O verbo skandalízô, de uso apenas bíblico, tem o sentido de "colocar uma pedra para fazer tropeçar", derivando-se do substantivo skándalon (tò). Mas a transliteração portuguesa "escandalizar" reproduz razoavelmente o significado original, pois a pedra é colocada "moralmente", para provocar a queda espiritual dos fracos e desprevenidos. " Ferirei o pastor" - é citação livre de Zacarias (Zacarias
O testemunho dos quatro evangelistas deve ser lido como complementação mútua, dando a impressão de que se trata de uma conversa surgida à mesa, que cada um reproduziu à sua maneira: Pedro inicia perguntando aonde irá o Mestre, e Jesus explica que ninguém poderá segui-Lo nesse momento: só mais tarde. Mas Pedro, que é homem de "fazer já e não deixar para depois", retruca que "aplicou sua alma sobre ele", repetindo a expressão de Jesus quando falou do "Bom Pastor", que "aplica sua alma sobre suas ovelhas (JO
Pedro, inflamado, protesta que jamais o abandonará. Jesus novamente esclarece que orou por ele, para que, mesmo tendo fugido, sua fidelidade sintônica não fraquejasse por degradação de vibrações. Todavia, uma vez que se recuperasse, devia sustentar os companheiros. Pedro afirma repetindo teimosa e entusiasticamente, que está pronto a ser preso e morto com seu Rabbi. Então, para provar-lhe que "o Espírito (individualidade) está pronto, mas a carne (personagem) é fraca" (MT
Pedro quer ir com o Mestre agora. Mas o antagonista (a personagem calculadora) reivindica seu direito de sacudir o homem violentamente (joeirar) como se faz ao trigo para separar o grão da palha.
As traduções vulgares trazem: "Satanás obteve permissão" (de Deus): é a famosa, embora falsa, concepção de um deus antropomorfo a conversar amigavelmente com o Senhor Diabo! Mas o verbo grego usado exêitêsato (de exaitéô, na voz média) significa "reclamar para si, reivindicar". E já sabemos que o antagonista do Espírito (individualidade) é a personagem, com seu intelecto discursivo, convencido de que nele apenas reside toda a realidade de seu ser, nada mais havendo além do corpo físico com suas sensações, suas emoções e seu intelectualismo!
Os comentadores falam muito na "temeridade" de Pedro. Mas Jerônimo (Patrol. Lat. vol. 26, col.
198) o defende: Non est teméritas, nec mendacium, sed fides est Apóstoli Petri et ardens affectum erga Dóminum Salvatorem, isto é: "não é temeridade nem mentira, mas a fé e o afeto ardente do apóstolo Pedro para com o Senhor Salvador".
O "canto do galo" (veja atrás) assinalava a terceira vigília que, no princípio de abril, época em que se passam os fatos, terminava às cinco da madrugada. Não procede a objeção de que era proibido criar galináceos em Jerusalém, pois diziam os fariseus que, ao ciscar, podiam fazer vir à superfície do solo vermes "imundos": sempre os havia, embora não fossem criados soltos, conforme podemos verificar (cfr. Strack e Billerbeck, o. c. , t. 1, pág. 992-993). Além disso, cremos que se trate mais de uma referência à hora.
Os propósitos podem ser os mais ardorosos, mas a personagem se acovarda diante da dor. Embora neste caso de Pedro, como teremos a seu tempo, nada disso tenha ocorrido: ele queria apenas ludibriar os circundantes, para que pudesse ali permanecer a fim de ver aonde levariam e o que fariam com seu Jesus querido.
O "escândalo" a que se referia o Mestre era a crucificação, que faria fugir os discípulos, horrorizados com medo de terem a mesma sorte. No entanto, o aviso fora bem claro: serei ferido, adormecerei, e despertarei do sono (egeírô); então vos precederei na Galileia: ainda chegaria lá antes deles! ...
única coisa real, porque visível e palpável - tudo está acabado! Tempo desperdiçado, aquele em que seguiram um Mestre que foi vergonhosamente aniquilado! Perdida a batalha com o sacrifício do general, os soldados dispersam-se desorientados.
A personagem, antagonista-nata do Espírito, arroga-se o pretensioso direito de sopesar e julgar, por meio do intelecto, as ações e decisões do Espírito. Passa-as pelo crivo do racionalismo, para saber se pode concordar ou discordar. E, atrasado como ainda é, quase sempre conclui a fator do lado errado, só considerando a matéria física densa. O Espírito está pronto a ser preso, martirizado, sacrificado, vendo morrer o corpo, pois sabe que a vida continua; mas a personagem não concorda, em hipótese alguma, em desaparecer, e usa de todos os artifícios para fugir da destruição.
Aonde ia o Mestre, ninguém o podia seguir: a conquista de um grau iniciático é problema estritamente pessoal, isolado, interno, que se passa no âmago mais recôndito da criatura, embora por vezes se exteriorize em cenas públicas, como no caso da crucificação, "ressurreição" e "ascensão"; ou em fatos que a todos parecem corriqueiros e naturais, mas que trazem no bojo a força irresistível de fazer o candidato dar um passo à frente: morte ou abandono de pessoa querida, uma calúnia violenta, um choque traumático, etc.
Ninguém se achava ali em condições de acompanhar o Mestre nesse passo. Mesmo João, que fisicamente o acompanhou, não podia ainda arrostar os degraus, demais elevados para sua capacidade.
O antagonista - a personagem - sempre reivindica e exige, como necessária provação, o direito d "joeirar" ou sacudir violentamente na peneira o Espírito, a fim de experimentá-lo. Mas os verdadeiros discípulos estão sustentados pela "Força Cósmica" e não fraquejam na fidelidade absoluta ao Cristo Interno; e desde que se mantenham fiéis e sintonizem internamente, conservam a capacidade de servir de apoio aos irmãos, ainda que a personagem esperneie. Não se confundam força e fidelidade do Espírito com os artifícios da personagem, que busca valer-se de todos os meios para conseguir seus intentos, sobretudo quando ditados pelo amor. O fato é que as palavras de Simão Pedro não foram proferidas pela personagem, mas foram o ditado de sua individualidade enérgica e firme, através da boca da personagem frágil. Não foram "temeridade", mas "amor" levado ao grau máximo.
Oxalá possamos todos nós manter permanentemente nosso Espírito com a segurança e a firmeza de princípios de Pedro!