As Chaves do Reino

CAPÍTULO 39

DORMINDO OS HOMENS - COLHEI PRIMEIRO O JOIO - OLHAI, VIGIAI E ORAI



Todas as nossas grandes dificuldades estão relacionadas com o fator "invigilância", de modo que a geratriz dos males que nos afetam cotidianamente se implanta pela má gestão de nossas possibilidades evolutivas.

Ao ignorante, ninguém exige o que não possui, mas, ao que já se ilustrou, espera-se coerência com o material absorvido. Desse modo, há aquisições naturais, que nos favorecem no mundo pelas linhas da horizontalidade evolutiva, como, por exemplo, a higiene, a escolarização vulgar, as regras e leis do plano social etc. Mesmo aí dentro desses circuitos de cidadania e permuta social histórica, os valores éticos se evidenciam e abrem caminho para a Mensagem do Evangelho, que, encontrando essas linhas de abertura moral, passa a ser assimilada pelos indivíduos, de modo crescente.

Chegando a esse ponto de entendimento moral da vida, a criatura se expõe a diversas situações, porque passa a "enxergar" e a "ouvir" os apelos morais das circunstâncias mais vulgares, inserindo-se no plano daqueles que operam pela "consciência desperta". A proposta da vigilância somente interessa aos que vislumbram padrões superiores de vida e realização. Desse modo, ganha expressão de utilidade e sabedoria a advertência de Jesus, registrada por Marcos: "Olhai, vigiai e orai; porque não sabeis quando chegará o tempo" (MC 13:33).

É que a lógica da Providência Divina não segue o ritmo linear dos cálculos humanos, pois obedece a mecanismos de gravitação, que recordam aquela espiral cósmica, a qual envolve estrelas e mundos na Amplidão, estabelecendo, pela equação "necessidade e circunstância" tudo o que tem a ver com cada criatura, e sempre de acordo com seus estados vibracionais: "Mas o dia do Senhor virá como o ladrão de noite; no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos ardendo, se desfarão, e a terra e as obras que nela há, se queimarão" (II Pedro 3:10).

A necessidade de se saber "onde está" (contexto), para que a vigilância não deixe expostas as concupiscências do candidato à iluminação com o Cristo, comprova que o "homem velho" tem poder sobre os interesses da casa íntima, e guarda a expressão viril dos condicionamentos já trabalhados (geralmente, é por um lapso moral, numa palavra mal dita, num olhar infeliz, numa atitude precipitada que detonamos um processo expiatório de largo curso). A ausência dessa lucidez mental da vigilância explica o que significa "dormir": "Mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo, e retirouse" (MT 13:25).

Costumamos observar, aí no mundo, os textos mais sublimes mesclados de concepções truncadas, a revelarem luz e sombra. Do mesmo modo identificamos grandes trabalhadores que, apesar do destaque que têm guardam vínculos lamentáveis com propostas viciosas e rasteiras. A invigilância, funcionando por concessão menos edificante, permite não somente a instalação do "joio", mas o seu cultivo, por força de lei: "Deixai crescer ambos juntos até a ceifa; e, por ocasião da ceifa direi aos ceifeiros: Colhei primeiro o joio, e atai-o em molhos para o queimar; mas, o trigo, ajuntai-o no meu celeiro" (MT 13:30). Necessitamos compreender a paciência divina em relação aos nossos processos de evolução. Se "dormimos" (afrouxamos a vontade, o interesse, a busca), ainda temos necessidade daqueles "temas", os quais volvem na feição de vícios e de interesse pessoal. E o plano divino nunca impedirá à força, pois define, no "a cada um segundo as suas obras" (MT 16:27), o direito da criatura de fazer sua história segundo seus íntimos desejos. Quando o joio é semeado, lança raízes e começa a crescer, até que se mostre inútil e passe a merecer providências do cultivador ("atai-o em molhos para o queimar"). Tantos desvios e fugas inspiraram textos do Antigo e do Novo Testamento, como a demonstrar que esse protelamento de posturas mais proveitosas termina por sobrecarregar os ombros de quem se dispõe a realizar o plano ideal de trabalho para as reencarnações já iluminadas pelo Cristo: "E, chegando, achou-os dormindo; e disse a Pedro: Simão, dormes?

Não podes vigiar uma hora?" (MC 14:37). No mundo íntimo geralmente nos sentimos exauridos, cansados, sobrecarregados, por efeito da convivência do trigo (bons e vigilantes propósitos) com o joio (hábitos viciosos, personalistas). É quando nos dizemos espíritas mas agimos no dia a dia como se nada conhecêssemos dos princípios salvadores, mantendo aflições injustificáveis ou resistências sem propósito. Por vezes, podemos ouvir alguém dizer: "Vou ao Centro Espírita e realizo meu Evangelho no Lar, mas vivo inquieto, inseguro sem descanso, sem alegria". Isso representa a necessidade de "colher primeiro o joio", já que "ninguém deita remendo de pano novo em vestido velho" (MC 2:21).

Em verdade, vive-se ainda no mundo a primeira vinda de Jesus quando Ele faz o convite amoroso a todos, e, como é de se esperar um grande contingente de irmãos nossos faz-se tardio em aceitar esse chamamento, preferindo cada qual o seu interesse menor: "Porém eles, não fazendo caso, foram, um para o seu campo, outro para o seu negócio" (MT 22:5). Há dois mil anos, estamos pensando no convite do Cristo em Seu Evangelho, para que, com vigilância ativa, entreguemo-nos às obras que nos competem realizar, definindo, com isso, a "segunda vinda" do Mestre, pelas linhas vigorosas da afinidade fazendo ressurgir a Sua Mensagem: "Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito à medida da estatura completa de Cristo" (Efésios 4:13).