As Chaves do Reino

CAPÍTULO 19

PRIMOGÊNITO ENTRE MUITOS - FILHO UNIGÊNITO - A SEGUNDA VINDA



No processo evolutivo, em que o Espírito simples e ignorante passa a se experimentar para revelar, em seu mundo interno, as potências herdadas do Criador, então desconhecidas dele próprio, vamos identificando os componentes circunstânciais a lhe formarem a "ambiência" física e espiritual, para que sua emancipação consciente se realize com naturalidade.

Observamos, assim, não somente o meio físico, que é o berço inarredável de seu despertar consciencial, ponto de partida para acionamento dos valores intrínsecos e dormentes de seu psiquismo ainda embrionário mas, igualmente, o meio "psíquico", definindo sua interação mentoemocional com os semelhantes, dentro do regime universal da interdependência. É essa dinâmica interativa que assegura o fluxo do progresso, por induzir e desafiar, permanentemente, os seres que comungam necessidades e conquistas.

A "primogenitura" expressa, no plano do progresso humano, aqueles padrões até então desconhecidos, que enfeixam possibilidades maiores, marcando um passo substancioso nos terrenos da evolução.

Adão, como figura emblemática no estudo da "criação" terrena, é o primeiro homem, dentro de uma síntese que noticia a conquista do despertamento mental humano, quando o organismo se apresenta após longo e laborioso processo de aperfeiçoamento, à altura do tentame, que seria a "humanização". É, em símbolo, o "primogênito" no contexto da humanidade, embora expresse uma raça que alavancará o crescimento humano.

Quando analisamos a primogenitura de Jesus Cristo, encontraremos um "salto" no plano da evolução intelecto-moral da humanidade: "E quando outra vez introduz no mundo o primogênito, diz: E todos os anjos de Deus o adorem" (Hebreus 1:6). Após todos os labores de formação de povos e culturas, com notas decisivas das revelações trazidas para formação de uma mentalidade moral entre os povos com destaque para a Revelação da Justiça, com Moisés e os profetas o Cristo, que é a "missão" de Jesus entre os homens, instaura, na denominada "primeira vinda", o que ficou codificado pelo próprio Mestre: "Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz mas espada" (MT 10:34).

Considerando que o novo, o desconhecido incomoda e ameaça os padrões vigentes e acomodatícios, a vida de Jesus, com seus ensinos de natureza sublimada, estabeleceu uma "guerra", ou conflitos no mundo porque a sua "palavra" é aquela "espada", que fere e desarticula o pseudopoder, a ilusória estabilidade dominante (notadamente inferior personalista). Portanto, num primeiro momento, ou seja, na primeira vinda, Jesus, então "primogênito" (o primeiro entre muitos que o seguirão), vem separar, e não unir (Sua Luz e Seu padrão moralmente superior a tudo o que existe desmontam sistemas de interesse pessoal ou de grupos, porque é a universalidade do Amor, que implanta discernimento e elevação de propósitos). Foi o que Paulo explicou em sua Epístola aos romanos: "Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos" (Romanos 8:29). A obra do Evangelho passa por duas fases distintas. Primeiramente a "primogenitura", que responde pela "instauração" de novas bases morais (Verbo Divino, Luz do mundo - JO 1:1-4), de modo que "[... ] a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus" (JO 1:12). Esse processo de "iniciação" divina não se dá sem luta, sem "morte", naquele sentido de desativar o "homem velho" para que o "Filho do homem" tenha primazia e vigor na gestão das possibilidades da criatura em evolução. Se há perseverança (MT 24:13), que é condição sine qua non para a justa compreensão da próxima etapa, que consolida o mérito do indivíduo perante a própria consciência e em Deus, alcança-se, então, o âmago do que Jesus propõe aos homens, dando-se ele mesmo por amor - a "unigenitura": "Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por ele vivamos" (1 JO 4:9).

Quando João assinala que "Deus nunca foi visto por alguém; o Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse o fez conhecer" (JO 1:18) encontramos o fundamento da Verdade no Amor, o qual unifica todas as propostas numa única expressão universal (JO 1:14; JO 3:16). O princípio da reflexão aí se estampa, com sublime beleza ("A mente é o espelho da vida em toda parte", ensina o benfeitor Emmanuel, na obra Pensamento e vida, pelo médium Francisco Cândido Xavier).

Na primeira vinda, "sintonizamos" Jesus, que nos revela Deus, mas é pelo esforço de superação que identificamos o "Cristo", e com ele nos "afinizamos", para amar como o Senhor nos ama.

Pelo entendimento da "unigenitura", vamos compreender o que significa o "Espírito de Verdade", que nos legou a Revelação Espírita.

Sob essa insígnia, todos os Espíritos que alcançaram esse padrão de entrega ao Cristo, em testemunhos repetidos na carne (condição para se alcançar autoridade moral inquestionável no Universo), passam a compor a plêiade, que sob esse nome se apresenta aos que remanescem em lutas depuradoras no mundo. No entanto, também Jesus, que é a maior autoridade espiritual que já pisou no solo terreno, igualmente recebe esse nome, pois reúne, em seu seio puro e imaculado, todas as virtudes que esse conjunto de entidades espirituais redimidas representa. É por esse motivo que as mensagens do "Espírito de Verdade" aparecem na obra da Codificação tanto no singular (Jesus falando), quanto no plural (Espíritos sublimados falando em nome do Mestre).

Assim, a "segunda vinda" do Cristo não é fenômeno externo, de natureza física, como geralmente é interpretado pelas concepções materializadas de fé das igrejas ainda distanciadas da essencialidade dos Evangelhos. Trata-se da efetiva conversão do coração humano às realidades do amor caridoso que tange a vida eterna e não mais fragmentária, por efeito das ilusões da matéria: "Porque, assim como todos morrem em Adão [necessidade de reencarnar para se depurar espiritualmente], assim também todos serão vivificados em Cristo [obras da fé raciocinada, quando pelo próprio esforço o indivíduo se supera e encontra no amor o seu clima de felicidade, sem ilusões]. Mas cada um por sua ordem: Cristo as primícias [primogenitura, revelando a Verdade], depois os que são de Cristo, na sua vinda [corações convertidos ao amor, em franco exercício de fraternidade - Jesus voltando em obras e testemunhos através daqueles que O amam]" (I Coríntios 15:22-23; JO 3:15-21).