O Caminho do Reino

CAPÍTULO 10

O FILHO PRÓDIGO - REDENÇÃO



Sob o prisma da harmonia divina, o estudo dos processos evolutivos - os quais englobam princípios e seres da Criação - traça, ao estudioso que visita o Evangelho sem ideias preconcebidas e sem imposições personalistas, vigoroso painel de valores, em que os movimentos existenciais das criaturas humanas compõem a riqueza da vida para usufruto dos aprendizes, todos candidatos à perfeição.

Jesus, quando encarnado na Terra, viveu entre judeus e romanos, principalmente, como se os "filhos de Israel" representassem a mente regulada pela Lei (conhecimento do Deus único e de Sua Vontade), e os romanos simbolizassem os "gentios" (voluntários filhos do empirismo existencial, cujos valores se erigiam das próprias descobertas práticas).

Criando aqui algum recurso didático para emolduração dos dois filhos da parábola (LC 15:11-32), podemos significar que o filho mais velho guarda analogia com o judeu, tanto quanto o filho mais moço e, por isso, pródigo, se vincula ao modus vivendi dos romanos. Costuma-se diminuir o paganismo, o gentilismo (aqueles que não adotam ou não cumprem sistemas de crença ou de religião exterior), tributando-lhes vida impura, desvios, comprometimentos, alienação, negação ou expressões demoníacas... Todavia, a mecânica evolucional, por si, incrementa, em processos diversos e díspares, o dealbar de valores próprios das almas, de modo que, se os sistemas operam condicionamentos e repetições importantes às mentes, através de severas disciplinas promotoras, a espontaneidade também opera as mais substanciosas descobertas da Verdade Divina, no denominado "cair em si".

Há muito mérito no trabalho de divulgação e expansão das Verdades superiores, embora essa prática esteja, como demonstra a História Humana, submetida aos pontos de vista e aos interesses da criatura que se lança ao terreno, por imposição ou por sentir-se vocacionada a isso, tanto quanto às crenças e costumes das épocas em que se dão (O Livro dos Espíritos, questões de 623 a 628). Graças às balizas morais que a Humanidade tem recebido de Deus, o padrão existencial dos homens vem sofrendo melhorias gradativas, apontando o grande futuro de harmonia e fraternidade. E, da "catequização" de massas, o processo moralizador das percepções e buscas humanas começa e se dar de coração a coração, de pessoa a pessoa, conforme exemplificou Jesus.

As experiências narradas sobre o filho pródigo são de elevado alcance moral para quantos se candidatem à iluminação própria.

Desvinculando-se dos arquétipos da "casa do pai", o filho mais moço segue para experiências próprias, distantes dos padrões antigos que deixara. Consumiu seus haveres (bens, recursos) dissolutamente, porque não dispunha da experiência que já norteava o seu irmão mais velho, submetido à Lei, e conheceu a escassez e a fome (sua incúria o projeta ao desperdício e à insensatez, quando no mundo interno a aridez e as incertezas passam a torturar a alma, como se fossem uma "sova" circunstâncial, para fazer "crescer a massa moral", ou seja, despertar os potenciais divinos ainda irrevelados).

É na condição de penúria moral, quando tudo parece perdido, que surgem os "porcos" - figura de linguagem dos Evangelhos para significar os "vícios" entronizados, institucionalizados, em corporações distintas (aspectos desse tema são abordados na obra de André Luiz intitulada Libertação). Note-se que, pela descida vibratória do filho pródigo, que se deu a partir da dissipação de seus haveres (e não antes, porque é legítima a sua necessidade de emancipação e autogerência, a par dos sistemas comuns de vida terrena), ele fez contato com alguém que o coloca para apascentar porcos. Começa aí uma espécie de namoro, afinização, já que ele não dispõe de valores internos (bens e recursos) para guindar-se, para elevar-se a níveis melhores de experiência e sobrevivência.

Todo o mérito do filho pródigo tem sua base no fato de ele desejar se alimentar das "alfarrobas" ou "bolotas" dadas aos porcos e não tê-lo feito, pois isso definiria à sua alma um roteiro complexo e desafiador, pois essa alimentação, impura e imprópria aos despertos Filhos de Deus, o vincularia aos crimes mais hediondos do histórico terreno. É corriqueira a ideia moral de que um Ser que se alimenta com os "porcos" perdeu sua dignidade, sua integridade e começa a se comportar como os infiéis...

Na tradução de João Ferreira de Almeida encontramos o termo "e desejava encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam", induzindo-nos a pensar nos hábitos tão nocivos de muitos de nós que assimilamos coisas do cotidiano humano sem a menor filtragem, apenas para "saciar" a inquietude (fome) oriunda da fuga do não feito ou da ansiedade por algo que não merecemos ainda... Mas, "caindo em si", ou seja, refletindo internamente a partir das experiências somadas no tempo (piso evolutivo), inicia-se o programa libertador por dentro do filho que estava perdido. Considera ele que os "assalariados" ou "jornaleiros" (Espíritos simples, sem noções claras dos aspectos morais da vida, ainda incapazes, por limitação evolutiva, de navegarem em altos mares de experiência e vida) tinham, na casa paterna, abundância de pães (alimento qualitativo, elaborado, simbolizando valores que inspiram, que promovem vida interna: "Eu sou o pão da vida" - JO 6:48).

Numa sequência lógica e norteadora por excelência, o filho pródigo planeja seu retorno à casa do Pai e, em seguida, executa o plano (todo processo renovador se inicia no plano mental, em que os ideais se apresentam, mas necessitam ser aplicados, para mérito e promoção do indivíduo: "Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor" - I Coríntios 13:13).

No depoimento "Pai, pequei contra o céu e perante ti", observamos o mais refinado discernimento daquele que saiu de casa "novo" e arrojado, para retornar pleno de consciência e humildade, na contramão do que anteriormente desejou e fez, pois aprendeu que ferimos a Lei Divina estatuída na própria consciência ("céu") ao nos lançarmos ao personalismo, e o fazemos diante da bondade Paterna, que tudo tolera e espera (Pai e Criador). O coroamento dessa ressurreição do filho mais novo se define quando ele confessa: "Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros".