Sabedoria do Evangelho - Volume 7

CAPÍTULO 4

A FIGUEIRA SEM FRUTO



MT 21:18-19


18. De manhã, voltando à cidade, teve fome.

19. E vendo uma figueira à beira da estrada, foi a ela e não achou nela senão somente folhas e disse-lhe: "Nunca de ti nasça fruto no eon". E instantaneamente secou a figueira.

MC 11:12-14


12. No dia seguinte, saindo eles de Betânia, teve fome.

13. E vendo ao longe uma figueira que tinha folhas, foi (ver) se acaso achava nela (algo) e, aproximando-se dela, nada achou senão folhas, pois não era tempo de figos.

14. E respondendo, disse-lhe: "Nunca neste eon de ti ninguém coma fruto". E ouviram(-no) seus discípulos.



O episódio é narrado por Mateus e Marcos que coincidem em alguns pormenores, diferindo em outros.

Analisemos.

1 - Dizem ambos que, "saindo de manhã de Betânia para voltar à cidade, Jesus teve fome".

Há várias objeções muito sérias. Teria Marta, tão completa dona-de-casa que seu próprio nome tem esse significado, teria ela permitido que o Mestre saísse de sua casa onde se hospedava sem tomar o de jejum? O ar matinal provocou a fome? Mas por andar distância tão pequena, logo ao sair de Betânia, diante de Betfagé? Não convence...

2 - Jesus viu "à beira da estrada uma figueira". Só tinha folhas. Jesus "foi ver se achava algo para comer".

Mas como poderia fazê-lo, se em abril não era época de figos, como bem anota Marcos? Será que Jesus ignorava o que todos sabiam, até as crianças?

3 - Jesus afinal, decepcionado, amaldiçoa a figueira. Mateus adianta o final do episódio (que Marcos deixa em suspenso para o dia seguinte) e faz que a figueira "seque instantaneamente".

Algumas considerações.

Os figos-flor começam a aparecer, na Palestina, em fins de fevereiro, antes das folhas, mas só amadurecem em fins de junho. No entanto, na figueira selvagem ("figueira braba") apesar de brotarem normalmente as flores, elas secam e caem antes de amadurecer. Vemos, então, claramente, que não era" culpa" da figueira o fato de não ter frutos...

Vejamos alguns comentaristas o que dizem.

João Crisóstomo (Patrol. Graeca, vol. 58, col. 633/4), depois de classificar a exigência de Jesus de encontrar frutos de "exigência tola", por não ser estação de figos, afirma que a maldição da figueira foi apenas para conquistar a confiança dos discípulos em Seu poder: era um símbolo de "Seu ilimitado poder vingativo" (!).

Jerônimo (Patrol. Lat. vol. 26, col.
153) diz que "o Senhor, que ia sofrer aos olhos de todos e carregar o escândalo de Sua cruz, precisava fortalecer o ânimo de Seus discípulos com Este sinal antecipado".

Outros dizem que não queria figos, mas dar uma lição aos discípulos. Outros que se trata de uma "parábola de ação", bastante comum entre os profetas (1).

(1) Isaías durante três anos andou nu e descalço para profetizar o cativeiro assírio (IS 23:1-6); Jeremias enterra seu cinto e o desenterra já podre (JR 13:1-11); ele mesmo quebra uma botija de barro (JR 19:1, JR 19:2, JR 19:10) e pendura brochas e canzis ao pescoço (JR 27:1-11) ; Ezequiel desenha a cidade de Jerusalém num tijolo e constrói fortificações em torno dele (Tz. 4:1-8); corta a barba e o cabelo e queima-os (Ez. 5:1-3); depois se muda com todos os seus móveis, para que todos vejam que vão ter que sair de casa (Ez. 12:3-7).

Quando as contradições ou os absurdos são evidentes, trata-se de símbolos e não, realmente, de fatos.

Ponderemos com lógica. Causaria boa impressão aos discípulos uma injustiça flagrante do Mestre, ao condenar, por não ter frutos, uma figueira que não podia ter frutos? A demonstração de poder não teria sido, ao mesmo tempo, um exemplo de atrabiliário despotismo, além de injusto, desequilibrado e infantil? Que lucro adviria para Jesus e para os discípulos, por meio de uma ação intempestiva e de tamanho ridículo?

Não, não é possível aceitar o fato como ocorrido. Houve, realmente, uma lição. E por que foi escolhido o símbolo da figueira sem figos, ou com figos ainda verdes, porque estavam em abril?

Observemos que, ao sair de Betânia para Jerusalém, a primeira aldeia que "tinham à frente;" era BETFAGÉ, que significa, precisamente, "CASA DOS FIGOS NÃO-MADUROS"! ...

Ora, ao sair de Betânia, a conversa do caminho girou em torno do poder daquele que mantém fidelidade absoluta e inalterável ao Pai, a Deus, ao Espírito. Daí a lição destacar a capacidade de a criatura dominar os elementos da natureza com o poder mental. E o exemplo é apresentado ao vivo: se, quiserem, poderão fazer secar até as raízes, ou fazer crescer rapidamente, uma árvore, e poderão até mesmo erradicar montanhas, como veremos pouco adiante. Se fora apenas para "demonstrar poder", seria muito mais didático e lógico que Jesus fizesse a figueira sem frutos frutificar e produzir de imediato figos maduros! ...

Há, pois, evidentemente, profunda ligação entre a figueira sem figos e o nome da aldeia de Betfagé, o que vem explicar-nos a "motivação" da aula.


* * *

Quanto ao ensinamento em si que poderemos entender dessas poucas linhas que resumem, como conclusão, uma conversa que se estendeu por dois quilômetros e meio? Trata-se, é claro, de uma conclusão, e dela teremos que partir para deduzir pelo menos os pontos essenciais da mesma.

Façamos algumas tentativas.

Quando o Espírito necessita colher experiências por meio de uma personagem que esteja sendo vivificada ou animada por ele, e essa personagem não corresponde em absoluto, não produzindo os frutos, mas apenas as folhas inúteis das aparências, o único remédio que resta ao Espírito, para que não perca seu tempo, é secar ou cortar a ligação, avisando, desde logo que, naquele eon, naquela "vida", ninguém mais aproveitará dela qualquer resultado positivo.

Cabe à personalidade aceitar os estímulos do Espírito e produzir frutos, seja ou não "época" de fazêlos.

O Espírito precisa avançar, e temos por obrigação corresponder à sua expectativa, sem exigir épocas especiais. Taí como o médico deixa a refeição sobre a mesa ou sai do aconchego do leito a qualquer hora e com qualquer tempo para atender a chamados urgentes, assim o cristão tem que passar por cima de tudo; abandonando conforto, amores, amizades, comodismos, riquezas, vantagens, para obedecer incontinenti aos apelos do Espírito, que não obriga, mas convida e pede e solicita "com gemidos inenarráveis" (RM 8:26). Se o não fizermos, não desencarnaremos instantaneamente, mas secaremos até as raízes as ligações com a Espiritualidade Superior, que verifica não poder contar conosco nessa existência pelo menos. Mais à frente veremos uma parábola, a dos dois filhos, que vem ilustrar o que acabamos de afirmar. Comentá-la-emos a seu tempo.

Assim compreendemos algumas das expressões empregadas na conclusão da lição evangélica e que, no sentido literal, são incompreensíveis, por absurdas. Jesus "teve fome", ou seja, quando a Individualidade manifesta alguma necessidade vital; "vê uma figueira com folhas", isto é, uma personagem com possibilidades; "vai ver se encontra frutos", vai verificar se pode aproveitá-la para o serviço.

Nada encontra, porque a desculpa é exatamente "não tenho tempo" ... "não é minha hora" ... "não está ainda na época - preciso gozar a mocidade, aposentar-me, esperar enviuvar... mais tarde"! ...

O que falta, em realidade, é amor e boa-vontade, porque não há "horas" para evoluir. O progresso é obrigação de todos os minutos-segundos, e não se condiciona a "estações" nem "épocas". Lógico que, diante da falta de disposição, tem que vir a condenação. Não é, propriamente, a "maldição". Trata-se do verbo kataráomai, depoente, composto de katá, "para baixo" e aráomai, "orar", já que ará é "oração".

Essa condenação ou execração é introduzida pelo advérbio mêkéti, que exprime apenas "não mais". Não é, pois, uma proibição para a eternidade, mas uma verificação, tanto que o tempo empregado é o subjuntivo, e não o imperativo nem o optativo. Portanto, o Espírito diz, em outros termos: " de agora em diante, percam-se as esperanças de obter fruto de ti nesta encarnação".

A lição portanto é lógica e oportuna. Abramos os olhos enquanto é tempo!