Sabedoria do Evangelho - Volume 4

CAPÍTULO 20

TOLERÂNCIA



MC 9:38-41


38. Perguntou-lhe João, dizendo: "Mestre, vimos alguém expulsando espíritos atrasados em teu nome e lho proibimos, porque ele não nos acompanha".


39. Mas Jesus disse: "Não lho proibais. Pois ninguém há que faça trabalho em meu nome, e possa logo depois falar mal de mim.


40. Quem não é contra vós, é por vós.


41. E quem vós der de beber um copo de água em (meu) nome, porque sois de Cristo, em verdade vos digo, de modo algum perderá sua retribuição".


LC 9:49-50


49. Tomando a palavra, João disse: "Mestre, vimos alguém expulsando espíritos atrasados em teu nome, e lho proibimos porque não nos acompanha.


50. E disse Jesus: "Não lho proibais, pois quem não é contra vós, é por vós".

As últimas palavras de Jesus, "receber em meu nome", fizeram que João se recordasse de um episódio que com ele se passou, embora não possamos saber a ocasião nem o local, que os narradores silenciaram.

Sabemos, realmente, que a tolerância não era a característica fundamental, naqueles primeiros anos ardorosos de juventude, de João e de seu irmão Tiago (cfr. LC 9:54), tanto que Jesus os apelida d "filhos do trovão" (cfr. MC 3:17).

Foi-lhes chocante, pois, e aborreceu-os fortemente o fato de uma criatura, que não seguia o Mestre, expulsar um obsessor em nome de Jesus: Imediatamente eles se aproximaram e o proibiram de continuar com esse "abuso". Julgavam que, com isso, estavam defendendo a honra do Mestre querido, e, ao mesmo tempo, pretendiam garantir para si e para seus companheiros, o "privilégio" do uso exclusivo do nome de Jesus, como um monopólio religioso... Essa mentalidade teve (e tem!) numerosos seguidores, sobretudo na 1dade Média e nos tempos que se lhe seguiram, não se conseguindo, porém, até hoje extirpá-la totalmente, entre os cristãos de todos os matizes.

Pela frase de João temos a impressão de que esse exorcista operava com êxito, coisa que não ocorreu com os filhos do sacerdote Ceva (Cfr. AT 19:13-16) que fracassaram na tentativa com o mesmo nome de Jesus. Naquela época eram realmente numerosos os exorcistas, judeus e não-judeus, que se fixavam em certos locais ou perambulavam pelas cidades, exercendo essa profissão.

Com a ordem de Jesus, de que fossem recebidas as crianças em Seu nome, João sente que talvez tenha agido precipitadamente, e pede a opinião do Mestre, que a dá com franqueza, ensinando que se deve olhar a intenção, e que esta não deve ser prejulgada má à primeira vista.

A frase de João, que mantivemos na tradução: "e lho proibimos porque não nos acompanhava" (kai ekôlyomen autòn, hóti ouk êkoloúthei hêmin) baseia-se nos códices aleph, E, delta, theta, e é seguida por Vogels, Swete, Huby, Pirot e outros.

A regra de Jesus é clara; "quem não é contra vós, está do vosso lado: é a vosso favor"; e torna-se evidente que, se alguém trabalha em nome de Jesus, não pode, logo a seguir, falar mal dele. Realmente, só o fato de usar o nome de Jesus prova bem que é ou pelo menos pretende ser, seu discípulo.

E para salientar que não há necessidade de "seguir" a doutrina, mas basta um simples ato de humanidade para atrair bênçãos, acrescenta uma imagem corriqueira da vida diária: basta que vos dêem um copo d’água em meu nome, porque sois de Cristo.

Aparece o possessivo "meu" em aleph, C2, D, X, gama, delta, e pi2. Outra observação; aqui é o único passo dos sinópticos em que "Cristo" aparece sem artigo; só mais tarde, em Paulo, é que o encontramos assim (cfr. Rom. 8;9; l. ª Cor. 1; 12 e 3:23; 2. ª Cor. 10;7).

A preocupação máxima da personagem egoística, que vive e vibra no mundo divisionista da matéria, é manter ciosamente os "direitos" conquistados. Ignora que "onde começa o direito, termina o amor" (Pietro Ubaldi). A individualidade, que sabe e reconhece que é una com o Cristo Cósmico e portanto com todas as individualidades que existem, é que ama sem limitações de "direitos", conhecendo apenas humilde e desprendidamente seus deveres do serviço.

A lição, pois, procede plenamente. Vemos a personagem humana, exaltada pelo ciúme (que frequentemente se camufla com o eufemismo de "zêlu") a protestar e perseguir, sob a alegação de que não pode falar e agir em nome do Mestre quem não for seguidor da escola que os homens regulamentaram e impuseram como sendo a única que é "dona" de Jesus, muito embora na prática venham a contradizer os ensinos teóricos do Mestre. Tudo isso, porém é sobejamente conhecido, para que percamos tempo em comentários.


A lição diz-nos que devemos superar todas essas divisões, considerando correligionários e irmãos todos os que falam, pregam e agem em nome de Cristo, embora em línguas diferentes ou sob outras formas verbais. Cristo é um só manifestando-se através dos grandes avatares: Mesquisedec, Rama, Hermes, Crishna, Gautama o Buddha, Quetzalcoatl, Jesus, Bahá"u"lláh, Ramakrishna, ou qualquer outro. CRISTO revelou-se sempre e ainda se revela universalmente a todas as criaturas, em todas as latitudes e meridianos, em todas as épocas, em todos os idiomas, embora os homens. O interpretem segundo suas capacidades pessoais (são personagens) e portanto traduzam Seu pensamento dentro do estilo e do idioma, dos hábitos e das tradições folclóricas, do adiantamento cultural e das limitações de compreensão; dessa forma, parece aos que estão demais apegados à personalidade e não são observadores, que cada grupo humano segue uma senda diferente dos outros: são, pensam eles, "outras" religiões... são adversários... antagonistas... diabólicos... E cada grupo SE atribui a única e total posse da verdade, classificando todos os outros no "erro" ... São crianças, que não alcançam a compreensão adulta do Homem feito, o qual já percebe, pela individualidade, que TODOS os caminhos levam ao mesmo e único Deus que habita DENTRO DE TODOS indistintamente, de qualquer religião que seja. E o único testemunho que apresentam a favor dessa "propriedade", é a palavra deles mesmos: eles SE DIZEM donos do "Deus verdadeiro", e ai de quem não acreditar neles!

Quando a humanidade tiver evoluído suficientemente para superar a fase materialista e divisionista das personagens transitórias, ela compreenderá que "tudo está cheio de Deus" (pánta plêrê theôn, Aristóteles, Anima, 4. 5,411 a 7), e que o caminho que leva a religar-nos a Deus, é o CRISTO UNIVERSAL (Cósmico), sob qualquer das denominações por que Se tenha manifestado a nós, em qualquer época, em qualquer clima: "Eu sou o CAMINHO da Verdade (Pai) e da Vida (Espírito-Santo) (JO 14:6).

Só através do Cristo Cósmico teremos a verdadeira união fraternal de todos ("todos vós sois irmãos", MT 23:8), a verdadeira e real "união de todos os crentes", sob a Chefia não de um homem - por mais rico que seja, por mais prestigiado, por mais luxuosas suas roupas, por maiores seus palácios, por mais pomposos seus ritos, por mais numerosos, unidos e hierarquizados seus súbditos - mas sob a Chefia DO CRISTO, que diretamente age no âmago de cada criatura, a insuflar-lhe humildade, harmonia e amor.

A lição da tolerância é o passo inicial da lição da compreensão total, que a todos FUNDE no amor.

Passo inicial, porque "tolerar" supõe ainda pretensa superioridade em quem "generosamente" tolera, embora a contragosto. O passo final é a fusão, a unificação de todos - cada qual permanecendo em sua própria linha evolutiva - no grande rebanho, com o único Pastor, o CRISTO: "EU SOU O BOM PASTOR" (JO 10:14-16).

Todos aqueles que não se opõem frontalmente ao trabalho crístico são a ele favoráveis, porque, se não ajudam, pelo menos não obstam à tarefa.


No entanto, qualquer ajuda (um copo d"água que seja a quem ainda está no caminho, será recompensada, desde que a intenção seja a de cooperar com o irmão, por ser ele de Cristo. Não de um Cristo particular, determinado, mas sem artigo, com a generalidade da indeterminação: DE CRISTO.

Quando o homem deixa de pertencer a si mesmo, no egoísmo separatista e passa a ser DE CRISTO (Cfr, 1. ª Cor. 6:19-20), começa aí, realmente, o caminho intérmino e maravilhoso, cheio de amor e inçado de espinhos e dores; começa aí sua crucificação consciente na carne, que lhe já não constitui o máximo de prazer, mas que se torna a "gaiola", embora dourada, que o impede de voar; começa aí a verdadeira porta da iniciação, e por isso o Cristo afirmou: "Eu sou a PORTA" (JO 10:7), a porta que leva ao "caminho", o caminho que leva à Verdade, a Verdade que leva à vida, na gloriosa ascensão que nos unifica a Ele, que nos harmoniza sintonicamente ao Som do Verbo, que nos transforma em luz ao mergulharmos na Fonte Incriada da Luz do Espírito-Santo.

Perspectiva de infinito, que principia quando "voltarmos a ser crianças", e tem seu ponto de fuga na eternidade da Vida.