As Chaves do Reino

CAPÍTULO 33

A NINGUÉM SAUDEIS - BASTA A CADA DIA O SEU MAL - MOVEU-SE DE ÍNTIMA COMPAIXÃO



Quanto mais nos sintonizamos com as Verdades Divinas, através dos estudos e das reflexões em torno da Doutrina Espírita e do Evangelho de Jesus, mais adentramos, pelo entendimento, o âmago das questões evolutivas que nos desafiam e nos provam, dia a dia.

Esses estudos continuados, realizados a sós ou em grupos de companheiros nos ambientes da Casa Espírita, nos capacitam a ver e ouvir, no plano interno, os valores que libertam, que harmonizam que convertem nossa mente e nosso coração, ainda irrequietos e voluntariosos, aos planos sábios do Criador, os quais se valem do tempo e da somatória de circunstâncias para alcançarem o Espírito ainda envolto pelas ilusões da matéria.

O grande desafio é adquirir a denominada "visão de conjunto", sem a qual o indivíduo permanece na ótica relativa de suas experiências brigando com pessoas e situações por interpretá-las como "inimigas" ou "opositoras" de sua felicidade, quando, em verdade, são chaves libertadoras de seu progresso. Essa escravização aos próprios critérios, sem a visão maior da vida, segundo nos propõe a Doutrina dos Espíritos e a Boa-nova, nos torna infelizes, e é capaz de massacrar os nossos sonhos e nossas prerrogativas. Isso é o que Paulo denomina "obras da lei": "Por isso, nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado" (Romanos 3:20).

Quando, na caminhada evolutiva, a criatura muito presa aos próprios critérios, incapaz de alongar a visão da mente pelo conhecimento das realidades espirituais já reveladas a nós pelo Evangelho redivivo, se enrijece e começa "[... ] a espancar os criados e criadas, e a comer, e a beber, e a embriagar-se" (LC 12:45 - "Parábola do servo vigilante") quer dizer, a se indispor com pessoas e situações, revelando inconformação íntima e incapacidade de administrar valores de compreensão, humildade, renúncia, boa vontade, solidariedade e respeito à diversidade evolutiva, não somente fere os semelhantes com sua impertinência e rigidez, mas se alimenta do próprio veneno, "embriagando-se" do que não pode libertá-la de si mesma.

Observemos, então, a proposta de Jesus a todos os seus discípulos já visitados por Sua Mensagem, quando adverte: "[... ] e a ninguém saudeis pelo caminho" (LC 10:4).

Dispostos a subir o monte da elevação, através do conhecimento superior, não podemos parar o passo e adentrar dificuldades cristalizadas, nossas ou dos outros, porque é pela ação consciente e caridosa, num plano maior de percepção da vida, que desativaremos esses nós da evolução pessoal e coletiva. Por isso, Jesus afirmou à mulher siro-fenícia: "Não é bom pegar no pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos". Essa mulher, que se afligia pela filha "endemoninhada" segundo a narrativa de Levi, ao chegar, "adorou-o, dizendo: Senhor socorre-me" (MT 15:25-26). Abordando isso, não queremos dizer que não se deve fazer o bem, mas é preciso saber fazer bem, para que ele não se torne um "laço de tropeço" para quem o faz, e esse voluntarioso coração interfira indevidamente, agravando o quadro do interessado e naturalmente suas responsabilidades. Geralmente isso ocorre quando a vaidade e a presunção ditam as normas para a criatura então se considerando superior. É por esse caminho que ditadores escravizam pessoas, que vilões do poder público e das religiões viciam seus seguidores, desviando-os da simplicidade e dos sentimentos nobres, que pais mutilam emocionalmente seus filhos, que cônjuges se massacram mutuamente entre sadismo e masoquismo, que colegas na profissão disputam cruelmente, que amigos se traem etc.

Como nossa romagem evolutiva é, em essência, um processo de gravitação em torno dos temas e das pessoas que interessam ao nosso aprendizado, contribuindo, cada elemento ou circunstância, para nosso despertar interior, necessitamos "sentir" o apelo, o momento a condição de realmente atuar com o que temos e como já somos.

Por exemplo, o Evangelho nos fala da "compaixão", que é genuína sensibilização, funcionando por despertamento do amor: "Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele, e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão" (LC 10:33); "E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou" (LC 15:20); "E, vendo-a, o Senhor moveu-se de íntima compaixão por ela e disse-lhe: Não chores" (LC 7:13); "Então Jesus, movido de íntima compaixão, tocou-lhes nos olhos, e logo viram; e eles o seguiram" (MT 20:34). Note-se que é pela compaixão que a caridade surge operando em nome de Deus. Por isso, devemos tomar cuidado com o personalismo, nos julgamentos tendenciosos e passionais que nos caracterizam.

Dizendo que "basta a cada dia o seu mal" (MT 6:34), o Senhor nos ensina que é preciso estarmos inteiros no que fazemos, sem essa ideia esdrúxula de ser múltiplo, de quantidade, de atacar várias frentes como se fôssemos os donos da situação, a suprema representação do Pai na Terra. Lembremo-nos de que Jesus não curou todos os enfermos, e não atendeu diretamente toda a humanidade, pois o que lhe competia, a "interpretação" da Lei de Amor, se deu de modo tão pleno e tão vivo, que repercutirá por todos os séculos da Terra.

O assunto é tão vigoroso, em termos de qualificação moral discernimento e respeito à ordem divina da vida cósmica, que reproduzimos a anotação de Mateus: "E, vendo a multidão, teve grande compaixão deles, porque andavam desgarrados e errantes como ovelhas que não têm pastor" (MT 9:36). Há de se observar "necessidade e circunstância", na caminhada de progresso. Fazer tudo o que vem à cabeça é condição dos Espíritos ainda primários pois agem por necessidade de conhecimento das coisas da vida e dentro de um contexto restrito, sendo que nisso não há culpa, nem punição. Mas quanto mais se eleva, mais se deve respeitar a ordem harmônica da Criação, pois, quando Jesus assinala, ainda nesse texto de Mateus, que "a seara é realmente grande, mas poucos os ceifeiros" (MT 9:37), o Mestre não somente se referia ao atendimento das necessidades humanas por tão poucos filhos de Deus conscientes (a maioria é indiferente a seus valores espirituais), mas, do mesmo modo, às poucas virtudes já reveladas em nosso plano íntimo para atendimento dos nossos afazeres evolutivos, que seguem para o infinito das possibilidades.