Sabedoria do Evangelho - Volume 6

CAPÍTULO 15

A PRECE



LC 18:1-8


1. Narrava-lhes então (Jesus) uma parábola, quanto a eles deverem orar sempre e jamais negligenciar,

2. dizendo: "Em certa cidade havia um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens.

3. Também, naquela cidade, havia uma viúva que vinha a ele constantemente, dizendo: defende-me contra meu adversário.

4. E por muito tempo, não queria, mas depois disse em si mesmo: embora não tema a Deus nem respeite os homens,

5.como, porém, me cansa esta viúva, defendê-la-ei, para que me não venha molestar até o fim.

6. Disse, então, o senhor: ouvi o que diz esse juiz não-justo.

7. Deus, porém, não defenderá seus escolhidos que a ele clamam dia e noite, nem é misericordioso com eles?

8. Digo-vos que defenderá com rapidez. Mas ao vir, acaso o Filho do Homem achará fidelidade na Terra?"



O trecho aqui apresentado, dá-nos o resumo doutrinário que, depois, é esclarecido pela narrativa parabólica.

O verbo proseuchestai (composto de pros e éuchomai, "orar a alguém") tem o sujeito do infinitivo em acusativo (autoús) posposto ao verbo. O sentido é "orar", com a acepção de dirigir preces, oferecer-se à Divindade, pántote, sempre, o tempo todo, sem negligenciar, sem cessar (mê egkakein).

O juiz não-justo é-nos mostrado como não temente a Deus nem respeitador dos homens: fazia o que bem queria. A viúva vinha a ele constantemente (o verbo êrcheto está no imperfeito iterativo, que exprime ação repetida no passado). Ela pedia-lhe que a "defendesse": o sentido de ekdíkêson é "defendeme" ou "faze-me justiça", dando a entender que a justiça consistia em defendê-la do adversário que a prejudicava. Aqui "adversário" é simplesmente antídikos, ou seja, a "parte contrária" num processo.

Durante muito tempo o juiz resistiu às súplicas da viúva; mas viu-se tão acossado que resolveu atendêla, para ficar livre das visitas constantes que o molestavam.

E o Mestre chama a atenção dos discípulos para a conclusão do juiz: atender, embora não fosse justo, a um pedido insistente, e daí parte para a comparação com a prece.

A primeira vista, choca-nos essa comparação: também Deus só atenderá se a prece for longa e repetida, e com a finalidade de não ser "molestado" pelo crente, e não por bondade, misericórdia e justiça?

Não é esse, precisamente, o sentido de suas palavras: "Deus defenderá seus escolhidos que a Ele clamam dia e noite, pois é misericordioso com eles". A diferença nos tempos dos verbos (poiêsêi, aoristo; e makrothymeí, presente) exprime, o primeiro uma garantia do que há de ocorrer, e o segundo uma qualidade inerente à Força Divina; o verbo makrothymeí pode ser até transliterado: longânime. E essa defesa será rápida.

O último versículo, em sua segunda parte, parece nada ter com o contexto da parábola; "acaso, ao vir, o Filho do Homem achará fidelidade na Terra"? Os intérpretes colocam essa frase como uma restrição, já que é iniciada por plên ("contudo"): será que, no fim dos tempos, diante de tantos sofrimentos, os discípulos se manterão fiéis?


Analisemos

ORAÇÃO - A oração não se limita a um petitório ininterrupto, nem Deus é uma "pessoa" (antropomorfismo) que resolva fazer ou não fazer" atender ou negar. Deus é a LEI" implacável e impessoal, que age inapelavelmente. Não é um "pedido" que fará mudar o curso dos acontecimentos: é a mudança de vibração da pessoa interessada que pode fazer mudar o fato que estava para acontecer.


Expliquemos

"Antônio" está com uma dívida vencida, e o credor se dispõe a cobrá-la judicialmente. Se o devedor paga a dívida, o credor não mais o processará. Houve mudança de vibração por parte do devedor, mas o credor não modificou, seu modo de agir. "Maria" está com a mão no lugar em que o lenhador vai bater o machado. A mão será decepada. Mas ao descer o machado, Maria retira rapidamente a mão, e o machado não a toca. Houve mudança de atitude de Maria, mas o lenhador prossegue impertérrito seu trabalho.

Um maquinista conduz velozmente seu trem. "João", parado na linha férrea vai ser atropelado. Mas, ao perceber o perigo, João pula para fora das trilhos e o trem passa deixando-o incólume. Houve modificação da posição de João, mas não do maquinista.

Esses três exemplos podem revelar-nos o que é a prece. Não adiantaria Maria pedir ao machado que desviasse seu curso; nem João pedir que o trem parasse de repente" ; nem ao devedor pedir ao credor que o não processasse.

Não é o PEDIR em si que obtém o "milagre": é a modificação de atitude e de vibração da criatura, que faz seja obtido o favor, e que propicia se faça sentir a Infinita Misericórdia da LEI, que só atinge os rebeldes incorrigíveis. Desde que a criatura se volte do lado favorável, a dor não na atinge.

Assim ocorre na prece contínua e incessante. Não é esse PEDIR que modifica a ação do Legislador, para que a LEI seja anulada ou falseada. Trata-se (psicologicamente pode provar-se isso) da modificação de atitude do pedinte: de tanto repetir, ele aos poucos transforma sua mente, adaptando-a ao novo fator que deseja seja introduzido em sua vida. E essa adaptação, embora inconsciente, decide a obtenção daquilo que ele deseja.

No entanto; essa mudança tem que ser real e objetiva. Como porém isso poderia ser interpretado mal, e muitos pretenderiam "fingir" que mudaram externamente, na expectativa do cumprimento de seu desejo, mas sem mudar intimamente, (e portanto sem fazer jus ao recebimento desejado), o Mestre, bom psicólogo, ensinou logo um método que não admite dúvidas: oração continua e incessante. A mudança virá automaticamente para os que estiverem "maduros". Para os imaturos, não virá a modificação mental; mas também não conseguirão uma prece continua e incessante. Ao contrário, ao se não verem atendidos logo, desistem e se revelam quais são: impacientes, revoltados, descrentes.

O exemplo da viúva satisfaz à condição requerida: jamais se impacienta, nem rebela, nem descrê, mas volta sistematicamente ao juiz, a pedir defesa de seus direitos.

Tudo porque a LEI tem as mesmas características que o juiz não-justo: a LEI não teme a Deus (porque é o próprio Deus); nem atende em vista de títulos, nem de posições aos homens. Exatamente assim.

A LEI dá, quando a criatura entra em sintoma com ela para receber.


É a imagem do copo. A LEI derrama sua misericórdia (makrothymei, no presente, ação continuada e incessante) ininterruptamente, como um jorro d"água a cair permanentemente. Se lhe chegamos um copo emborcado, de boca para baixo (revoltado!), nada captamos. Mas se sob o jorro colocamos um copo de boca para cima (sintonizado, em "posição certa"), a água enche o copo: o pedido é atendido.

Como, então, não seriam atendidos os "escolhidos", aqueles que estão conforme a LEI? Serão atendidos, e rapidamente. Mas... será que haverá fidelidade na Terra, fidelidade REAL e não apenas aparência externa, no momento em que o Filho do Homem chegar?

Não é pela posição social, nem pelo título pomposo de reis e sacerdotes, nem pela exterioridade de virtudes físicas corpóreas, que alguém fará jus ao recebimento de benefícios celestiais, mas pela sintonia interna do SER: "os errados e as prostitutas vos precederão (a vós, sacerdotes) no reino de Deus" (MT 21:31).

A expressão: "que a Ele clamam dia e noite" exprime a oração permanente sem negligência. Os hermeneutas afirmam que a prece não pode ser contínua, pois há outros afazeres, mas sim reiterada. No entanto, não é esse o espírito da parábola. O que aí se diz é que devemos orar SEMPRE (pántote), sem jamais negligenciar ou cessar (mê egkakein). E isso porque a oração não é a fórmula recitada maquinalmente para pedir favores: trata-se de uma atitude espiritual do psiquismo, da sintonia do ser com o SER, jamais dele se desligando, onde quer que esteja, fazendo qualquer ato.

Orar é permanecer ligado à corrente, mesmo que não estejamos recitando fórmulas nem pronunciando palavras. É como permanecer ligado à corrente um rádio-receptor, embora não esteja transmitindo som, no momento. Jamais nos desliguemos da corrente, e nosso coração permanecerá alimentado pela eletricidade e pelo magnetismo divino a todo momento.