Aparece aqui mais uma comparação (parábola) de como funciona a lei em relação às pessoas humanas, dando-nos a tese e a antítese.
Narrada por Mateus e Lucas, anotamos nos dois textos diferenças fortes quanto à forma, embora o fundo seja o mesmo. Pelas frases do "senhor" aos "servos" e pela conclusão, todavia, certificamo-nos de que a parábola é a mesma.
Alguns exegetas sugerem que, em Lucas, tenha havido a fusão (ou confusão) de duas parábolas, uma do pretendente ao trono, outra das "minas" (cfr. Buzy, "Les Paraboles", Paris, 1932, pág. 542-548).
Pensamos que a alusão ao pretendente ao trono tenha sido silenciada por Mateus, por haver ele escrito para israelitas na Judeia, onde ainda reinavam os "Herodes", ao passo que Lucas, dirigindo-se os gentios, estava mais livre. Com efeito, o "homem ilustre" que pretendeu a investidura como "rei" e foi solicitar o cetro a Roma, identifica dois episódios historicamente ocorridos na vida material. Trata-se de Herodes o Grande, em 40 A. C. (cfr Josefo, Ant. JD
Outra diferença notada entre as duas narrativas é quanto às importâncias entregues aos servos. Diz Mateus que três servos receberam dez, cinco e um talento, e Lucas afirma que dez servos foram contemplados com uma mina cada um, embora, no final, só sejam pedidas contas de três deles.
O tipo de moeda também varia. Mateus fala em "talentos", que era a maior unidade monetária judaica, equivalendo ao peso de 42,533 k, com valor de 60 minas e 3. 000 siclos. Do talento se conserva um espécime (um kikkâr) no Museu Bíblico de Santana em Jerusalém. Modernamente o talento pode ser equiparado a 2. 000 dólares norte-americanos, ao passo que a mina (que vale 100 dracmas) tem o valor de pouco menos de 34 dólares.
Em ambos os casos, não se procura propriamente o rendimento do dinheiro (que poderia com mais segurança ter sido entregue a um "trapezista" (banqueiro, como diríamos hoje); mas o desejo é experimentar os homens, a respeito de administração de bens, para concluir-se sobre as tarefas que lhes poderiam posteriormente ser cometidas.
Para isso, é-lhes concedido longo tempo (metá pólyn chrónon) e, ao regressar, são pedidas as contas.
Os dois primeiros, em Mateus, obtiveram cem por cento de lucro. São elogiados e convidados a "entrar na alegria do senhor", com a promessa de que lhes seriam confiadas grandes tarefas, já que se desincumbiram tão bem das "pequenas". Em Lucas o primeiro consegue multiplicar por dez e o segundo por cinco a quantia recebida. Proporcionalmente são prepostos a dez e cinco cidades, como governadores, associando-se ao governo do novo rei.
Ambos os evangelistas têm a mesma conclusão: "a quem tem será dado de quem não tem será tirado até o pouco que tem", frase que já fora proferida em outra oportunidade (MT
A lição primordial para a personagem humana, é a da REENCARNAÇÃO. Com essa interpretação é que entendemos a alegoria (mâchâl).
Realmente cada criatura recebe ao "entrar na vida", determinada quantidade ou qualidade de "talentos", mas sempre de acordo com sua capacidade (ou força = dynamis) de fazê-los frutificar. Alguns dez talentos. São os mais capazes, que aproveitam a oportunidade e os fazem multiplicar-se. Tanto é assim, que o "senhor" deixa com cada um os talentos que lucrou (pelo menos, na parábola eles não são pedidos de volta). De fato, o que cada indivíduo conquista com seu esforço em cada existência, passa a pertencer-lhe de direito, agregando-se à sua individualidade eterna.
Outros são menos capazes: produziram menos no passado. São-lhes confiados cinco talentos e, dentro do que lhes for possível, os multiplicarão.
Mas muitos recebem pouco: um só talento. E passam uma vida inteira sem conseguir fazê-lo multiplicarse. Talvez tenham oportunidade de cursar colégios e até de diplomar-se, mas estacionam lamentavelmente.
Perdem as melhores oportunidades. Deixam-se escoar-se os minutos e as horas em divertimentos e ócios. Os dias esgotam-se, somam-se em semanas, meses e anos, em sucessivos zeros improdutivos.
Futilidades e conversas sem objetivo. Preguiça indolente e busca apenas de gozos físicos. A desencarnação surpreende-os de mãos vazias, após uma existência improfícua. E nada fazem com os títulos acadêmicos conquistados. Cristalizam no nível em que os colocou a vida pelas facilitações adquiridas na juventude. Nem um passo á frente. Podem e não querem. Não entram pelas portas que se lhes abrem às escâncaras. Para que? A esses, quando regressam novamente ao planeta, nada mais lhes será dado. Nenhuma facilidade de estudo. Nada lhes sorri. Desejam aprender, mas faltam-lhes as oportunidades. O pouco que tenham lhes foi tirado. Castigo? Não: resultado cientificamente controlado da vida anterior improdutiva: paralisaram a mente por vontade própria, para dar largas à indolência: agora estão com os neurônios destreinados, com o intelecto amodorrado, e por mais que se esforcem, as dificuldades agigantam-se: foi-lhes tirado o pouco que tinham, o talento que em outra vida lhes fora dado, porque lá o deixaram sem frutificar. Agora estão desarmados. Não por castigo nem por vingança, mas porque eles mesmos desgastaram sua matéria-prima.
Elucidemos com um exemplo prático. A cada aluno é distribuída uma folha de papel em branco, para escrever sua prova. Na demora da espera, alguns alunos rabiscam a folha com desenhos e garatujas.
Quando soa o momento de iniciar, o papel deles está todo sujo, e eles não têm mais onde escrever, sendo reprovados: até o papel que tinham lhes é tirado. Não houve castigo, mas desperdício do material (talento) que lhes havia sido entregue.
Assim, quem não usa o intelecto, deixa-o atrofiar-se: perde, pois, o pouco que tinha, não porque lho tirem, mas porque o deixou embotar-se e, uma vez embotado, as dificuldades automaticamente crescem.
O prêmio dado aos que produziram é a "entrada na alegria" e a promessa de que, no futuro, maiores responsabilidades e possibilidades lhes serão atribuídas. Em Lucas, por tratar-se de "rei", é dado aos vencedores da prova a participação no governo.
A penalidade imposta aos displicentes, que dão desculpa de temor ou de prudência, em Mateus, é a perda do que têm e mergulho nas trevas exteriores (reencarnação dolorosa). Em Lucas aparece a condena ção à morte dos inimigos que se opuseram ao reinado do "homem ilustre". Aqui temos, pois, um exemplo do que foi acima dito: "os governadores tiranizam... os grandes dominam" (MT
Chama-nos a atenção, em toda a parábola, a frequência do emprego de termos técnicos das Escolas iniciáticas. Vejamos: O homem "entrega (paradídômi) os talentos, de acordo com a "capacidade" (dynamis) de cada um; estes "operam" (ergázomai) com os talentos. Mas o infeliz que recebera um só talento, o "esconde" (kryptô), até que o senhor chama os servos ao "ajuste de contas" (synaírei lógon, que também poderia ser traduzido "tomar a doutrina" ou "tomar a lição"), e os convida a entrar na "alegria" (cháran) quando venceram. A estes, em Lucas, é dado o "poder" (exousía).
Eis, então, uma cena que precisa ser interpretada dentro dos ensinos esotéricos.
6:35, 48), que depois aparece nos demais anotadores (MT
Observemos que na iniciação grega os símbolos eram a espiga de trigo e a uva; na iniciação judaica passaram a ser o resultado de ambos: o pão e o vinho, que Melquisedec já utilizara (cfr. Gén. 14:18).
Na parábola, observamos que a experiência é feita com dinheiro, para preparação ainda dos aspirantes à iniciação (cfr. atrás).
O símbolo é "mostrado" (deíknymi) e entregue, de acordo com a força (dynamis) de cada discípulo, tal como o faz Jesus, ao mostrar o pão e dá-lo: "tomai e comei". O hierofante, denominado aqui "homem ilustre" (ánthrôpos eugenês) introduz o iniciando na Senda e dá-lhe os símbolos para que, por meio de exercícios espirituais, se desenvolva. E "retira-se para fora de seu país" (apodêmôn), ou seja, atasta-se do ambiente do discípulo, para que este possa demonstrar sozinho sua força (dynamis). O tempo é mais que suficiente, pois o Mestre só regressa "após longo tempo" (metà pólyn chrónon).
Durante essa espera, os discípulos têm que "produzir obras" (ergázomai), fazendo que os talentos se multipliquem, "colocando a luz em cima do castiçal" (MT
"Mestre", mas poderá formar um pugilo de outros discípulos, proporcionalmente ao rendimento que obteve.
Aí temos, portanto, o modo de agir da Escola Iniciática Assembleia do Caminho. Nada de promoções por "pistolão" (cfr. MT
Outra interpretação, corroborando a reencarnação, se entendermos o "homem ilustre" como o "Eu Verdadeiro", isto é, o Espírito ou individualidade, que deixa ao "espírito" ou personalidade, a incumbência de descer ao plano físico a fim de produzir experiências e multiplicar os talentos que o Espírito Eterno lhe empresta. No momento da destruição da personagem, o Espírito vem buscar o resultado para incorporá-lo a seu acervo. Se a personagem conseguiu multiplicar os talentos com seu trabalho ou sua ação (érgon), receberá como prêmio a concessão da alegria de tornar-se, no planeta, u "nome famoso", por ter aproveitado bem os dons recebidos. Se nada obteve na encarnação, e nada pode restituir ao Espírito senão o que ele já tinha (pois jamais se perde o que se conquistou), então a personagem desaparece nas trevas do túmulo, sem que ninguém se lembre dele: seu nome cai no olvido mais total. Permanece um dos milhões de anônimos que perambulam pela superfície do globo.
A parábola é um aviso de suma importância para todos, mas especialmente para os que penetraram no Caminho e SABEM: sua responsabilidade é incomparavelmente maior que a daqueles que ainda estão adormecidos na psychê, ou alma puramente animal. Os que "já tem Espírito" (Judas,
19) terão que prestar contas rigorosas, porque já receberam maior número e melhor qualidade de "talentos".