Sabedoria do Evangelho - Volume 5

CAPÍTULO 34

OS CONVIDADOS



LC 14:12-14


12. Dizia, também, ao que o convidara: "Cada vez que fazes um almoço ou jantar, não chames teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem vizinhos ricos, não suceda que eles te retribuam o convite e (isso) se torne retribuição para ti.

13. Mas cada vez que fazes recepção, convida mendigos, mutilados, coxos, cegos,

14. e feliz serás, porque não possam retribuir-te, pois serás retribuído na ressurreição dos justos".



A outra lição é muito mais dura, tanto que os exegetas procuram todos os meios para destruir-lhe a pureza original. A magnífica tradução dos monges de Maredsous manda "acrescentar" (!) no versículo 12, a palavra somente, isto é: "não convides somente teus amigos" ... Monsenhor Pirot (o. c. vol. 10, pág.
182) escreve: "o que diz, não é um conselho que deva ser seguido pessoalmente e à letra, mas uma comparação". E assim por diante.

Observamos que quando não interessa aos comentadores o ensino evangélico - talvez porque não possam ou não queiram compreendê-lo e praticá-lo - procuram de todos os modos torcer o original à sua maneira de pensar. Jesus só pode ensinar o que esteja de acordo com seu nível evolutivo. Negam o que supere esse gabarito. Mas o que devemos fazer é dizer exatamente o que aparece nos Evangelhos, e humildemente reconhecer que ainda não nos achamos suficientemente evoluídos para praticá-lo, por atraso nosso. Tenhamos a hombridade e a humildade de reconhecer nossas deficiências.

Imaginemos um aniversário de nosso filho, para o qual convidamos em geral os primos, parentes e amigos. Deveríamos, entretanto, convidar crianças pobres, aleijadas, apanhadas na rua ou nas favelas, ou de famílias sem fortuna. Quem tem a coragem de fazer isso?

Imaginemos um almoço de comemoração festiva em nossa residência. Convidar a quem? Aos pobres e deserdados, mendigos e cegos, aleijados e favelados. São sujos? Que melhor comemoração que darlhes de presente, por ocasião dessa data, um enxoval novo a cada um, e trazer alegria à vida miserável em que vivem? Mas quem tem coragem de agir assim?

Nós, que escrevemos, ainda não a temos. E no entanto essa é a ordem: clara, nítida, sem subterfúgios possíveis. E a felicidade virá, íntima e incalculável, não comparável a qualquer alegria terrena.

A frase "na ressurreição dos justos" pede algum raciocínio. Diz o grego: en têi anastásei tôn dikaíôn.

Ora, anástasis significa literalmente "o levantar-se", isto é, o "ficar em pé" (stasis) em cima (aná).


Portanto, o sentido pode ser duplo:

1. º - quando o espirito se levantar, com seu corpo astral, depois que o fisico-denso se desagregou na morte, a criatura terá a sintonia apta a sustentá-lo permanentemente no mundo astral entre os justos;

2. º - quando o espírito se levantar, com novo corpo físico-denso, em nova encarnação, a criatura terá a retribuição de um bom carma, como ocorre com os justos.

Ambas as interpretações são legítimas, dependendo do sentimento de cada um, segundo as palavras do texto original. E como sabemos que as Escrituras, em suas expressões, manifestam vários sentidos, podemos escolher o que preferirmos, inclusive concomitantemente os dois.

Penetrando mais em profundidade, além desses sentidos, podemos entrever aqui uma ordem de aplicar na prática os ensinos dados em outros locais: desapego das ligações de sangue e das riquezas, e coração aberto para receber todos os sofredores do corpo, da alma e do espírito.

Ordem de realizar tudo na vida, sem cogitar de recompensa nem de retribuição. Servir desinteressadamente.

Dar indistintamente. Pois só essa ação que não se prende aos frutos pode trazer real libertação do espírito, das amarras que o retém em baixo, na desagradável convivência com a massa de involuídos do pólo negativo do Antissistema.

A ação desinteressada garantirá aos que assim agem, a retribuição automática de uma elevação evolutiva, para atingir o nível dos " justos" (cfr. vol. 3 e vol. 4). Trata-se de uma terceira interpretação da frase: anástasis tôn dikaíôn: compreendemos, aqui, então, o genitivo como subjetivo, e não como objetivo.

Se para atingir o nível dos "justos" é necessária essa renúncia total aos frutos, que não será preciso SER, para alcançar o nível de "discípulos"? E como podemos ter a pretensão de dizer-nos "discípulos de Jesus", se ainda não VIVEMOS os ensinamentos dados?