Toda a vida de Jesus no plano físico, utilizando a implementação de carne, expressa o movimento harmônico do Amor puro e perfeito, em didática irretocável para edificação da mentalidade humana, visando o grande porvir.
As ações e reações do Mestre são marcos sublimes a nos propor não somente o despertar da consciência, mas a elevação de níveis evolutivos, e são capazes de inspirar corações das mais diversificadas condições morais, desde os que se mostram na infância do Espírito até os mais destacados no plano das experiências somadas. Poderíamos afirmar, em analogia, que a obra de Jesus em Seu Evangelho redentor resume todas as pautas possíveis de progresso, em escalas que vão da elementar aos apogeus do refinamento, como ocorre na música.
Por isso, os que possuem "olhos de ver" e "ouvidos de ouvir" - os dotados de senso moral (MC 8:18; AT 28:26-27) - sabem extrair dos acontecimentos e dos ensinos do Mestre a poesia da vida, jamais desprezando as condições dos ensinos, as posturas dos circunstantes e, especialmente, os exemplos do Senhor.
Podemos, por exemplo, nos contentar apenas com a informação histórica de um momento da vida do Cristo, quando lemos em Mateus: "E, despedida a multidão, subiu ao monte para orar à parte. E, chegada já a tarde, estava ali só" (MT 14:23). Contudo, se há interesse em adentrar "o espírito da letra", o estudioso dedicado fixará os termos que exprimem condição, lugar, tempo etc. "Despedir a multidão" pode nos induzir a reflexionar sobre os muitos pensamentos e emoções que nos ocupam a mente, o coração, a alma. E não será exatamente "despedindo" essa multidão de inquietudes e preocupações que nos permitiremos "subir ao monte" da elevação de propósitos para "orar" em sintonia com Deus, com o que é superior, projetandonos ao nosso "superconsciente"? Mas, para conseguir esse feito significando mudança de padrão vibratório, precisamos analisar o tempo - "chegada já a tarde, estava ali só", ou seja, fim do dia, final de ciclo de movimentação –, sem o que não teríamos as experiências que nos ilustram e desenvolvem os sentidos mais apurados. Toda grande conquista é sempre a resultante de muito esforço, de buscas de experimentações. Em MC 6:47, de forma semelhante é relatado que, "sobrevindo a tarde, estava o barco no meio do mar, e ele sozinho em terra", o que noticia outro final de dia em que os pescadores, no barco, pelejavam sem êxito para retirar do "mar" os peixes. É quando ele "anda sobre as águas do mar", nos permitindo compreender, com isso, que o "Filho do homem", sinônimo de renovação espiritual é "senhor", e não escravo, e, dessa forma, domina todas as coisas e orienta os passos de quem sofre a própria miséria ou ignorância.
Nas experiências cristãs, "subir ao monte" significa elevar-se depurando tendências e objetivos; ver "chegar a tarde" é alcançar os momentos culminantes das etapas de aprendizado, que podem ser as das expiações e provas, como igualmente as dos testemunhos lúcidos e eminentemente morais. Porém, nada disso teria vez sem o "mar" que configura nas lições do Evangelho "as lutas existenciais no plano físico". É no "mar da vida física" que o Espírito prova suas deliberações íntimas, podendo soçobrar, se segue sem orientação adequada e sem as disciplinas salvadoras, ou triunfar na "colheita" dos frutos que lhe interessam ao progresso, como podemos averiguar na passagem da "Pesca maravilhosa": "E, entrando num dos barcos, que era o de Simão, pediu-lhe que o afastasse um pouco da terra; e, assentandose, ensinava do barco a multidão" (LC 5:3). O Evangelho narra a experiência de Pedro, pois o "Cristo" - a proposta divina que Jesus trazia ao mundo - entra no "seu" barco, quer dizer, nas estruturas que aquele discípulo já dispunha para singrar as experiências da vida física. Afastar-se um pouco da terra é indispensável, porque se a criatura se nutrir exclusivamente do que abunda na Crosta será incapaz de perceber o que vem do Alto, em seu socorro. Se deve afastar-se um pouco, não pode, todavia, perder contato, pois é nesse território (íntimo ou exterior, no campo social) que terá o "material" de seu trabalho. Por exemplo, se não tivermos o princípio da vaidade e do orgulho, não nos interessaríamos em nos cuidar, e nos faltaria estímulo para as operações reencarnatórias. Nesse aspecto vale relembrar um ensinamento do Antigo Egito, que muito nos ajudou na última reencarnação: "Mata a ambição, mas vive como os ambiciosos". Jesus em nós é a proposta do "superconsciente", captada pelos recursos da intuição ou da percepção mais aguçada, oriunda do "futuro da raça", o qual o Mestre configura para toda a Terra, e, por ser "autoridade moral", ele se assenta, mostrando domínio do que propõe para ensinar à multidão de nossas necessidades. É isso o que ocorre quando o denominado "juízo" chega ao nosso mundo íntimo, através da conscientização, pois, revelando nossa abertura mental para a Verdade, submete ideias e emoções que tínhamos como meta, como vida, vigentes até esse nosso despertar.
Existe, na continuidade da narração (LC 5:4), um termo que nos merece muita atenção: "Faze-te ao mar alto". Esta expressão tem um significado todo especial para nós que estamos, à luz do Consolador laborando nosso futuro espiritual, tendo como matéria-prima as experiências com os semelhantes, pois são eles a geratriz do "homem novo", que desejamos ser. Esse "faze-te ao mar alto" é um convite do Mestre às experiências mais intensas, em que vamos nos expor e sair da marginalidade ou da superficialidade: "E digo-vos que todo aquele que me confessar diante dos homens também o Filho do homem o confessará diante dos anjos de Deus" (LC 12:8). Essa proposta tem um objetivo, qual seja, colher os frutos da pesca que realizávamos de outro modo, "à noite", sem orientação e sem proveito: "Mestre havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos". Isso equivale a dizer: "Mestre, agimos segundo nosso personalismo, de acordo com nossos desejos e ambições, mas nada apanhamos e sofremos"! Esse relato das reflexões de Pedro diante do que Jesus propunha é o que ocorre conosco quando estudamos o Evangelho, para resgate de nossa alma então falida nos interesses primários e viciosos de um mundo todo de ilusão. Daí a beleza moral do texto, quando lemos: "[... ] mas sobre a tua palavra, lançarei a rede. E, fazendo assim, colheram uma grande quantidade de peixes, e rompia-se-lhes a rede" (LC 5:5-6).
A identificação pessoal com o Cristo de Deus nos assegurará sempre a abundância da vida, porque é pela entrega pessoal aos trabalhos de iluminação, da caridade, da fraternidade, sob a tutela do Evangelho ainda que não colhamos de pronto os frutos da compreensão alheia da adesão dos outros, de seu reconhecimento, que efetivamente seremos felizes.