As Chaves do Reino

CAPÍTULO 10

CAIM E ABEL - OBRAS DA LEI E OBRAS DA FÉ



A sapiência divina se revela nas mais mínimas coisas que se ordenam na Criação, e não poderia ser diferente, pois o poder dinâmico do Universo se dá pelo Espírito, que, na condição de ser inteligente e cocriador, é, ao mesmo tempo, agente fomentador de possibilidades e objeto dessas ações, que nele repercutem vibracionalmente.

Um estudo acurado dos vigorosos símbolos de Caim e Abel nos ajuda a compreender o mecanismo evolutivo aí sintetizado pela sabedoria do Antigo Testamento, e, consequentemente, os padrões representativos em nível moral, de conquistas ou da necessidade delas.

Caim, consoante bem definiu Jesus em texto muito expressivo do Evangelho de João, no capítulo 8, versículo 44, é a corporificação da "serpente", que representa o interesse pessoal, filho dileto do egoísmo. Caim tem vivido em nós, que nos encontramos em expiações e provas na Terra, de modo que, toda vez que permitimos à vaidade e à presunção nos tomar, de assalto ou sub-repticiamente, violando o direito do outro ou utilizando-o sagazmente para auferir vantagens pessoais, repetimos o delito de Caim - por ciúme e inveja, assassinamos moralmente os semelhantes. É mecanismo de fuga do dever, atitude negadora da consciência genuína que, por esse motivo, amaldiçoa a criatura, consoante se observa no próprio caso de Caim, narrado no primeiro livro da Bíblia: "E agora maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue do teu irmão. Quando lavrares a terra, não te dará mais a sua força; fugitivo e vagabundo serás na terra" (Gênesis 4:11-12).

Abel, por sua vez, apresenta os "sinais" daquele que já opera muito além da "conquista comum" ou do "reajustamento da terra íntima" (quadros ilustrativos das expiações e provas), pois foi "pastor de ovelhas" e ofereceu a Deus "dos primogênitos das suas ovelhas e da sua gordura" (Gênesis 4:4). Para bom entendimento da função de pastor vale lembrar que o próprio Mestre foi adjetivado assim, em relação a nós, Suas "ovelhas". Quando Jesus aborda Simão Pedro, propõe a ele ser "pescador de homens" (LC 5:10), da mesma forma como também o convida a apascentar os Seus "cordeiros" e "ovelhas" (JO 21:15-17) numa alusão clara à capacidade evolutiva que o rude Cefas teria ao se entregar à Boa-nova. Abel, desse modo, após o primeiro filho de Eva, então contaminada pela proposta da "serpente" e vinculada a ela pelo nascimento de Caim (expiação por efeito do processo obsessivo então em vigor), representa a "dose da misericórdia divina" recebida no segundo filho, claramente evoluído, como investimento do Alto no crescimento e elevação do grupo familiar.

Tomando essas expressões tão ricas dos relatos bíblicos, podemos entender as referências de Paulo acerca das "obras da lei" e das "obras da fé": "Onde está logo a jactância? É excluída. Por qual lei? Das obras?

Não; mas pela lei da fé. Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei" (Romanos 3:27-28). Sob a custódia da Lei de Justiça, somos induzidos, por fatores que nos fogem ao domínio, a nos comportar contrariamente ao geralmente desejado (coerção, medo), e por isso, as "obras da lei" não justificam a criatura, e Deus não atenta para essa oferta (Gênesis 4:5). É ainda Paulo quem explica o assunto: "Porque, tendo a lei a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam" (Hebreus 10:1-5). Se, no plano religioso tradicional, oferendas não resolvem os problemas morais das pessoas, do mesmo modo as reencarnações, que não recebem um componente espiritual diferenciado, para fomento de renovação moral da alma, continuam a ser uma mera extensão dos vícios e das fugas, que se sofisticam no plano interno dos seres. É o que está simbolizado na besta apocalíptica, que guarda o número "666", ou seja, repete sistematicamente os mesmos vícios (Apocalipse 13:6, Apocalipse 13:18).

Na contramão, identificamos as "obras da fé" como expressão de evolução consciente, em que o conhecimento de ordem superior é aplicado com determinação por aquele que aprendeu a discernir saindo do ramerrão "bem e mal" para separar o "melhor" do "menos bom". Os Espíritos que orientaram Kardec deixaram bem claro que a Doutrina Espírita é meio, é instrumento, que habilita os homens a buscarem o perfeito entendimento da Mensagem cristã, com seu poder libertador.

É exatamente isso que o Apóstolo da Gentilidade expõe na sua vigorosa Epístola aos hebreus: "Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção" (Hebreus 9:11-12).

Fé raciocinada é sinônimo de autonomia moral-espiritual. É por esse mecanismo que o Evangelho de Jesus, conhecido e meditado, passa a ser sentido e vivido pelo coração que a ele se converte e torna-se irradiador legítimo dos bens divinos.