O estudo doutrinário espírita, aplicado às parábolas e ensinos do Novo Testamento, torna inteligíveis e dinamicamente ativos todos os lances da sabedoria e do amor do Cristo em Sua missão no mundo. Se o Espiritismo inaugurou a mais completa abordagem psicológica do ser imortal na Terra, seu escopo é confirmar e explicar o Evangelho, para o devido equacionamento intelecto-moral da comunidade humana, tendo em vista uma nova era - a Regeneração –, na qual a fé raciocinada e a evolução consciente terão vez, determinando o fluxo das ocorrências num padrão muito superior ao que conhecemos até aqui.
Jesus, em suas atitudes e através de seus ensinos, foi e continua a ser um imenso desafio para os corações terrenos, ainda escravizados aos sistemas existenciais do planeta. Tanto é que as interpretações de Sua Mensagem, operadas pelos homens, com algumas exceções, são tendenciosas, e geralmente obedecem aos preconceitos vigentes em cada época de nossa civilização. Encontramos, por exemplo, os que se horrorizam ante a passagem da figueira que secou, quando os incautos apreciadores destacam a aparente rudeza e até crueldade do Mestre ao "amaldiçoar" uma planta que ele próprio sabia estar fora da época de produção. Mas o assunto, à luz dos estudos doutrinários espíritas ganha contornos especialíssimos, pois é um estudo do movimento renovador de nossas estruturas psicológicas pela influência decisiva da Boa-nova: "E, vendo de longe uma figueira que tinha folhas, foi ver se nela acharia alguma coisa; e, chegando a ela, não achou senão folhas porque não era tempo de figos" (MC 11:13).
Como já vimos em capítulos anteriores, a figueira brava não produz fruto e é conhecida também por sicômoro. Este arbusto rude é o símbolo das almas que ainda operam regidas pela Lei de Causa e Efeito, sendo que, pela Lei, não há produção de frutos, como ocorre na figueira boa expressando as individualidades já conscientes de Deus e das Leis da Criação, operando no amor e na caridade - os frutos substanciosos de sua evolução positivada no bem. Essa passagem é uma verdadeira parábola, e remonta à maldição que está definida no primeiro livro de Moisés (Gênesis 3:17-19; Gênesis 4:12), quando Caim (filho maldito de Eva e Adão, então desviados do roteiro da luz, porque voltaram a cair nas malhas da Lei - expiação) é obrigado a "trabalhar a terra", com o "suor de seu rosto", justamente por consequência de sua interação com Eva e Adão, colhendo "espinhos e cardos" (processo de resgate cármico, após delitos cometidos e administrados pela consciência - reencarnação expiatória). Essas operações, que funcionam por recomposição moral dos seres, não guardam expressão de mérito no Universo, pois se trata de escolhas infelizes, que correm por conta do indivíduo, nada obstante o apoio da misericórdia do Pai, que "usa o tempo e não a violência". Por esses resgates, o indivíduo se perdoa e volta a respirar o clima da espontaneidade na vida, para então retomar o caminho que leva ao amor, quando não mais haverá limite personalista para as operações evolutivas.
Remontemos à origem do tema, com Adão e Eva: "Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais" (Gênesis 3:7). Tudo o que se colhe da "figueira brava" diz respeito à Lei, que é impositiva no "a cada um segundo as suas obras" (Apocalipse 2:23). Quando Adão e Eva se veem nus, o que significa sem obras, sem "poupança", sem reservas, sem cobertura, em aspecto moral, tornam-se reféns dessa Lei já estampada em suas consciências, e a culpa então se instaura.
Conforme estudamos no Espiritismo, o meio de responder pelos nossos delitos e crimes, cometidos por deliberação própria, quando já poderíamos estar em outro nível de realização com Deus, é o processo reencarnatório, que funciona por verdadeiro perdão do Criador a Seus filhos, se Deus pudesse perdoar (sendo o Amor supremo e inalterável o Pai ama, e jamais se altera, não necessitando perdoar). É o que os livros sagrados ensinam: "Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e vagabundo na terra, e será que todo aquele que achar me matará" (Gênesis 4:14). Aqui se estuda o processo de desencarnação de Caim, sua tomada de consciência como Espírito livre, inclusive programando a próxima reencarnação com o esquecimento do passado ("da tua face me esconderei"), mas carregando a maldição que ele próprio lançou sobre si ("serei fugitivo e vagabundo na terra, e será que todo aquele que me achar me matará").
Paulo igualmente escreveu uma bela síntese sobre o assunto: "Pelo que, entrando no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me preparaste" (Hebreus 10:5). Tomar das folhas da figueira que não produz frutos e cosê-las, para fazer para si aventais, é bela simbologia a dizer da submissão deles à Lei, que oferece meios rudes para seu resgate: "O que guarda a figueira comerá do seu fruto; e o que vela pelo seu senhor será honrado" (Provérbios 27:18). Para culminar nossa apreciação sobre a figueira, expressão rude da Lei, observemos que, quando o Evangelho chega, ela seca até a raiz, pois "o amor cobrirá a multidão de pecados" (I Pedro 4:8).
Através desse estudo das tendências humanas e das operações da Lei de Causa e Efeito, podemos compreender o significado das "cavernas e rochas", existentes nas estruturas da Terra e em nossas reentrâncias íntimas: "Então os homens se meterão nas concavidades das rochas, e nas cavernas da terra, por causa da presença espantosa do Senhor e por causa da glória da sua majestade, quando ele se levantar para assombrar a terra" (IS 2:19). O conhecimento da Lei, que revela o poder de Justiça do Criador, instaura nos personalistas e viciosos os mecanismos das fugas e dos estados culposos, estabelecendo as "aberrações" morais que temos visto na história, desde os Espíritos denominados "dragões" - que criam, nas profundezas dos umbrais reinos estranhos para domínio das criaturas incautas e culpadas, a título de expiação, em que suas relações demonstram o entrosamento de corações afins pelos crimes cometidos –, tanto quanto por dentro de nós mesmos, nas facetas múltiplas das personalidades já vividas em incontáveis reencarnações, formando, em nossa intimidade, o mundo em que nos estribamos para projetar desejo e vontade, ações e reações: "E os reis da terra, e os grandes, e os ricos, e os tribunos, e os poderosos e todo o servo, e todo o livre se esconderam nas cavernas e nas rochas das montanhas" (Apocalipse 6:15). O processo evolutivo se mostra tão diverso quanto são diversas as probabilidades existenciais dos seres mas tudo se depura no tempo pela força onipresente do Amor de Deus: "E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória" (I Coríntios 15:54). Sob o domínio da Lei, toda expressão personalista é passível de desativação, definindo a "morte do homem velho", mas, quando a identidade com o que é Divino - a Verdade cósmica, estampada no Evangelho do Senhor - dominar, essa "morte" será "tragada" pela vitória do coração que ama.