A interpretação literal deste trecho, dado pelas igrejas ortodoxas, não satisfaz espiritualmente: imaginam ser a volta do mesmo Jesus, o Cristo, de forma espetacular e formidanda, imenso, abarcando os céus, para o "juízo final". É a denominada parusia. O infantilismo dessa concepção pode vicejar no analfabetismo generalizado da idade média. Hoje cai no ridículo do absurdo.
Mas há indagações várias que fazer: a) Que significa o "dia" do Filho do Homem? b) Por que ansiaria a criatura por ver "um" desses dias, sem que o pudesse conseguir? c) Por que haveria uma falsa localização aliciadora dos crentes? d) Por que e como seria o aparecimento semelhante ao do relâmpago? e) De que forma se assemelharia, ao mesmo tempo, a uma inundação de água e a um incêndio vulcânico de fogo e enxofre? f) Pelas palavras parece tratar-se de fenômeno próximo a realizar-se. Mas por que teria o Filho do Homem de experimentar dores (sofrer) antes de aparecer como um relâmpago? Se a "paixão" de Jesus se deu dentro de alguns meses a partir dessas palavras, até agora, após dois mil anos, nada apareceu nos céus com essas características. Teria Jesus se enganado?
Anotemos a recomendação de não "ir atrás" (apelthête) e de não "perseguir" ou "procurar" (diôzête) essa imaginação enganadora de um Filho do Homem hipotético: a vinda será espontânea (cfr. MT
Vêm, então, as comparações: a) com Noé, no dilúvio (tecnicamente designado como cataclismo (kataclismós) como no Gênesis
b) com Lot, na "chuva de fogo e enxofre do céu", onde também são citadas seis atitudes humanas materiais dos homens: comer, beber, comprar, vender, plantar e edificar.
Notemos que a expressão é a mesma que se repete: nos dias do Filho do Homem, nos dias de Noé, nos dias de Lot; usada também no singular: o dia do Filho do Homem, no dia em que Noé entrou na arca, no dia em que Lot saiu de Sodoma, e no dia em que o Filho do Homem se manifestar.
A interpretação racional tem que ser procurada através do significado simbólico das palavras, coisa que os próprios fatos citados do Antigo Testamento vêm esclarecer.
Analisemo-los, pois, em primeiro lugar.
Mas, ao contrário, busca na quietude solitária da meditação um aprendizado mais profundo. Com efeito "aos seiscentos anos" (o SEIS exprime o penúltimo passo, cfr. vol.
4) Noé consegue sobrenadar acima do populacho e permanecer a salvo em cima das águas, isto é, penetra o sentido alegórico dos acontecimentos e dos ensinos (cfr. vol 4). E isso ocorre depois que mergulhou "na arca" de seu coração, embora ainda acompanhado de todos os "animais" de seus veículos físicos (células, etc.) .
Ora, em todo esse fato, houve realmente um "dia", ou seja, uma LUZ, em oposição às trevas da noite interior; e não é fora de propósito o que se diz: na LUZ (no "dia") em que Noé entrou na arca, ao perceber o sentido alegórico do ensino, enquanto a multidão humana permanecia no puro animalismo, perdendo-se todos, sem que se dessem conta do que se passava com aquele mais elevado discípulo, que foi até mesmo ridiculizado como fantasista, alucinado e louco.
Semelhantemente, no "dia" em que Lot saiu de Sodoma (que significa "aridez") quando a humanidade algo mais esclarecida já se preocupava com problemas mais intelectuais: comprar, vender, plantar e edificar - houve uma LUZ que se fez em seus interior, e ele saiu de Sodoma, ou seja se desligou dos interesses materiais, coisa que nem sua própria esposa compreendeu, e por isso não pó de acompanhálo, transformando-se em "estátua de sal" (matéria pura).
Em ambos os casos, a massa humana atrasada recebeu os resultados funestos de sua permanência teimosa nos planos mais baixos e a perda dos corpos animalizados foi generalizada, para que outros veículos mais adiantados lhes fossem construídos: no primeiro caso, a destruição foi pela água, no segundo, pelo fogo.
Observando-se sob esse prisma, tornam-se claras as palavras referentes ao Filho do Homem.
Já sabemos o que significava a expressão (cfr. vol. 1): o ser que superou a evolução no reino hominal e passou para o grau seguinte. Essa transição é dada pela permanência do mergulho no Cristo Interno, que é o "portador da Luz" (Lúcifer) definitiva do despertamento total, em plano mais elevado da consciência.
Tudo isso já devia ser perfeitamente sabido pelos "discípulos" da Assembleia do Caminho. E foi a eles que o Mestre falou. Logicamente o evangelista anotou a lição sob o véu do mistério, de forma a não ser percebida pelos profanos, como não o foi até hoje.
Então, foi dito: "chegará a época em que ansiareis ver um dos dias do Filho do Homem e não vereis".
Quer dizer: ao atingirdes certa evolução espiritual e desejardes penetrar na Luz e alcançar o grau de Filho do Homem, nem que seja momentaneamente (um dos dias)" não o conseguireis dessa forma, por provocação pessoal.
Ocorre que, quando o aspirante ou mesmo o discípulo estão nessa busca ansiosa, lançam mão de todos os recursos, sobretudo na ilusão de que vão encontrar o caminho iniciático FORA deles mesmos.
Aparecem, então, numerosos os que se intitulam "mestres", pretendendo agrupar em torno de sua vaiSABEDORIA DO EVANGELHO dade as almas sequiosas de aperfeiçoamento. E muitas delas, que desconhecem ou não compreendem o Evangelho, seguem quais carneiros mansos para o matadouro espiritual, e ingressam nas confrarias, fraternidades, ordens ou grupos, nos quais pontificam esses "mestres" autonomeados. E assim retardam cada vez mais o "seu dia". Mas, como nada ocorre por acaso, essas demoras são úteis ou, talvez até, necessárias, para que haja maior amadurecimento espiritual antes do "encontro". Enquanto vão cá e lá, em busca de um mestre externo, com endereço errado do Cristo, estão acabando de fazer a própria catarse e evoluindo um pouco mais. Aqueles que, realmente estão "no ponto", esses recusam filiar-se a grupos: voltam-se para dentro de si mesmos, e lá encontram o caminho que buscavam.
Como reconhecer as agremiações certas, aonde ingressar para estudos, sem o risco de perder-se num desvio? São aquelas onde não há mestres, já que o único Mestre é o Cristo.
O Cristo (Filho do Homem) aconselha, pois, categoricamente, que "não vamos atrás deles nem os procuremos", e dá a razão: "como, relampejando, o relâmpago fulgura de um horizonte a outro horizonte, assim será o Filho do Homem no dia dele". Traduzindo o pensamento: da mesma forma que o relâmpago ilumina repentina e inesperadamente o céu todo, assim se dá o aparecimento do Filho do Homem no coração da criatura que amadureceu espiritualmente (1).
(1) A expressão "no dia dele" é omitida no papiro 75, em B e D (bons códices), mas aparece no Sinaítico, em A, K, L, W, X, delta, theta; pi e ypsilon. E essas palavras são "chave": assim aparece o Filho do Homem NA LUZ DELE.
Isso, porém, não lhe é dado de graça: "primeiro deve ele (o discípulo que se torna Filho do Homem) sofrer ou experimentar muitas coisas: sobretudo ser "reprovado" por sua geração atrasada que com ele habita a Terra. Todos os intérpretes atribuem essa alusão a Jesus: é "Ele" que diz que vai sofrer.
Cremos, entretanto, que se refere ao novo candidato: antes de tornar-se Filho do Homem, deve ele suportar e experimentar (páthein. vol.
4) muitas coisas, e deve ser rejeitado por sua geração.
São dados, então: exemplos esclarecedores: NOÉ (quietude) e LOT (véu) o conseguiram; mas um teve que penetrar nas águas da interpretação alegórica e permanecer solitário e em quietude durante quarenta dias e quarenta noites (quanto durou o "dilúvio" e quanto durou a estada de Jesus no deserto depois do "mergulho"); e Lot teve que sair de Sodoma ("aridez", vol.
5) para alcançarem o grau ambicionado, mesmo à custa, o segundo, da perda da esposa. Ambos deram testemunho de fidelidade às ordens recebidas, com desapego total de tudo o que possuíam e que perderam, o primeiro pela água, o segundo pelo logo, antes de recomeçarem nova vida, como "homens novos" que se tornaram.
A frase final vem trazer a confirmação de tudo: "será assim o dia em que o Filho do Homem SE REVELAR (apokalyptetai, isto é, tirar o véu, Lot) que o oculta a nós mesmos, pois nós mesmos seremos os Filhos do Homem amanhã. Essa manifestação ou revelação de Filhos do Homem em nós far-se-á ASSIM, como o relampejar repentino e fulgurante, de um horizonte a outro, revestindo de LUZ, ou lucificando, todo o nosso ilimitado Espírito, em um átimo de segundo. E a massa de células que nos cerca materialmente nos veículos físicos, verá desaparecer em outras dimensões o Espírito, e, sem ele, perecerá, quer afogada nos fluidos do plano astral ou do físico, quer queimada pelo fogo e pelo enxofre que a envolve, a fim de aniquilar-lhe totalmente as impurezas e poderem as células renascer um ponto acima, na evolução.
Temos, assim, uma descrição do grande acontecimento que aguarda o Espírito em sua unificação com o Todo.
Trata-se de uma espécie de choque violento, que realmente lembra um cataclismo destruidor: tudo em torno se abate e desmorona e se desmantela e morre abruptamente nesse instante solene e único em que o existir mergulha no ser, em que conscientemente o homem transfere seu centro para o Espírito adimensional (e por isso ilimitado), inespacial (e por isso infinito, porque fora do espaço), instante sublime em que a criatura se absorve no Criador, sentindo-se LUZ sem sombra, DIA sem noite, eterno, porque fora do tempo.
A descrição pode não ser entendida de pronto, sem explicação. Mas, depois de interpretada, fica tão clara a lição, tantas vezes descrita, quase com as mesmas palavras, pelos místicos de todos os climas, de todas as épocas, e todos os cultos, que não compreendemos como já não tivesse sido percebida durante os dois milênios que nos separam de sua divulgação.