Quando se reflete sobre o princípio universal da Justiça, exarado no "a cada um segundo as suas obras" (I Pedro 1:17), podem-se depreender dos acontecimentos as causas de suas manifestações, e isso é muito instrutivo para todos os que desejam se movimentar pelas experiências humanas sem as amarras cármicas e obliterativas do remorso, da culpa, do arrependimento.
À luz dos estudos sobre evolução espiritual que o Espiritismo disponibiliza para o mundo, com harmonia e lógica impecável, não somente passamos a entender a respeito da cadeia de vida que segue do "átomo ao arcanjo", dentro de uma Lei toda de solidariedade e interdependência, formalizando a "unidade divina" - sinônimo de "determinismo essencial" na "diversidade anímica", em que comparece o "livre-arbítrio" –, mas também nos capacitamos a estudar a condição das almas, das simples e ignorantes às iluminadas pela Verdade de Deus.
Graficamente, poderíamos, com a ajuda de símbolos, estabelecer uma reta na vertical e imaginar, na horizontal, os traços mais bizarros, que no entanto, obrigatoriamente, por nascerem do traço original, cruzamno em órbitas diversificadas, mas sempre retornando à reta original como se dela dependessem para outras orbitações na horizontal das experiências, até que, saturadas das tentativas contrárias, volvessem à sua origem, somando com o traço vertical.
Se os Espíritos simples aprendem os rudimentos da vida em movimentos regulados pelos instintos herdados da Natureza (os instintos sintetizam no psiquismo rudimentar dos primeiros homens os automatismos elaborados nas fases em que, na condição de Princípios 1nteligentes, os mesmos estagiaram nos reinos anteriores ao homem - mineral, vegetal e animal), tudo o que eles fazem representa uma indução ao conhecimento das coisas. É a fase em que aprendem a "dar nome às coisas" (Gênesis 2:19-20), uma vez que "quando não se conhece a lei, o que se faz é lei" (Romanos 2:14). Por esse motivo essa condição espiritual caracteriza o "servo comum" das passagens evangélicas, aquele que necessita de instrução e que nem sempre tem iniciativa, não demonstra muito zelo pelas coisas que não são suas e ocupa-se quase que exclusivamente do seu interesse (é uma fase de proeminência do ego, pois o elemento se sente o centro do universo, e não possui visão dilatada, por ausência de experiências reencarnatórias em múltiplos sentidos). Eles são citados nos Evangelhos: "Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome!" ("Parábola do filho pródigo" - LC 15:17); "Qual é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o Senhor pôs sobre os seus servos para lhes dar a tempo a ração?" ("Parábola do servo vigilante" - LC 12:42). Apenas executam o que lhes é ordenado e necessitam ser guiados. Representam a "massa" humana, sem discernimento e sem juízo próprio. Note-se que a mesma turba, a qual recebeu Jesus com palmas à entrada de Jerusalém, foi a que também pediu sua crucificação no lugar de Barrabás.
Os "falsos profetas" não fazem parte dessa "massa", mas são aqueles que usam dela, da mesma forma como os judeus do Sinédrio fizeram para armar a morte de Jesus: "Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores" (MT 7:15). Falso profeta é sinônimo de "enganador", que usa de ardis, de sofismas, de sagacidade, lembrando a serpente do Antigo Testamento e o próprio dragão do Apocalipse (o dragão é a serpente que "engordou" no tempo, ou seja, a iniquidade e a habilidade para enganar e para trair foram sofisticadas, multiplicandose na sociedade). Se eles existem na figura dos obsessores e dos homens corruptos e viciosos, que, não somente na religião, mas na política e em todas as áreas de realização humana, pervertem os valores do bem e da consciência, temos o dever de identificá-los em nosso mundo íntimo naqueles sentimentos mesquinhos, ambiciosos em demasia, ciumentos e invejosos sem controle. O Espírito Emmanuel assinala, através de Francisco Cândido Xavier: "Sentindo, pensas. Pensando, realizas". Por efeito dos maus sentimentos, as ideias tornam-se sinistras e os crimes são praticados. Assim, o "falso profeta" é característica de todo aquele que, conhecendo a Luz, opta pela treva; que, sabendo o caminho do bem, prestigia o do mal.
Quando Jesus cita, na "Parábola do servo vigilante", a posição do "mordomo fiel e prudente", Ele assinala uma grande conquista do Espírito no plano da evolução, uma vez que essa condição de mordomia com fidelidade e prudência é que define o "servo qualificado", pois ele já apresenta discernimento e pode ser utilizado pela vida, pela sabedoria das circunstâncias, a fim de favorecer o aprendizado de seus semelhantes em posições diversas, e mesmo consolá-los em suas provas e desafios cármicos. Como exemplo dessa posição de "mordomo", temos os discípulos de Jesus, enquanto aprendiam ao lado do Mestre os fundamentos da vida universal e o que era vontade de Deus, pelos exemplos daquele autêntico Filho do Grande Pai: "Bemaventurado aquele servo a quem o senhor, quando vier, achar fazendo assim" (LC 12:43). "Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida". Assim, em sua Primeira epístola, João Evangelista nos ensina o caminho da redenção espiritual (1 JO 5:12). O Evangelho é a herança que Jesus, o Filho de Deus, nos legou. Sua aplicação significa "ter o Filho de Deus" em nós. Jesus é "o primeiro entre muitos irmãos" (Romanos 8:29), pois ele iniciou a humanidade no Amor do Pai para que todos vivessem em plenitude, e não mais como réprobos e desviados da Luz: "Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece" (JO 3:36). Paulo de Tarso nos explica que "o Evangelho isenta-nos da lei" (Gálatas 4:4-5), ou seja, a prática do amor, no seu sentido caridoso, nos tira da regência da Lei de Causa e Efeito, pois não mais somos servos inconscientes e caprichosos, passíveis de sofrer o triste efeito das escolhas mal feitas, mas Filhos do Pai e Criador partícipes de Sua glória, revelada a todos nós nos planos da consciência e pelos exemplos de Jesus Cristo.
E se essa condição de filho de Deus já nos assinala, uma vez que temos cumprido a Lei e andado com vigilância e zelo pelo patrimônio moral já adquirido - o que se nos torna conquista divina, a nos projetar ao Reino dos Céus –, a chancela definitiva desse estado de Filho do Altíssimo se concretiza quando adentramos os círculos dos servidores do Cristo: "Porque o que é chamado pelo Senhor, sendo servo, é liberto do Senhor; e da mesma maneira também o que é chamado sendo livre servo é de Cristo" (I Coríntios 7:22). Para clareamento do assunto observemos que na Terra há excelentes religiosos e espiritualistas que realmente se privam voluntariamente de confusões, preservandose moralmente. Identificamo-los no passado remoto como grandes filósofos e abençoados mensageiros de ideias brilhantes, os quais exercitaram desprendimento e ensinaram castidade. Existiram em todos os tempos, mesmo após o advento do Cristianismo, e fundaram mosteiros, conventos e igrejas, levantaram obras e deram mostras de grande ascetismo, de muita devoção. São Filhos de Deus em trabalho no mundo. Existem, porém, os "servidores do Cristo", que são os dinamizadores daquele amor santo e imaculado, os quais, em contato com as misérias humanas, tudo fazem por levantar seus semelhantes.
Fazem-se servos, sendo livres, e mesmo livres, são servos do Cristo seguindo os passos de Jesus: "Porém o maior dentre vós será vosso servo" (MT 23:11).