As Chaves do Reino

CAPÍTULO 40

BLASFEMAR CONTRA O ESPÍRITO SANTO - A SEGUNDA MORTE



Todos os que estudamos os textos dos Evangelhos, dentro da lúcida expressão doutrinária do Espiritismo, logramos compreender a sublimidade do aspecto moral do Consolador Prometido, então em curso entre nós, graças ao esforço de Allan Kardec e de seus legítimos continuadores. É esse o fundamento da Terceira Revelação, e sua genuinidade nos remete aos padrões de pureza e simplicidade vividos por Jesus, aqui no planeta Terra.

O fenômeno evolutivo da consciência desperta faculta ao indivíduo uma autonomia de vida interior que o projeta a realizações de natureza coletiva, mas igualmente representa, justamente por conta da responsabilidade alcançada, um "laço de tropeço", que pode arrojálo aos despenhadeiros das trevas, exatamente por negligenciar ou conspurcar o que há de mais sagrado em seu coração.

Nesse movimento de despertamento íntimo e iluminação moral temos de salientar duas etapas: a que faz nascer o "Filho do homem" e a que delineia o "Espírito Santo". A primeira é a resultante do encontro com Jesus e Sua Mensagem: "Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; e assim os inimigos do homem serão os seus familiares. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim" (MT 10:34-37). Nessa primeira vinda do Cristo, a criatura vai vivenciar os conflitos decorrentes do conhecimento superior, tendo em vista os hábitos baseados no egoísmo e no culto do interesse pessoal, mais exclusivista, que vão, por força dos condicionamentos implantados há milênios, aprisioná-la a si mesma, em sua visão estreita da vida e de seus "pseudodireitos". É a imagem utilizada por Jesus, quando fala do "clã personalista" daquele que "ama o pai ou a mãe", ou "o filho ou a filha mais do que a mim". Ou seja, aquele que argumenta e se prende aos interesses mais fechados de razão e sentimento, em linha direta de ancestralidade (pai e mãe), ou de descendência (filho ou filha), e mesmo em linha indireta de relação de conteúdos emocionais e de cálculo (sogra ou nora), não é digno do Cristo, pois, a partir da proposta do Mestre, trata-se de universalidade, pela qual a família é a cósmica, e não mais a do interesse pessoal e exclusivista.

Na segunda etapa, que se refere à "segunda vinda do Cristo" ("Mas cada um por sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo na sua vinda" - I Coríntios 15:23), identificaremos a resultante de todo o trabalho de ajuste moral da criatura aos padrões do Evangelho laborada no dia a dia, com esforço e perseverança, quando geralmente se transformam dificuldades em oportunidades de elevação, assim como provações em testemunhos edificantes. Essa mudança de nível vibratório, graças à compreensão da Mensagem evangélica, que termina por desarticular o egoísmo, o orgulho, a vaidade e a indiferença, autoriza a vinda do Cristo num sentido dinâmico, operacional, definindo "os que são de Cristo", em espírito e verdade. Somente na "segunda vinda" é que Jesus torna-se o "pão da vida", o "Espírito de Verdade": "Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir" (JO 16:13). Nesse processo de afirmação da Verdade Divina em nós, surge o "Espírito Santo", que é a consagração do "Filho do homem", a renovação plena. Vamos identificar, nos vultos cristãos dos primeiros tempos, esse movimento de afirmação na Luz de Deus. Maria de Magdala, tocada pelo Amor de Jesus, abre mão de seus bens, escravos vida palaciana e faz-se uma mendiga do Senhor, passando a conviver com os leprosos. É essa "escrava" do Senhor, a qual teve a coragem de abrir mão das obsessões que a dominavam, que se torna a "mensageira da ressurreição". Saulo de Tarso, minado em suas reservas morais por circunstâncias que venceram seu orgulho e sua vaidade, converte-se ao Evangelho e transforma-se em Paulo. No entanto, é pela luta de afirmação, na humildade e na caridade, que Paulo proclama a vigência do "Espírito Santo" em si: "Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim" (Gálatas 2:20).

Podemos entender, assim, por que motivo as grandes luzes acesas na alma podem converter-se em trevas, pois o desvio de uma alma, já experimentada no Amor do Pai, significa um grande dano moral para a "nuvem de testemunhas" (Hebreus 12:1) que a observam e gravitam em torno de seus movimentos evolutivos: "Vê, pois, que a luz que em ti há não sejam trevas" (LC 11:35). Para referência sobre o assunto analisemos o caso de Judas 1scariotes: "E, quando estavam assentados a comer, disse Jesus: Em verdade vos digo que um de vós, que comigo come, há de trair-me" (MC 14:18). E foi neste mesmo episódio que Pedro afirma fidelidade a Jesus, e conhecerá sua fragilidade, anunciada pelo Senhor: "Mas Pedro, respondendo, disse-lhe: Ainda que todos se escandalizem em ti, eu nunca me escandalizarei. Disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que, nesta mesma noite, antes que o galo cante, três vezes me negarás" (MT 26:33-34).

Indiscutivelmente, nossa ascensão espiritual vem se dando entre luzes e sombras, pois conhecer é abertura do campo mental, mas temos uma caminhada de afirmação dessas luzes que nos custa muito suor e tantas vezes lágrimas ardentes. Há grandes conversões à Luz que não se confirmam, e é por isso que existem legiões de Espíritos dotados de vasto conhecimento das Leis universais, senhores de muitas experiências reencarnatórias, que, no entanto, vivem nas regiões trevosas, assumindo o papel de "instrumentos de escândalo", na feição dos vingadores e justiceiros, impermeáveis à proposta do Amor com Jesus. São, na acepção moral do termo, a expressão do diabo, de Satanás, de Belzebu. Por efeito de nossas imperfeições e vícios, todos ainda temos parte com eles, pois representam a "mentira", a qual se opõe à "Verdade": "Quem é de Deus escuta as palavras de Deus; por isso vós não as escutais, porque não sois de Deus" (JO 8:47).

Desse modo, torna-se compreensível que, na elaboração do "Filho do homem", ou seja, no processo de transformação moral, somos "perdoados" (movimento de adequação da consciência) se caímos, se nos equivocamos, se demonstramos um retorno aos padrões antigos por efeito de algum acontecimento inesperado, mas carregamos uma culpa superlativa, quando já experimentados e em ação sob a tutela do "Espírito Santo", que é a Verdade, a Virtude etc. : "E a todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do homem ser-lhe-á perdoada mas ao que blasfemar contra o Espírito Santo não lhe será perdoado" (LC 12:10).

O benfeitor Emmanuel, no livro Vida e sexo, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, explica que, por conta dos desvios no campo religioso e nas esferas do relacionamento sexual, quando se enganam pessoas de modo consciente e calculado, para auferir vantagens imediatas, sem a menor consideração para com os envolvidos assumem-se culpas e compromissos cármicos muito difíceis de serem resgatados, escravizando esses oportunistas a cirandas de expiações e provas muito áridas. É por efeito da compreensão mais dilatada da Lei de Amor e da missão do Cristo que pode ocorrer a "segunda morte". A primeira é fenômeno biológico para quem está na carne e se desprende dela, retornando à vida espiritual. É também, para o Espírito livre no Além, verdadeira morte o retomar o corpo para as experiências evolutivas na Crosta reduzindo suas potencialidades já adquiridas em tantas incursões na matéria. Todavia, a "segunda morte", assinalada pelo Evangelho, é fenômeno pertinente aos que negam a Luz já revelada de modo tão claro. Essa segunda morte pode representar a "perda" do perispírito quando a individualidade torna-se um corpo ovoide, conforme relatos do Espírito André Luiz, na obra mediúnica de Francisco Cândido Xavier, tanto quanto pode figurar a "queda" profunda nos desvãos da animalidade, quando, em revolta e negação, o Espírito converte-se em "anticristo", em "dragão" espiritual: "Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte; mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele mil anos" (Apocalipse 20:6).






FIM