias vem (érchetai, presente do indicativo) e restaurará todas as coisas.
Mas eu vos digo que ELIAS JÁ VEIO e não o conheceram, mas fizeram com ele tudo o que quiseram: assim também o Filho do Homem há de padecer da parte deles".
Marcos: "Com efeito, tendo vindo primeiro, Elias restauraria todas as coisas e (como também está escrito do Filho do Homem) padeceria muitas coisas e seria rejeitado. Mas digo-vos que (tal como está escrito a respeito dele) também ELIAS VEIO e fizeram-lhe tudo o que queriam.
Mesmo assim confuso, o sentido do texto de Marcos concorda com o sentido do de Mateus em suas linhas básicas: ELIAS JÁ VEIO e, não tendo sido reconhecido, foi assassinado o Mas Elias JÁ VEIO.
Após essa resposta incisiva, os raciocínios se aclararam: eles haviam degolado "Elias", quando degolaram João Batista, e por isso Elias apareceu em espírito. De fato, o Espírito não morre. Só morre a personalidade terrena, única que recebe um nome. A conclusão é óbvia: o Espírito (individualidade) é um só, que vivifica sucessivamente várias personagens. O mesmo Espírito, pois, vivificara Elias e, novecentos anos depois, vivificara a personagem João Batista. Assim sendo, o Espírito era o mesmo, e podia apresentar-se com qualquer das duas formas, a seu gosto: ou Elias, ou João Batista.
Tudo se esclarecia definitivamente e "os discípulos entenderam finalmente que, quando Jesus lhes falara de Elias, Ele se referira a João Batista, nova encarnação de Elias".
7 in Evang., Patrol. Lat. vol. 76, col. 1100).
O sentido desse esclarecimento dado pela individualidade (Jesus) ao intelecto e às emoções da personalidade (Pedro-Tiago-João) é o exemplo do que ocorre com todos os que se aproximam das realidades espirituais.
Muita coisa existe que o intelecto (mesmo iluminado) e as emoções recusam aceitar. Nesse mesmo trecho temos a comprovação disso: há quantos séculos obstina-se a humanidade em não aceitar a lição dada, só porque, vivendo presa à personalidade, seus intelectos não percebem a realidade profunda?
E no entanto, centenas de intelectuais privilegiados leram o trecho e o comentaram, mas sempre baseados nos raciocínios horizontais da personagem humana limitada. Por isso é tão difícil convencer aqueles que, encarcerados na personalidade - cujo eu unicamente conhecem - não conseguem perceber nada além do que os sentidos lhes fornecem, e recusam a luz do Espírito.
Quando, todavia, se dá o contato com o Espírito, esse mostra ao intelecto o FATO, e o intelecto imediatamente VÊ, PERCEBE e ENTENDE as coisas, sem necessidade de fazê-las passar pelo crivo do raciocínio e pelo filtro das emoções. A visão é global, interiça, total.
Nessa elucidação de Jesus, as palavras foram poucas, mas o alcance do Intelecto, que acabava de ter tido o contato, foi completo: "entenderam que lhes falava de João Batista". Entenderam. Perceberam.
Viram. Nada mais lhes era necessário. A intuição estava absorvida, a convicção era indiscutível, o Espírito penetrara no intelecto, e o intelecto "entrara no reino dos céus", vendo, "não mais através de um vidro obscuro, mas face a face, não mais por partes, mas englobadamente" (1. ª Cor. 13:12).
Natural e compreensível a recusa daqueles que vivem na personalidade, de aceitar as visões espirituais: um plano se opõe ao outro em pólos opostos. Quem está e vive preso aos sentidos físicos, quem só raciocina intelectualmente, é como "a criança, que fala como criança, pensa como criança, raciocina como criança; mas quando eles se tornarem Homens, abandonarão os modos de ver das crianças" (l. ª Cor. 13:11). Ora, como pretender que a criança cresça repentinamente e de imediato raciocine como pessoa adulta? Como pretender que a personalidade de inopino atinja a individualidade? Só o tempo (que "é o ritmo evolutivo", no dizer de Pietro Ubaldi) é que poderá resolver o caso e amadurecer os frutos. Aguardemos com paciência que a Humanidade e seus dirigentes, políticos e espirituais, se tornem adultos, e tudo será mais fácil.