Temos a impressão de que a chegada das crianças, acompanhadas das mães, veio interromper os ensinos que eram dados aos discípulos. Daí sua impaciência e o gesto, aliado à voz, para impedir a aproxima ção bulhenta e irrequieta.
Foram trazidas, como é hábito no oriente, para que o Mestre, já conhecido como taumaturgo, as abençoasse, colocando-lhes a mão sobre a cabeça e orando por eles.
As bênçãos eram muito comuns entre os israelitas, por parte dos mais velhos, para augurar pelo futuro dos mais moços. O Antigo Testamento traz vários exemplos dessas bênçãos, sendo célebres as de Jacob a seus doze filhos (GN
Quando Jesus observou a cena da invasão e o esforço que faziam Seus discípulos para manter à distância as crianças e suas mães, "zangou-se" (êganáktêsen, de aganaktéô). Aliás já dera provas de apreciar os pequeninos (cfr. MT
A frase "Deixai virem a mim as crianças "tornou-se uma das mais citadas e queridas dos cristãos. E Jesus conclui: "delas é o reino de Deus".
E abraçava (enagkalisámenos) e punha-lhes a mão sobre a cabeça, em passes que lhes deviam trazer grandes benefícios materiais, morais e espirituais.
E a lição foi dada: "em Deus como uma criança, de verdade vos digo, quem não receber o reino de modo algum entrará nele".
Dizem os exegetas que o reino de Deus é aqui apresentado como um DOM (que pode ser recebido) e como um LUGAR (aonde se pode entrar). Essa é a compreensão mais comum e difundida: o reino de Deus ou dos céus, é o "céu", aquele dos anjos tocando harpas sobre as nuvens, no qual os "lugares" são conquistados ainda nesta vida, e às vezes até "vendidos".
Quantos erros fatais trouxe essa interpretação durante tantos séculos!
Nem dom, nem lugar, mas CONQUISTA: um estado de consciência em que "se entra" ou se penetra," recebendo-o" quando se atinge determinado estágio evolutivo de elevadíssima frequência vibratória espiritual.
O reino dos céus tem que ser recebido como uma criança recebe o que lhe damos: com interesse e participação alegre de todo o ser. E nele só se penetra quando nos tornamos crianças, isto é, com a naturalidade e humildade normais à infância, que confia e ama, sem distinções nem exigências: por mais que a mãe seja nervosa e rigorosa com seu filho pequenino e o castigue e nele bata, ele só sabe refugiar-se, mesmo depois das pancadas, no colo dessa mesma mãe, para chorar sua dor, e para reconquistar o mais depressa possível o amor daquela que é tudo para ele: é o amor integra! "confiante, ilimitado e sem rancores, pleno e fiel.
No estilo da Escola iniciática, "criança" tem outro sentido: são os que se aproximam, ansiosos de penetrar no grupo fechado dos discípulos, mas ainda não suficientemente maduros para acompanhar o aprendizado sério que aí é ministrado: são as "crianças espirituais" que não podem receber o pábulo forte, como observa Paulo: "eu, irmãos não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a criancinhas em Cristo. Leite vos dei de beber, não vos dei comida, porque ainda não podíeis.
Ainda agora não podeis, porque ainda sois carnais" (1CO
Acontece, porém, que não pode ser neste sentido que é exigido "ser criança": não se vai pedir a uma criatura mais evoluída, que volte atrás em seu adiantamento, para tornar-se de novo simples "aspirante", embora muitas vezes o aspirante demonstre maior entusiasmo e mais ardor que aqueles que já est ão à frente, e, quase sempre, é bem mais humilde que aqueles, porque reconhece melhor suas deficiências e sua ignorância, enquanto os " adiantados" se incham de vaidade.
Se tivermos essa conduta, simples e natural, como a criança (isto é, sem forçar), estaremos com as qualidades necessárias para poder "receber" estado de consciência superior que traz à alma a paz que Cristo dá e a felicidade plena do Espírito.