Lição pública, fora dos muros da Assembleia do Caminho; ao lado dos discípulos estavam fariseus, saduceus, escribas, anciãos e a massa do povo fiel. Jesus inicia um discurso, em que focaliza a posição do clero de Sua época e de todas as épocas, os sacerdotes de Sua religião e de todas as religiões, as autoridades eclesiásticas de Seu país e de todos os países: a raça humana é a mesma, ainda hoje, e onde entra o elemento humano, com ele entram a vaidade, a cobiça e a hipocrisia - os três vícios focalizados nesta lição.
MAS NÃO PRATICAM - a doutrina de Moisés.
O assalto é consumado, por vezes, por via diplomática ou política, por influência de elementos de projeção intelectual ou social; mas doutras vezes é assalto à mão armada, como ocorreu no século 4. º(ver nota no vol. 4), quando, por exemplo, o cristianismo se transformou em "catolicismo".
Amarram (desmeúousin, isto é, unem os fardos entre si) fardos pesados e insuportáveis (baréa kaì adysbastakta) e os colocam sobre os ombros dos fiéis, embora eles mesmos não queiram movê-los nem com um só dedo (dáktylô).
Jesus passa a enumerar outros atos errados: tudo o que fazem, é para serem vistos e aplaudidos pelos homens, em triste vaidade exibicionista. Para isso, "alargam seus filactérios", ou seja, colocam em lugares bem visíveis, símbolos religiosos, como vimos no capítulo anterior. Hoje, as cruzes chamadas episcopais são bem grandes, douradas ou de ouro e com pedrarias preciosas, pendentes de correntes de ouro; e mais: "alongam suas túnicas", em batas ou batinas pretas, brancas, roxas, púrpuras; e mais: " gostam dos primeiros lugares nos banquetes e das primeiras cadeiras nas sinagogas ". Bastará trocar" sinagogas" por igrejas, onde o clero tem especiais regras para acomodar-se hierarquicamente; e também os fiéis adquirem o direito de possuir "genuflexórios" próprios, nas primeiras filas, de acordo com a importância de seu donativo à sua igreja, e conforme os títulos que possuam: as "autoridades" e os benfeitores" têm direito às primeiras filas (contrariamente ao que nos deixou escrito Tiago em sua epístola, 2:1-8; vale a pena reler). E mais ainda: "gostam das saudações nas praças", esperando que todos beijem suas mãos ou seus anéis de ouro, quando não seus pés, revestidos de sandálias bordadas a ouro.
Não pára aí: "gostam de ser chamados mestres". Mas logo vem o conselho positivo: "vós - meus discípulos - não vos chameis mestres: todos sois irmãos". O "mestre", em hebraico RAB (ou RABBI, "meu mestre", ou RABBAN, "nosso mestre") era o título usual e corrente dado pelo povo aos homens letrados, escribas e fariseus - coisa que Jesus adverte jamais dever ser praticada pelos que O seguem. A advertência, porém, continua sendo letra morta...
Mais ainda: "a ninguém na terra chameis vosso pai". Os hebreus, inicialmente, só davam o título de" Pai" (AB) a Abraão, Isaac e Jacob (e o nome de "Mãe" só a Sara, Rebeca, Lia e Raquel). Mas os escribas mais em evidência gostavam de ser chamados "pai" - havendo até um livro com esse título: Pirqê Abhôth, "Sentenças dos Pais" - Ainda hoje, os sacerdotes católicos, desobedecendo frontalmente à ordem taxativa e indiscutível de Jesus (a Quem chamam seu "Deus"!) fazem chamar-se e assinam-se PAl ou PADRE, ou PÈRE, ou FATHER etc., em qualquer língua. Os primeiros escritores, são chamados os "Pais da Igreja". E chegam até ao máximo de denominar SANTO PAI (ou PADRE) a seu chefe.
Interessante observar que a vaidade inominável não está circunscrita aos encarnados: acompanha a personagem para além da sepultura, e vemos os "pretos velhos" da Umbanda (e muitos kardecistas) com o mesmo prazer, querendo ouvir-se chamar "pai" ...
Em Mateus, nas traduções vulgares, parece haver uma repetição, onde se lê: "não vos chameis mestres, porque vosso mestre é um só, o Cristo". O termo aqui empregado não é didáskalos, como acima, mas kathêgêtês, hápax neotestamentário, que significa: "guia que vai à frente e ensina o caminho", ou "diretor espiritual", ou "mentor".
A razão é dada: um só é vosso mentor: o Cristo!
Em Mateus, segue-se a lição de humildade, mais uma vez repisada: "o maior de vós, será vosso servidor", mas não apenas dizendo-se "servo dos servos de Deus", e colocando-se num trono dourado, para que todos lhe beijem os pés ("dizem, mas não fazem"!). E ainda a frase repetida: "quem se exaltar será apequenado, e quem se apequenar, será exaltado".
Estes, diz Jesus, "receberão maior condenação".
Encontramos, pois, avisos oportunos para que os discípulos de Jesus não imitem o clero judaico da época do Mestre. Inutilmente foi dada a lição, porque os homens, imperfeitos ainda, vaidosos e cúpidos, fazem exatamente o inverso do que lhes foi ordenado. Com isso provam que perderam totalmente sua ligação com o Cristo, preferindo ligar-se a seus adversários, por Ele condenados.
Qualquer semelhança será mera coincidência? Inegavelmente Jesus era PROFETA, com ampla e segura visão do futuro!
Assim NÃO DEVE e NÃO PODE agir o discípulo VERDADEIRO de Jesus: este tem que SERVIR por amor, e AMAR através do serviço.
O discípulo real SABE que não é "mestre" de ninguém; de fato, é o servidor incondicional, sem dia nem hora para o serviço, sem condições nem exigências, sem distinções nem restrições: servir inteira e alegremente a cada momento, "dando de si sem pensar em si".
Ao homem profano comum, ainda sob a legislação mosaica dirigida à personagem, bastará "amar o próximo como a si mesmo" (LV
Mas de toda a lição há uma frase que sobressai pela profundidade: "um só é vosso Mentor: o Cristo".
Observemos que Jesus - que falava - não se dá como sendo Ele o Mentor nosso: distinguindo bem Sua pessoa sublime da sublimidade maior do Cristo Divino, que em todos e em cada um "construiu seu tabernáculo" indica como ÚNICO MENTOR e guia esse Cristo Interno.
Nenhum homem - nem Ele mesmo, Jesus - pode fazer-nos progredir: só o CRISTO dentro de cada um de nós.
Alerta, pois, a todos os espiritualistas que se julgam, se dizem ou deixam chamar-se mestres ou mentores.
Não iludam as criaturas, nem se enganem a si mesmos: ninguém pode ser mentor de ninguém: o nascimento do Cristo, é virginal em cada um, e só ocorre quando o "Espírito Santo" obumbra a criatura, fazendo-Se sentir pela união mística profunda.
No máximo, podem abrir-se as janelas, para mostrar o céu estrelado ou o sol a brilhar acima do horizonte; mas não pode dar-se a visão aos cegos: a criatura, para discernir o que mostramos, tem que ter capacidade de "visão". Pode escancarar-se uma porta, para facilitar o trânsito da criatura; mas não se pode carregá-la no colo nem fornecer-lhe pernas. Podem tirar-se os véus que encobrem os grandes símbolos, e mostrar toda a nudez puríssima da verdade; mas jamais terá alguém capacidade para fazer que a criatura compreenda Ou olhando, logo vêem, ou, tendo olhos, nada enxergam; ou ouvindo, logo percebem, ou, tendo ouvidos; nada escutam; ou tendo inteligência; logo compreendem, ou, possuindo intelecto, nada entendem em seus corações...
Ninguém - nenhum ser humano - pode dizer-se Pai, Mestre, Mentor: PAI - só o Ancião dos Dias, Melquisedek;
MESTRE - só a encarnação crística que nos traz os ensinos;
MENTOR - só o Cristo, no âmago mais profundo de nosso ser, tão no profundo, que é necessário mergulhar quase no infinito para perceber-Lhe a presença em nós mesmos...
Mas quando descobrimos esse Mentor sublime, esse Guia divino, daí por diante Ele será nosso CAMINHO; que nos conduzirá à VERDADE de nosso Mestre e à VIDA de nosso Pai.
"Ninguém vai ao Pai senão através do EU" (João