Alguns hermeneutas julgam ser esta palestra uma continuação da anterior, baseados no dativo autois, a que atribuem o sentido "a eles mesmos", isto é" aos mesmos ouvintes de antes. Ora, da mesma forma que o autois do vers. 12 não se refere aos mesmos ouvintes que o circundavam no episódio da "adúltera" (a estes dirigiu-se no pátio do Templo, e o vers. 12 se refere a outros ouvintes ao lado da "câmara do tesouro"), assim o autois deste vers. 21 pode também significar apenas genericamente "a eles mesmos" os judeus. Tanto no vers. 12 como no 21, o advérbio empregado é o mesmo: pálin. ou seja, "de novo", no sentido de "outra vez", ou "em outra ocasião".
Embora o assunto apresente a mesma tônica de elevação que o trecho anterior, outros argumentos todavia são trazidos à liça. A primeira frase já fora proferida em outra ocasião, quase com as mesmas palavras (cfr. JO
O prosseguimento também varia, com uma explicação de motivo de Ele poder ir a lugares aonde não possa ser seguido por eles: "vós sois de baixo, (kátô), eu sou de cima (ánô)". E para que não pairem dúvidas a respeito do sentido dessas palavras é fornecido o esclarecimento final: "vós sois deste mundo" (toútou tou kósmou), pertenceis a este planeta em que fazeis vossa evolução, "eu não sou deste mundo", pois venho de outro plano. O evangelista João (3:31; vol.
2) já havia consignado a distinção entre os habitantes do planeta Terra e os de outros planos: "o que vem de cima, é sobre todos; o que é da Terra, é da Terra e fala da Terra; o que vem do céu é sobre todos".
Depois o orador pede que acreditem que Ele é o mesmo YHWH, pois dá de Si a mesma definição que aparece em Êxodo
Este ponto é de importância capital para estabelecer a identidade do Espírito de Jesus.
Já estudamos em "La Reencarnación en el Antiguo Testamento" (Revista SPIRITVS, n. º 1, 1964, págs.
19 a
25) que ELOHIM, plural de EL ou ELOHÁ, tem o sentido exato de "espírito desencarnado".
Com efeito, a médium de Êndor (1SM
O espírito desencarnado que se "manifestava" como "guia" de pessoas, cidades ou nações ("Santo" protetor), era chamado EL ELOHÁ ou ELOHIM entre os hebreus; "Deus" entre os romanos"; "Theós" entre os gregos. Mas nenhum desses termos jamais se referiam ao DEUS o ABSOLUTO. Então, apesar da pecha de politeístas, os povos antigos (pelo menos a elite intelectual e espiritual) cria num só DEUS, embora atribuísse aos espíritos desencarnados de categoria mais elevada os epítetos de ELOHIM (hebreus), DEUS (romanos), THEOS (gregos), exatamente como nós, hoje, da idade moderna acreditamos num só Deus supremo, imanente em tudo e transcendente a tudo, mas denominamo "SANTOS" (católicos), DEVAS (hindus), "GUIAS" (espiritistas), aos espíritos desencarnados de elevada categoria moral e espiritual. Compreendamos, pois, que ELOHIM, DEUS, THEÓS deverão entenderse como "santos", "Guias", "devas".
Ora, bem numerosas são os passos do Antigo Testamento, em que lemos a frase: "porque eu, YHWH, sou vosso ELOHIM". Se lermos a Bíblia sem preconceitos de "escolas", veremos que e irrespondível nossa argumentação: YHWH é um ELOHIM, isto é, um "espírito desencarnado", GUIA (Protetor) do povo hebreu (e por isso encarnou entre eles), mas nunca o Deus Absoluto. O próprio Moisés (Éx. 5:
3) designa YHWH como "homem combativo".
Mas muitos e muitos passos o confirmam: YHWH fala com seus amigos e com seus adversários, com Caim (Gén. 4:10), com Abrão (Gén. 13:14), com Jacob (Gén. 31:3), com Moisés (EX
21) e, quando não gosta de alguém, "põe ciladas" (2CR. 20:22), etc. Não citamos nem a centésima parte dos atos humanos de YHWH, praticados na qualidade de ELOHIM, isto é de espírito desencarnado; atos inadmissíveis para um Deus que não seja antropomórfico, isto é, feito "à imagem e semelhança do homem".
Além disso, não é só YHWH que é ELOHIM: a mesma denominação de "guia", com essa mesma palavra, é empregada em muitos pontos: Camos elohá dos Amorreus (Juízes
23) e elohá também de Azot (l. º Sam. 5:7); Astarté, elohá dos sidônios, Camos elohá de Moab, Milcom elohá dos filhos de Amon (1RS
No Génesis (is
Então, YHWH é um ELOHIM, o ELOHIM dos hebreus ou israelitas e, no dizer de Isaías (Isaías
Ora, neste trecho Jesus se declara YHWH, quando taxativamente diz: "se não credes que EU SOU, morrereis em vossos erros". Não foi assim que YHWH se definiu a Moisés: "EU SOU QUEM SOU: dize aos filhos de Israel: EU SOU enviou-me a vós" (EX
No espírito dos ouvintes daquela palestra não pairou dúvida. Mas tão ousada lhes pareceu a assertiva, que eles voltaram a indagar, para certificar-se de que tinham ouvido bem: "Quem és tu? E Jesus, simples e claramente lhes confirma: "Acima de tudo, o que vos estou dizendo": é isso mesmo que vos digo: EU SOU.
Essa resposta tem sido discutidíssima há milênios. O original tem: tên archên hó ti kaì lálô humin. Mas os tradutores não chegaram a uma conclusão.
Analisemos cada. termo, e verificaremos que Jesus realmente reafirma sua declaração anterior, de que Ele é EU SOU.
Hó ti - "aquilo que", no gênero neutro, logo, não concordando com tên archên, feminino. Kaì, literalmente conjunção aproximativa "e", quando entre duas palavras ou frases equivalentes; mas quando isolada, como aqui, é advérbio e tem, além de outros, o sentido de "mesmo" (cfr. Bailly, "Diction. Grec-Français", in verbo, B, I, 4 e B, II, 1). O verbo lálô, primeira pessoa do presente do indicativo, "falo ou digo", com sentido continuativo: "acabo de dizer" ou "estou dizendo". O dativo humin, "a vós" ou "vos".
Então, consideramos a melhor tradução: "Quem és tu"? - "Acima de tudo, aquilo mesmo que vos estou dizendo", ou seja: EU SOU, ou YHWH. Daí dar perfeitamente o sentido a tradução de Maredsous: " Exatamente o que vos declaro". No grego dos LXX, a frase de EX
Passa depois a falar com um acento de ternura, afirmando que muita coisa tem ainda a dizer e a decidir a respeito deles. Mas uma só coisa interessa no momento; e é que enviado pelo Pai, tem a certeza absoluta de que no Pai está a Verdade e de que só essa Verdade Ele fala ao mundo, a este mundo negativista do Antissistema e o evangelista interrompe a palavra de Jesus, para anotar que eles "não perceberam".
Volta, então, o Mestre a confirmar o que disse de Si mesmo: eles terão a gnose do porque Ele é EU SOU, quando desenvolverem, fazendo-o crescer, (hypsôsête) o Filho do Homem. A frase é clara: tóte gnôsesthe hóti egô eimi; interpretamos o hóti como causal, não como integrante. Compreendido esse ponto em profundidade, por meio da evolução interna - não de informações externas de terceiros - se saberá que Jamais pode o EU SOU falar diferente do que o Pai ensina; e também porque nunca o deixa só: o Cristo faz apenas o que agrada ao Pai, pois é UM com Ele.
Também est’outra lição, quase incompreensível para a personagem terrena racional, traz profundos ensinamentos para o Espírito, que, embora mergulhado na carne, "tem fome e sede de ajustamento" com Divindade.
Desde o início, esta palestra só pode ser entendida num plano mais alto. Rigorosamente, a expressão portuguesa atual deveria ser: "vou retirar-me, e me procurareis e morrereis em vossa desorientação, pois para onde vou não podereis ir".
Realmente, a palavra hamartía exprime a "perda de rumo do navio", o errar ou pervagar sem orientação numa floresta (veja vol. 2 e acima).
O Cristo de Deus, que naquele momento se manifestava externamente, diante de todos, pois encontrara um veículo excelente para isso, na pessoa de Jesus de Nazaré, avisa que vai retirar-se da cena, para permanecer apenas imanente em cada coração. Ninguém queria aproveitar a oportunidade de crer Nele, de amá-Lo, de unir-se a Ele? Ao retirar-se, só seria encontrado oculto dentro do coração das criaturas e em vão seria procurado pela grande maioria ainda imatura para conseguir encontrá-Lo. Daí a conclusão: "Morrereis (ou desencarnareis) em muitas vidas, na vossa desorientação, porque, não podendo penetrar dentro do coração no mergulho interno, continuareis buscando desesperadamente as ilusões da matéria, das sensações das emoções, do intelecto: riquezas, conforto, prazeres e cultura livresca e religiosidade externa.
A incompreensão das massas é total e os ouvintes pensam em suicídio, coisa que o judaísmo não admitia, nem admite. Mas essa objeção provoca maiores ensinos e esclarecimentos mais úteis: é a palavra categórica e definitiva de que a personagem é "de baixo", plasmada com material dos planos inferiores do planeta: o astral, o etérico e o material, embora vivificados e sustentados pela Centelha Crística do Espírito que, esse, vem "de cima", para constituir a individualidade. Os materiais com que se formam os veículos pertencem ao mundo onde vivem as criaturas que deles se servem para plasmálos.
Então as personagens são, realmente, "deste mundo", embora as individualidades e a Centelha Crística não sejam deste mundo, mas de planos espirituais superiores.
E para reafirmar que quem falava era, de fato, o Cristo, dá a razão: "por isso vos disse que desencarnareis em vossa desorientação"; mas qual a causa? "porque se não crerdes que EU SOU, continuareis desorientados".
Aqui também a revelação é profunda. O Cristo não diz que "existe", isto é, que SISTIT EX, ou seja, que está estabelecido "de fora"; mas QUE É. O Cristo é a própria ESSÊNCIA (do verbo ESSE, "ser": ens, entis, particípio presente tardio, "o que é"). Portanto, aqueles que não perceberem, que não compreenderem, e não tiverem a fé convicta, a crença consciente dessa essência profunda dentro deles, desse Cristo Interno QUE É, esses morrerão continuamente em sua desorientação personalística: materiais, sensórias, emotivas e intelectuais, porque ainda não descobriram, apesar de procurarem, loucamente, que o único QUE É é o Cristo, já que tudo o mais apenas existe, mas NÃO É. Tudo o mais é ilusório, só o Cristo é ETERNO; tudo o mais é limitado, só o Cristo é INFINITO; tudo o mais é perecível, só o Cristo é A VIDA; tudo o mais são trevas, só o Cristo é LUZ; tudo o mais são mentiras, só o Cristo é a VERDADE.
Os ouvintes, alarmados com a afirmativa "EU SOU", característica do "seu Deus", apresentam uma pergunta direta: Quem és tu? Mas uma resposta limitaria filosoficamente o Cristo, pois exigiria uma definição, e toda definição é uma limitação. "Quem és tu"? Como poderia o infinito caber dentro do limitado espaço de uma definição? A própria palavra latina FINIS significa "limite" ou "fronteira"; portanto "de-fini-ção" equivale a "de-limit-ação". E como poderia o eterno ser trazido preso a um momento transitório? Daí não ter podido o Cristo dar de Si uma definição, além do que havia dito antes a título de uma comparação: EU SOU. Nada mais. E sua resposta confirma sua anterior asserção: "Sou exatamente o que vos estou dizendo".
Nós, seres humanos, personagens encarnadas, existimos exteriorizados na matéria. Mas essas personagens são apenas manifestações visíveis do Cristo Invisível ("não me vedes"), que constitui nossa essência íntima profunda.
Mas continua, esclarecedor e bondoso: "muito tenho que dizer-vos, muita coisa a decidir a vosso respeito", mas como fazé-lo agora, se sois ainda tão involuído, que só percebeis as personagens transitórias, julgando-as definitivas e reais, e só utilizais o intelecto discursivo, incapazes, ainda, de receber a luz de uma intuição mais ampla? "Se crerdes em mim e me seguirdes, tereis a luz em vós. E procura trazer serenidade àqueles espíritos endurecidos, com o testemunho: "Quem me enviou é verdadeiro, e só o que Dele ouvi falo ao mundo".
Contudo, eles não compreenderam que lhes falava do Pai, UNO com Ele, do logos divino; não entenderam que a Centelha se referia à Fonte que Lhe dera Vida; não penetraram o mistério da descida da LUZ ao mundo das trevas, do mergulho da VIDA nas sombras da morte, da auto-doação do Espírito ao plano da matéria.
E numa última tentativa de dar esperança, olha para o futuro em relação à Humanidade, futuro nosso que é presente para Ele que vive na eternidade, e promete: "quando desenvolverdes em vós mesmos o Filho do Homem, então conhecereis porque EU SOU e que nada faço de mim mesmo, mas falo como me ensinou o Pai". Terão entendido? Muitos não compreenderam e, só sabendo ver com a personagem manifestada na matéria, julgaram que falava na crucificação do corpo físico de Jesus sobre o Calvário... Daí terem traduzido: "quando tiverdes levantado o Filho do homem sobre a Cruz" ... Na verdade, o Cristo exprime outra coisa: quando conseguirdes erguer vosso pequeno eu ao estado de Filho do Homem, ou seja, quando tiverdes evoluído até "a unificada fidelidade, à gnose do filho de Deus" e crescido até o grau de "homem perfeito ou Filho do Homem, à dimensão da plena evolução do Cristo" (EF
Ensinamento sublime que desce ao cerne da Divindade em nós, revelando as operações da Trindade em Si e na Sua manifestação através das criaturas. Revelação. Revelação definitiva para quem tem olhos de ver, ouvidos de ouvir, mas sobretudo coração de entender.
"E muitos acreditaram Nele", arremata João. De todos aqueles discípulos chamados, muitos se convenceram da Verdade, e talvez tenham vivido espiritualmente o "encontro" maravilhoso com Aquele Cristo que ali se manifestava abertamente através de Jesus. Muitos. Mas não todos. Nem todos haviam alcançado o degrau evolutivo indispensável à compreensão, nem tinham atingido a sintonia necessária para que, dentro deles, ressoasse a mesma sintonia daquelas palavras de Amor.
O caminho da iniciação é longo é árduo: sete passos em cada plano, e sete planos (cfr. vol.
4) representam quarenta e nove etapas a vencer, cada uma das quais trazendo suas dificuldades inerentes.
Quantas vidas terrenas para galgar esses degraus altos e escorregadios! E quantas vidas ainda perdidas na busca das ilusões de tudo o que EXISTE, totalmente desorientados, longe de QUEM É! Mas, apesar da longa e lenta subida, todos atingirão o ápice, entrando conscientemente no "Reino dos Céus", com a Paz Crística no coração e a felicidade plena do Espírito, filho pródigo que regressa à Casa Paterna, após perder-se durante milênios, através das ilusões e dores do mergulho na matéria.