Admirável é o plano do progresso que se estende pelo infinito da vida universal, mesclando condições aparentemente díspares e contrárias umas às outras, para delas retirar a genuinidade do saber e do ser.
Muito se cogita em "ser", e as escolas religiosas e espiritualistas da história têm formado expoentes que operam, de fora para dentro, num enaltecimento das disciplinas rígidas e negadoras do todo ambiente até mesmo dos semelhantes, que se diferem em escolhas e condutas.
Para "ser", é imprescindível "estar", pois é do testemunho paciente e humildade de coração, junto dos semelhantes e nos contextos formulados pelas circunstâncias que vêm de Deus, que brota o "Filho do homem", na feição das mais substanciosas transformações operadas de "dentro para fora", consoante Jesus demonstra em todas as passagens de Seu Evangelho redentor.
A dualidade depreendida das experiências terrenas (dia e noite frio e quente, frente e verso, bem e mal etc.) guarda sua gênese no próprio processo de formação do planeta ("Estas são as origens dos céus [mundo espiritual] e da terra [mundo material], quando foram criados" - Gênesis 2:4), e a reencarnação reafirma essa realidade quando o Espírito toma o corpo físico e se apaga, com fins específicos no quadro de seus aprendizados e de suas provas. É exatamente isso que a obra da Codificação Espírita explicita, ou seja, na vida espiritual a alma pode aprender muito, mas é no retorno ao campo físico que testemunhará seus anseios de elevação e aprimoramento, triunfando para usufruto de suas conquistas morais.
Compreendendo que no processo de evolução espiritual há fases de ignorância, de relativo saber e de certezas divinas, natural que os seres se comportem diversamente e interpretem os fenômenos da vida de acordo com suas aquisições íntimas. Assim, há informações que podem não ter um sentido prático para muitos, e há posturas que soam verdadeiras aberrações para outros mais sensíveis e mais despertos.
Quando Jesus fala sobre o joio e o trigo, numa de suas belas parábolas Ele se reporta a esta dualidade "espírito-matéria", ensinando que devem crescer juntos, até o momento da ceifa (MT 13:24-30): "Deixai crescer ambos juntos até a ceifa; e, por ocasião da ceifa direi aos ceifeiros: Colhei primeiro o joio, e atai-o em molhos para o queimar; mas, o trigo, ajuntai-o no meu celeiro". Se o joio nos remete ao personalismo, filho dileto do egoísmo humano, o trigo guarda aquela natureza depurada, pelo que representa em utilidade e nutrição. O mundo é, na definição do Mestre, "o campo" em que as experiências de despertamento espiritual e de fixação de valores imortais se dão, e compara os filhos do Reino com a boa semente (verdade e amor), tanto quanto diz que os filhos do maligno são o joio (obras contrárias ao bem universal, frutos do interesse pessoal e egocêntrico). A imagem da "queima" do joio em molhos é um símbolo perfeito de quintessenciação de purificação dos propósitos alimentados e vivenciados erroneamente.
É esse aprendizado que retiramos dos fogaréus dos remorsos e das culpas instituídos, que nos remetem à Verdade, predispondo-nos graças ao arrependimento, a um novo padrão de vida íntima. João Evangelista bem define o contexto de nossas lutas entre "as ilusões que salteiam a inteligência" e a Verdade expressa por Deus, através de Jesus: "Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo está no maligno" (1 JO 5:19). É que o plano material expressa a "morte" das potências do Espírito, por efeito do esquecimento do passado. Mas funciona por desarticulador de desajustes e de fixações complexas da alma, permitindo à criatura um "recomeço" sem perda de conteúdos para efetiva renovação de estados íntimos ante o porvir.
Quando Paulo escreve o seu poema sobre a excelência da caridade argumenta com beleza e precisão sobre nossa dualidade evolutiva na Terra: "Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos" (I Coríntios 13:9). Com base nas experiências vividas e somadas pelas reencarnações (neste ponto, temos de considerar não somente a intuição de conteúdos vividos em outras existências, que brotam de nossa alma quando as circunstâncias favorecem a emersão dessas forças e habilidades, já de algum modo trabalhadas anteriormente mas também no contexto social, em que as heranças experimentais humanas de muitas épocas nos situam em patamares diferenciados de progresso, se comparamos o nosso hoje com o pretérito mais rude e mais fechado, em todos os sentidos), cada um de nós vai distinguindo coisas e pessoas, sua natureza e tendências. Podemos dar notícias dos rudimentos espirituais e morais de tudo, mas ainda somos acanhados em relação à compreensão da vida, além dos véus. Daí a importância da proposta "profetizar", que requer sintonia com o Alto tendo por alicerce o que já conhecemos. É por esse mecanismo que a fé torna-se instrumento de elevação do indivíduo, pois, carreando consigo a percepção de forças e ideais já trabalhados, torna-se capaz de se projetar no tempo e no espaço, para alcançar, no plano de sua sensibilidade anímica, as certezas que desafiam os mais acanhados nesse processo: "Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem" (Hebreus 11:1).
Quando Pedro vislumbra no Senhor "o Cristo, o Filho de Deus vivo" (MT 16:16-17), ele o faz por efeito de profecia: "[... ] porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus". Em seguida, quando ele se opõe ao testemunho de Jesus, é tido pelo Mestre como "instrumento de Satanás". Nessa hora ele aplica o outro lado que "conhece", segundo sua natureza humana - o ego. Nessa circunstância se revela a dualidade, o embate entre o "homem velho" e o "Filho do homem". Como resultante dessa luta, que na Terra guarda o nome de "expiações e provas", surgirá a "Regeneração".