O discípulo amado soube dispor a ordem de sua narrativa de tal forma que logo após a revelação da teimosia dos "judeus" que NÃO QUERIAM 5ER, ele apresenta um fato (verdadeiro símbolo, que estudaremos a seguir) demonstrando a razão de ser de os judeus não crerem.
Certos hermeneutas acham que este fato não se seguiu ao tumulto no templo: "é inadmissível que Jesus se tenha mostrado à luz do dia imediatamente após a tentativa de assassinato a que escapara, antes que a efervescência da multidão inimiga se tivesse acalmado" (Pirot, o. c., vol. 10, página 389). É não conhecer a psicologia de um "líder", julgando-o pela craveira comum dos mortais medrosos. Ao contrário, entendemos que as palavras de João salientam precisamente a sequência imediata dos fatos. Jesu "se esconde e sai do templo" e, ao sair da cidade com seus discípulos pela porta de Siloé, "passando, vê o cego de nascença", e faz questão de curá-lo, mesmo sem ser solicitado para dar uma demonstração irrecusável das verdades que havia proclamado. Assim como se dissesse: "Não acreditam em minhas palavras? pois vejam os fatos".
Esse cego - sabemo-lo pelo desenrolar dos acontecimentos - era figura conhecida pela longa permanência naquela "porta de Siloé", pois aí o viam todos diariamente a esmolar e lhe conheciam a história.
Os próprios discípulos galileus, que só raramente iam a Jerusalém, também tinham ciência disso, e aproveitam a oportunidade para provocar uma explicação de teorias, cuja certeza não haviam adquirido.
Nem pensam na cura, que também a eles devia figurar-se "impossível". Mas os doutos explicavam que as enfermidades constituíam o resgate (castigo) de crimes cometido anteriormente. No entanto, as Escrituras manifestavam-se dúbias e confusas em sua interpretação literal.
Em Êxodo (20:5 e 34:7), em Números (Números
64) e no Eclesiástico (16:15).
A qual das duas opiniões ater-se ? Serão castigados os filhos pelos erros dos pais? Ou o resgate dos erros é pedido exclusivamente ao que errou? Ali estava um caso típico, um cego de nascenças: "Quem errou, para que este nascesse cego: ele mesmo ou seus pais"?
Lógico que na segunda hipótese apresentada, de estar cego por causa dos erros dos pais, a teoria do resgate dos filhos por culpas dos pais seria confirmada. Mas na primeira hipótese de ele mesmo haver errado, se confirmaria a teoria da responsabilidade pessoal, segundo o ensinamento das vidas terrenas múltiplas (reencarnação), já que o homem nascera cego; logo, só poderia ter cometido o erro em vida anterior. A segurança da pergunta é sinal evidente de que os discípulos não colocaram a menor dúvida a respeito da lei comprovada da reencarnação. E o Mestre não os corrige: ao contrário, confirma-lhes a certeza, quando responde: "ele mesmo não errou". Logo, viveu antes, sim mas a cegueira atual não é o resgate de erros seus de vidas anteriores, não é cármica. Mas também não é o resgate de culpa dos pais.
A ideia de que todo e qualquer sofrimento era "castigo" estava generalizada nos povos antigos, e Plantão mesmo cita a comparação órfica de que o corpo "soma" é uma sepultura ou cárcere (sêma) ou isolamento (phrousão) que a alma recebe como punição de seus erros anteriores, após ficar "errando cá e lá no espaço", quando não agiu bem durante a vida (cfr. Filolau, fragm. 15 D, e Plantão, Crátilo, 40 a; Górgias, 493 a; e Fedon, 62 b).
Diante da pergunta dos discípulos, o Mestre explica que não é assim baseando-se num caso concreto, que tem diante de si. A frase citada por João, embora resumida e esquemática, deixa clara a lição para quem já tenha compreendido a mecânica evolutiva. Afirma Jesus que não houve erro, nem dele próprio em vida anterior, nem de seus pais, ou seja, que a cegueira não é cármica, mas simplesmente uma experimentação ou provação (pathós) que serve de acicate para provocar avanço mais rápido daquela criatura, verdadeiro "aguilhão evolutivo".
O ensino é límpido: nasceu assim cego "para que nele se manifestasse a ação (érga) de Deus", ou seja, para que se faça sentir o impulso divino, que o constrange a evoluir. Não se trata, portanto, de resgate cármico, mas de provação, tanto que veremos como o ex-cego reagiu corajosa e ousadamente contra as autoridades, com o destemor próprio da criatura evoluída, que não se submete a mentiras e injustiças.
A interpretação corrente, de que "nasceu cego" só para que Jesus pudesse operar um "milagre", é de inconcebível fragilidade e irracional. Tantos meios haveria de realizar prodígios, que seria absurdo e monstruoso ter que sacrificar durante anos um filho de Deus, na cegueira, só para ser curado sem alarde, como o foi a posteriori, tendo sido posto em dúvida o fato, porque não foi público. Essa suposição de um Deus que não sabe fazer as coisas certas fere a racionalidade equilibrada de quem tenha um pouco de bom-senso. Qual o pai que deixaria um filho preso durante anos num cubículo sem luz, unicamente para que mais tarde viesse outro filho seu e mostrasse à humanidade que tinha a chave para abrir o cubículo e trazê-lo à luz? Por que supor sempre uma Divindade tão inferior as suas próprias criaturas?
Mas prossigamos na análise do texto.
No vers. 4, preferimos: "Nós devemos executar" (aleph, B, D, L, T, W, Z, lambda, psi, papiros
Nesse versículo aprendemos que a ação (érba) divina precisa manifestar-se e realizar-se através dos próprios homens, e isso só pode fazer-se "enquanto é dia", ou seja, quando a luz do Cristo nos possibilita a visão dos acontecimentos; se sobrevierem as trevas das perseguições, e entenebrecimento da Mente, a noite da alma que só vê a matéria, não se pode mais agir (as ações divinas).
O vers. 5 é iniciado com hótan, composto de hóte, "quando" e partícula an, que exprime eventualidade e repetição, devendo, então traduzir-se hótan por "cada vez que" ou "todas as vezes que" (latim: totiens) (Cfr. Liddell and Scott. "Greek-Ellglish Lexicon, 1086, ad verbum). Daí a tradução que demos, divergente das comuns: "cada vez que (todas as vezes, que) eu esteja no mundo, sou a luz do mundo".
Isso faz-nos perceber, irrecusavelmente, que aquela vez, narrada nos Evangelhos, não foi a única vez que Jesus esteve encarnado neste planeta.
Jesus utiliza-se novamente da saliva (cfr. vol. 4), com que faz lama, misturando-a à terra do chão, e com ela bezunta os olhos natimortos do cego: e envia-o a lavar-se na piscina de Siloé.
O nome hebraico tradicional é Siloáh: os massoretas marcaram a pronúncia Seláh; o grego transcreveu Siloám e significa "envio" (de águas). Era aplicado à fonte natural intermitente, única existente dentro da cidade de Jerusalém (cfr. Flávio Josefo, Bell. JD
30) que desviou as águas do rio Gihon, cavando subterraneamente na rocha um canal retilíneo de 550 m de extensão por baixo da cidade, até fazê-lo desembocar a oeste de Jerusalém, onde se construíra a "piscina do rei" (EDr. 3:15); mas o nome Siloé também se aplicou a essa piscina balneária (kolybêthra, vol. 3). À época de Jesus, tinha 22 m de norte a sul, 23 m de leste a oeste, e 5. 5 m de profundidade.
"Ain Sitti-Mariam (Fonte de Maria).
O nome Siloé estendera-se à porta da cidade e à região, e parece claro que foi nessa porta que Jesus viu o cego mandando-o à piscina, que lhe devia ser bem conhecida e ficava próxima ao local em que se achava. Tratando-se de uma piscina balneária, nada impedia que o cego cumprisse a determinação de Jesus e mergulhasse. "Lava-te", disse Jesus, e não apenas "lava teus olhos". E após mergulhar, verificou com assombro que conquistara a visão.
O regozijo e o espanto fizeram que a nova se espalhasse. Os vizinhos - deve ter corrido para casa a fim de participara boa-nova aos seus - não queriam acreditar no que viam. É ele, não é ele, levantava-se a discussão, tão estranha era a ocorrência. Foram ao cego, amontoados à porta de sua casa: "és tu"? - "Sou eu"! - "É ele"! Diante do fato incontestável, convenceram-se.
Como foi? O cego narra o ocorrido em palavras simples, embora se sinta, na sequência singela, um toque de emoção: lama nos olhos... vai lavar-te... fui... lavei-me... vi! O choque dos vizinhos amigos e parentes foi tão violento pelo inesperado, que agarraram o homem e deliberaram levá-lo aos chefes da religião, aos fariseus todo-poderosos. Nem quiseram esperar pelo dia seguinte. Foram no próprio sábado em que se deu o fenômeno inexplicável e nunca ouvido.
E subiram todos eles em bloco as escadarias do templo, levando de roldão o ex-cego, que não cabia em si de alegria por ver as maravilhas do sol a bailar sobre o outro brilhante e sobre o mármore branco do monumento erguido a YHWH. Queriam levar consigo, também, o herói, o curador, mas onde estaria esse Jesus? A resposta foi desconcertante: "Não sei"!
Os cépticos fariseus duvidaram. Começou o inquérito prudente, iniciado pela pergunta como foi. Nova repetição do beneficiado. Surge, então. a questão do quando, e a resposta de que fora naquele mesmo sábado fez explodir incontroláveis os preconceitos humanos, procurando abafar o maravilhoso do ato: esse homem não é de Deus, pois se o fora, teria respeitado o Sábado, obedecendo aos fariseus e a suas exigências, como, no entender deles, o próprio Deus o fazia. Para os religiosos desse tipo de religiões organizadas Deus não pode sair da linha de conduta que eles traçam: está sujeito a eles, como pequena e dútil marionete que eles manobram à vontade.
Mas entre eles, havia alguns não fanatizados, que chegaram a aventar a hipótese arriscada, de que não seria possível a uma pessoa que errasse fora dos caminhos de Deus, a realização de uma cura espetacular: era um cego de nascença. A discussão afervorou-se entre eles, sob os olhares atônitos do excego.
Resolveram pedir a opinião dele. E ele foi franco e intimorato: é um profeta.
Desconfiaram, então, os julgadores mais severos, que se tratava de uma farsa: naturalmente estava tudo combinado. Ele se dizia cego de nascença e curado, mas não era verdade. Onde estavam seus pais? Estes o reconheceriam, e não teriam coragem de mentir... Talvez saindo do meio da pequena multidão que o acompanhara, apresentaram-se logo. Sim. Aquele era o filho deles não havia dúvida, e realmente nascera cego. Que acontecera, então? Bem, perguntem a ele, tem idade suficiente... Que responda. Acovardaram-se, com medo de serem excomungados. Era comum, àquela época, (como ainda hoje, em muitas corporações religiosas) em três graus: a excomunhão vitalícia (herem) que chegava à confiscação dos bens; a expulsão da sinagoga por trinta dias (niddui) que obrigava ao luto e a deixar crescer barca e cabelos: e a separação por uma semana (nezipha), menos grave.
O texto original grego diz homologêsêi christón, literalmente, "falasse igual ao Cristo", ou "fosse igual ao Cristo", (de homo = igual e logêô = falo); algumas traduções vulgares seguem o códice D, único que dá "confessasse ser ele o Cristo"; outras trazem: "ser Jesus o Cristo". Mas não é isso o que diz o original. Exprime uma ideia de "iniciados", que os profanos não conheciam e por isso não podiam compreender: se alguém falasse ou fosse igual, se igualasse, ou mesmo, em última instância "confirmasse", no sentido de "aceitasse" ou "sintonizasse" com o Cristo.
Passam as autoridades, então, a sugestionar o ex-cego: se a cura foi feita num sábado. indiscutivelmente "esse homem é um errado" (1), está "fora do caminho certo. Mas o benefício não se enreda na armadilha": bom ou mau, não sei: sei que era cego e agora vejo! É o fato que derruba qualquer argumento teórico, filosófico ou teológico.
(1) Evitamos, na tradução, os termos que variaram no semântico, o fim de não dar ideias errôneas e anacrônicas do que foi dito. Assim, hamartía é o "erro" e Pramartolos, o errado, o que perdeu o caminho.
Não dizemos "pecado", nem "pecador", pois estas palavras assumiram o significado específico de "ofensa a Deus", como se a Divindade fosse uma criatura mutável que pudesse ofender-se, zangarse com os homens, e depois, perdoasse, quando estes se arrependessem. No sentido iniciático, hamartolós é o "profano", o "que está ainda no caminho errado".
Tentam, agora, pegá-lo em contradição: "como foi mesmo"? O homem já estava cansado e apela para a ironia: contar outra vez? Já disse como foi. Ou quererão tornar-se seus discípulos? A ironia fere como uma chicotada e faltos de argumentos, recorrem à injúria. Ainda se envaidecem de ser discípulos de Moisés, mas "esse" de onde vem? O carpinteiro não possuía as credenciais, os títulos, a submissão a eles. Valores e fatos de nada adiantavam, sem que tivessem "reconhecido a firma". A ironia continua, com laivos de sarcasmo: "não sabeis donde é, coisa estranha, mas ele me abriu os olhos" ... O descontrole chega ao máximo: "nasceste todo em pecados, e pretendes ensinar-nos"? O que confirma oficialmente a tese de que a doença, sobretudo a de nascença, é resgate cármico; e indiretamente confirma, sem dúvida, o conhecimento da lei da reencarnação por parte do Sinédrio. E acabam expulsando-o do templo. Tratava-se de uma testemunha incômoda cuja presença atestava a impotência deles sobre aquele carpinteiro e os deixava perplexos e sem saída.
A expressão "Filho do Homem aparece em pap. 66 e 75, aleph, B, D, W, versões sahídica, achimimiana, faiúmica, boaírica (mss) e siríaca sinaítica; copta; é mais segura que "Filho de Deus", evidente emenda posterior de A, K, L, X, delta, theta, psi, omega, alguns minúsculos e das versões latinas.
Diante do novo iluminado, declara Jesus ter vindo para um arbitramento (krima) a fim de que os cegos vejam e os videntes se tornem cegos. É a afirmação clara de que o fato deve ser interpretado como alegoria ou símbolo.
Alguns fariseus que se achavam presentes quiseram saber imprudentemente (a verdade ofusca e cega) se acaso eles (fariseus) eram cegos. A resposta de Jesus é sábia: se fossem realmente cegos, e nada conhecessem, a respeito da verdade, não haveria erro da parte deles; mas eles mesmos se diziam sábios, competentes, que viam, e nisso consistia a erro que permanecia neles.
A explicação teórica da lição anterior deve ter sido completa, levando a verdadeira LUZ a alguns dos Espíritos de discípulos ali presentes, adiantando-os na senda. Mas talvez em alguns deles tenha havido maior dificuldade de compreensão. Como agir diante do mundo, depois de iluminados? O ideal não seria revelar tudo isso aos chefes religiosos? Que maravilha se as maiores autoridades das religiões conseguissem VER o que ocorria àqueles que recebiam a iluminação interior! Como progrediria a humanidade se os dirigentes da religião oficial comprovassem a Realidade do Espírito! A humanidade poderia rapidamente modificar-se. Eles mesmos abandonariam o egoísmo ambicioso, para viverem a doação de si mesmos aos desamparados. Perceberiam a vaidade e falácia das coisas da terra e subiriam aos píncaros da espiritualidade, seriam "iluminados".
O Mestre ouviu, embaraçado por não querer desiludi-los, a explosão da esperança em seus corações.
E resolveu dar-lhes um exemplo vivo. Nada melhor que um cego de nascença, para servir à alegoria, demonstrando que nem sequer a iluminação física seria reconhecida, quanto mais a espiritual que se oculta no fundo d’alma.
A demonstração prática foi completa, revelando a dificuldade de uma criatura obter a iluminação interior e o Encontro Sublime, se para isso não está preparada evolutivamente.
Procuremos analisar cada linha e cada entrelinha da narrativa de João e do fato que foi realizado bem a propósito, como exemplificação do que é "ser a luz do mundo". Observamos anteriormente (cfr. vol.
3) que o Mestre agia primeiro para explicar depois. Aqui a ordem foi invertida.
O evangelista, bem imbuído do ensino aprendido em sua vivência, soube ocultar em suas palavras, com rara sabedoria, tudo o que foi dito aos discípulos de boca a ouvido, e que não deveria ser divulgado naquele momento da História. Só muito mais tarde poderia ser publicado, quando a humanidade fosse abrindo os olhos de ver, os ouvidos e ouvir e sobretudo o coração de entender.
A lição parece ter sido provocada pelos próprios discípulos, ávidos de conhecimento mais profundo do ensino místico do Cristo.
Já vimos que a primeira parte se refere às causas das doenças. Nem todas constituem resgates cármicos de ações de vidas anteriores: algumas há que são "aguilhão evolutivo". Os termos registrados pelo narrador resumem a lição em algumas linhas, onde só o essencial é dado a lume, para que os profanos não penetrassem o significado total, mais tarde, viria a inspiração para que se revelassem um pouco mais do teor da lição. Mas a palavra érga, "ação", levanta a pista. Estando Deus dentro de todos e de tudo, a ação divina se manifesta de dentro para fora.
No entanto, a este segue-se logo outro ensino de capital importância. Fala o Cristo Interno a Seus discípulos: "Nós devemos executar as ações de Quem Me enviou". A Centelha crística é enviada ou projetada pelo Pai (SOM) e se reveste de forma e veículo físicos para, de dentro, fazer evoluir o Espírito que dela se individou. O processo é conhecido, não precisamos repeti-lo. No homem, a Centelha continua seu trabalho de impulsionar à evolução. Mas o grosso da humanidade não alcançou ainda o contato e a comunicação direta com a Centelha, pois nem sequer atingiu o conhecimento intelectual desse fato. A Seus discípulos, já iluminados, o Cristo afirma que a verdadeira evolução é proveniente dessa ação divina interna, e que ela só pode efetivar-se "enquanto é dia", pois vem a noite quando ninguém pode agir. Parece enigmático o resumo que João faz do ensino.
Mas, sentindo isso, ele apressou-se a acilitar a explicação: "cada vez que eu esteja no mundo, sou a luz da mundo", isto é, todas as vezes que me manifesto no coração da criatura, ilumino-a, tornando-a dia (LUZ) para que ela tenha claro seu caminho.
Segundo o Prof. José Oiticica o termo "mundo", exprime os veículos físicos. Logo conforme escreve ("Os Sete eu sou", 1958, pág. 7), o significado da frase é: "O Cristo encerrado nos veículos físicos da manifestação é a luz desses veículos".
Mas enquanto o Cristo se mantém "adormecido no fundo do barco" (MT
Passa então ao ensino prático, de ação física, reveladora do processo espiritual. Começa mostrando que o Cristo Cósmico lança de Si uma Centelha ("cospe no chão",) a qual se mistura com os elementos materiais (terra), formando um corpo físico (lama) cuja VIDA é a Centelha (cuspo). Estando esta oculta num corpo, enquanto assim se mantiver, a criatura é cega de nascença; mas quando essa criatura receber o impacto no intelecto (olhos) poderá reaver a visão. Para isso, é mister cristificar (o verbo grego usado aqui é epichríô, composto de chríô, ungir, cujo particípio passado é christós) o cérebro (visão). Maravilhosa lição contida numa pequena palavra! Por isso, unge (cristifica) os olhos do cego de nascença (de quem se acha na ignorância completa) e manda-o "lavar-se na piscina de Siloé", ou seja, manda que mergulhe (batismo) nas águas (na interpretação alegórica da doutrina) da Enviado (isto é, do Cristo, o Enviado do Pai).
Haverá lição mais clara e explícita para indicar-nos o caminho certo do Encontro com o Cristo Interno?
O cego é dito "de nascença" porque só nascera como ser humano "de baixo", e jamais conhecera a luz do alto (José de Oiticica, o. c., pág. G). Podemos, também, interpretar como um ensino o cuspir na terra: só através da encarnação, do mergulho da essência crítica na matéria e especialmente depois que se lavou, mergulhando nos ensinos alegóricos (não os literais) do Enviado do Pai, é que o Espírito pode evoluir.
Quando isso ocorre com uma criatura, a modificação é tão radical e profunda, que todos os "vizinhos" (sejam células, órgãos, veículos físicos, ou pessoas externas) chegam a duvidar se trate daquele mesmo que estavam habituado, a ver triste, sorumbático, miserável, a mendigar nas esquinas um pouco de felicidade, como tantos que vemos a correr ansiosos pelas instituições espiritualistas, mendigando luz sem obtê-la, e permanecendo cegos, desorientados, angustiados. Mas, cuidado com os equívocos: muitos há que experimentam arrebatamentos, êxtases, iluminações ou "samádhis" e acreditam que isso constitua a União definitiva. São passos decisivos para alcançá-la, mas ainda não são o final ansiado. Aqui, neste capítulo, trata-se exatamente da obtenção da União por meio da iluminação.
Verificado o resultado, vem o desejo de todos de saber como foi isso conseguido. A resposta do recémiluminado esquematiza o processo com extrema simplicidade: o homem chamado Jesus (a individualidade) fez lama (misturou a Centelha divina com a matéria, plasmou o corpo físico), ungiu-ma sobre os olhos (cristificou-me a capacidade intelectiva) e ordenou-me que me lavasse (mergulhasse) nas águas (na interpretação alegórica da doutrina) de Siloé (do Enviado do Pai, o Cristo Interno); fui (obedeci: faça-se a tua vontade), lavei-me (mergulhei no coração) e vi (encontrei-me com a Centelha divina). A concisão da frase, em sua singeleza, transmite esperançosa mensagem a todos os que lêem o sentido, e não apenas as palavras; a todos os que "sentem", e não apenas vêem as letras impressas.
Contínua o desejo de saber mais; "Onde está ele"? A resposta só podia ser a que foi dada: "Não sei".
Como saber ONDE se encontra o Infinito, ONDE se situa o Eterno, ONDE se aloja o Ilimitado? Impossível dizê-lo, porque impossível sabê-lo: está em todo lugar e em nenhum lugar, já que não se localiza no espaço: é inespacial; está sempre presente, mas sempre ausente, pois não se manifesta no tempo: é eterno e atemporal; é o grande nada; é o Absoluto em que mergulha o relativo que não pode defini-Lo nem percebê-Lo; é invisível aos nossos olhos, insensível a nossos sentidos, pois vibra em outra dimensão, só perceptível à superconsciência do Eu profundo, quando este desperta para a Realidade.
Vem a seguir uma lição para aqueles que encontram na escola da Iniciação, na "Assembleia do Caminho": a exemplificação do que sempre ocorrerá com eles em relação aos profanos. Ao descobrirem um Iniciado verdadeiro (não os que se dizem tais, mas os que realmente o são, e nunca o dizem a quem quer que seja) eles querem forçá-lo a limitar-se numa religião, a restringir-se numa seita, a filiarse a um partido, cerceando sua liberdade sob o jugo dos poderosos da Terra. E de modo geral o círculo escolhido é dos piores e mais farisaicos e anáticos que quererão obrigá-lo ao obedecer a todos os preconceitos e conveniências humanas, por mais ilógicas e absurdas.
O processo utilizado é descrito em pormenores, finalizando com a excomunhão, inevitável para que as organizações religiosas oficiais mantenham sua "autoridade" e supremacia sobre os profanos; a presença de um iluminado entre eles viria ofuscá-los diante do público, obumbrando-lhes a ignorância travestida de sabedoria. Corpo estranho que pertubaria os interesses materiais ardentemente buscados e que jamais são suficientes para aplacar-lhes a ambição.
Mas a criatura iluminada procura demonstrar com fatos, mesmo perante assembleias hostis, a verdade que experimentou, apresentando todos os testemunhos pedidos, embora, firme na sua convicção e na experiência vivida (fui cego e agora vejo) não se deixe abater nem intimidar. Já os profanos amedrontamse com as ameaças; os "judeus" (religiosos ortodoxos) podem excomungá-los.
Observemos que o verbo homologeô significa literalmente "falar igual", donde "ser igual", "ser conforme"," confirmar", "Dele se derivam o nosso "homologar". Vemos nesse verbo o sinônimo mais aproximado do nosso atual verbo "sintonizar", ou seja, vibrar na mesma tônica, expressões que àquela época não podiam ser proferidas, por serem desconhecidas as ondas elétricas e hertzianas(1).
(1) Confessamos que essa interpretação pode causar estranheza a alguns leitores, porque nós mesmos a estranhamos. Mas temos sempre procurado ser sinceros e honestos, escrevendo com toda fidelidade as ideias que chegam, algumas tão inesperadamente (como esta) que chegamos a ficar atônitos. Mas depois de recebê-la ficamos inteiramente de acordo com ela (homologêkamen), sentimo-la, houve perfeita sintonia mental. Assim também a condenação dos profanos virá fatalmente, traduzida em lutas contínuas e perseguições contra todos os que conseguirem SINTONIZAR O CRISTO. Não fosse tão nova e chocante a ideia, inclusive constituindo o termo forte anacronismo, e o teríamos colocado na própria tradução do texto evangélico, porque, a nosso ver, "sintonizar" é o verbo moderno que traduz mais perfeitamente homologéo.
Uma lição que precisa ser bem aproveitada é o final do capítulo.
Inicialmente observemos que houve uma iluminação, resultante da ação crística (atuação da "graça") e do mergulho (atuação do "livre arbítrio"). A visão lhe chegou nova (não houve "recuperação", pois era cego de nascença). Mas o Encontro não havia sido atingido, apesar da "cristificação" que lhe foi proporcionada antes do mergulho. Compreendemos, então, que essa "cristificação" foi o apelo crístico interno da "graça", num primeiro chamamento.
Como, porém, a criatura obedeceu - é o caso de dizer - cegamente, e teve a coragem moral de arrostar as autoridades sem esmorecer (inclusive o próprio intelecto perquiridor) e recebeu com humildade o castigo do mundo que o expulsou do templo externo das personalidades, aí então, e só então, o Cristo se manifesta a ele. Pergunta-lhe se crê, se pretende "ser fiel", ou seja, manter a fidelidade ao Filho do Homem (ou Filho de Deus). E a boa-vontade é total: "Quem é ele para que lhe possa ser fiel"?
O Cristo se revela (tira o véu = apokálypsai) e ele o VÊ em todo o Seu esplendor divino. E aniquilase diante dele ("prostra-se"). Lógico que tudo isso se passa no íntimo da criatura. Expulsa do templo exterior da personagem, houve outro mergulho no templo interno do coração, e aí, de fato, se dá o Encontro Sublime. Coroamento celestial de uma experiência fascinante que arrebata e transforma uma vida.
O Cristo, cada vez que se revela a este mundo - a uma criatura - produz inesquecível efeito. Mas esse efeito possui duas acetas antagônicas: os que não vêem, os que são cegos, tornam-se videntes, ilumi nados pelo Cristo. Mas aqueles que julgam ver, com a fraca luminosidade do intelecto, vaidosa e oca ("a sabedoria do mundo é estultícia diante de Deus", 1. ª Cor. 3:
19) esses tornam-se cegos. Em outras palavras, os que são humildes e, ainda que sábios, reconhecem sua ignorância e anseiam pelo Espírito, são iluminados pela luz interior (agem enquanto é dia) e passam a ver tudo pelo prisma da verdadeira Sabedoria. Mas aqueles que só vêem as coisas materiais e por isso se julgam videntes, esses diante do Espírito se tornam cegos, e passam a não perceber mais nada. A explicação dada aos fariseus confirma esse ponto de vista. E por isso "permanecem no erro", isto é, continuam a vaguear por tempos intermináveis nas sendas ilusórias do mundo físico da personagem, presos à roda das encarnações.