As Chaves do Reino

CAPÍTULO 13

OLHOS DE VER E OUVIDOS DE OUVIR - A CURA DOS CEGOS



Se é fato que o instinto patrocina de modo seguro a caminhada do Espírito, que se revela simples e ignorante na primitividade, à medida que esse instinto passa a ser substituído pela inteligência - quando as existências físicas apresentam-lhe desafios e proposições mais elaborados, de natureza moral –, o ser que pensa e sente é impulsionado a agir com habilidade e senso psicológico, a fim de não se perder nos cipoais dos vícios, dos erros, que lhe acarretariam sofrimentos e dores.

O despertamento mental da criatura humana passa por diversas fases e enfrenta o "peso" da responsabilidade, que, naturalmente, assume ao avançar no domínio de suas forças intrínsecas e pelo comando do meio ambiente em que se insere. É exatamente isso que a "Parábola do servo vigilante" propõe com sabedoria, para nos advertir sobre o imperativo da vigilância: "E, a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou, muito mais se lhe pedirá" (LC 12:35-48).

Dos sentidos que o homem desenvolveu como "janelas" de interação entre o mundo externo e o mundo interno, a audição e a visão guardam peculiaridades muito especiais, citadas no Antigo e no Novo Testamento ("olhos de ver" e "ouvidos de ouvir" - IS 42:18; MC 8:18; AT 28:26-27).

São recorrentes, nas passagens evangélicas, afirmativas como "ouvistes", "ouvi", "vede", "veem" etc. Isso porque, na caminhada da evolução, os sentidos guardam uma função determinante para fixação de registros que se somam no tempo, formando um piso de entendimento e sensibilização. Quando ricos, bem conjugados, tais registros autorizam um "salto" de percepção, de legítima compreensão dos temas da vida, permitindo a denominada "síntese evolutiva" sobre a qual o Reino dos Céus se instala, para gáudio da vida moral, do domínio do bom senso, da sabedoria ("Casa edificada sobre a rocha" - MT 7:24).

Todo o trabalho das reencarnações guarda o objetivo de despertar e fixar os valores que constituem a pureza, a perfeição das criaturas como meio de revelar-lhes as potências divinas herdadas do Criador e Pai. É tão sagrado esse processo de desbravamento dos próprios potenciais intrínsecos pelas vidas sucessivas (contato objetivo com a matéria), que sem ele seríamos apenas abstração, sem identidade sem dinâmica no Universo, e não poderíamos, pela lógica que hoje o Espiritismo apresenta ao mundo, compreender Jesus, quando, por exemplo, assinala: "Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos" (MT 5:43-44). Sem gradação do aprendizado, impossível edificar a consciência cósmica, quando se revelam os genuínos potenciais do amor.

É nessa base intelecto-moral que positivamos tanto o "ouvir", como auscultação profunda, a qual registra a "palavra divina", que é imanente a tudo o que existe ("Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz" - JO 18:37), quanto o "ver", que é prerrogativa de quem enxerga a verdade e se nutre, se inflama com sua beleza transcendente: "Mas bem-aventurados os vossos olhos, porque veem, e os vossos ouvidos porque ouvem" (MT 13:16). Há dois registros muito fecundos sobre "cegueira" no Evangelho, quais sejam, as curas dos cegos de Jericó (LC 18:35-43) e de Betsaida (MC 8:22-26).

No episódio do cego de Jericó, notamos que a "audição" lhe favoreceu a percepção da passagem do "filho de Davi", referência à linhagem humana de Jesus, forma simplória daquele Espírito identificar alguém com autoridade, indicando que se tratava de um cego natural por ignorância, sem maiores complicações cármicas. Demonstrou resolução para superar sua condição de limitado, ainda à margem do caminho, mas já próximo dele, quando vence as repreensões da multidão que tentava lhe impor silêncio. Clamando veementemente é atendido pelo Mestre, que lhe pergunta: "Que queres que te faça?".

E expressando objetividade em sua busca, responde: "Senhor, que eu veja". Esse relato explicita o valor do esforço consciente, quando o próprio indivíduo se autoafere e se dispõe a crescer, a avançar, com humildade e determinação.

Já com o cego de Betsaida, reconhecemos na sua cegueira uma complexidade cármica, definida por suas escolhas infelizes. Temos no texto elementos preciosos de análise, que nos ajudam a vê-lo como a maioria humana, escravizado a problemas de ordem egoística e personalista, distorcendo o plano harmônico do Universo (Ezequiel 12:2). Esse cego é "trazido" a Jesus, na contramão do que ocorrera com o de Jericó, que clamou, em iniciativa pessoal de superação. O verbo é "trazer", significando que os corações que se compadeceram dele e se valeram do poder de Jesus já estavam com o Mestre, em sintonia de propósitos. Todo o processo de atendimento do cego pelo Cristo tem significação espiritual. Tirá-lo da "aldeia" é uma atitude salvadora, a qual devemos copiar, pois o Senhor o retirou das áreas de complicação que o escravizavam, que o enfermavam, retendo-o aos vícios. A aplicação da saliva sugere a lubrificação dos olhos (remonta aos plasmas que asseguram a vitalidade dos órgãos do corpo). A imposição das mãos, como bem sabemos pela Doutrina Espírita intensifica a captação de forças renovadoras. Indagado se via alguma coisa, responde que vê os homens como árvores que andam (Jesus comparou os homens com árvores, quando estabelece que "[... ] pelos seus frutos os conhecereis" - MT 7:20). Repetida a imposição das mãos nos olhos, o cego, restabelecido, "já via ao longe e distintamente a todos", ou seja, restaurou, com toda a experiência sofrida e buscando a Luz Divina, a sua capacidade de discernimento. Note-se que Jesus o manda voltar para casa, mas o orienta a não entrar na "aldeia". É que a elevação de propósitos na vida nos retira dos "guetos" personalistas que criamos ilusoriamente, e, ao nos reencontrarmos em essência como filhos de Deus e identificados com Sua Lei de Amor, não podemos cultivar hábitos claramente nocivos e impróprios a uma vida de harmonia e paz.

Vale ressaltar que a visão profunda do homem está situada na glândula pineal, pois é a sede da mente no cérebro físico, e Jesus adverte em LC 11:34: "A candeia do corpo é o olho. Sendo, pois, o teu olho simples, também todo o teu corpo será luminoso; mas, se for mau também o teu corpo será tenebroso".