O Caminho do Reino

CAPÍTULO 13

A UNÇÃO EM BETÂNIA



O início do capítulo doze das anotações de João Evangelista merece uma atenção especial do estudioso das Letras Evangélicas pelo seu conteúdo extraordinário de viva espiritualidade.

Note-se que o termo "seis dias antes da páscoa" assinala o fechamento de um ciclo de trabalho árduo, antecedendo o instante monumental do testemunho de Jesus que se daria no sétimo dia, o qual simboliza o acabamento, o capitel da obra empreendida anteriormente, quando seria içado na cruz, para redenção dos homens (Gênesis 2:1-3). Toda obra genuína guarda seguros alicerces, pois no plano da evolução não se pode improvisar.

Betânia, a singela cidade onde se abrigava a querida família à qual Jesus devotava muito carinho, constituída por Lázaro e suas irmãs Marta e Maria, pode ser considerada, em termos espirituais, como a antessala de Jerusalém, que, em essência, simboliza a busca religiosa, o encontro do sagrado em nós. Encontraremos ali, naquele momento especial da visita do Mestre, Lázaro redivivo já em posição de ajuste à proposta da Vida Abundante, representada por Jesus e sua doutrina. Ele se reclina à mesa - posição preparatória ao ato de comunhão que a ceia propõe (I Coríntios 11:33-34). Essa interação entre as personalidades presentes denotam a simplicidade de coração e a disposição de trocar vibrações à luz da Vontade de Deus ("Fazer-se criança com Cristo é evitar cristalizações mentais").

Marta e Maria são expressões bem marcantes de nossa intimidade espiritual: se Marta se propõe a servir e a arrumar a casa (LC 10:38-42), sempre diligente e afadigada (operações da Lei, como alicerce de projeção operacional do Ser, que sabe após experimentar - condição elementar de despertamento moral), Maria, por sua vez, expressa o ato devocional, a entrega mística e religiosa, a abstração no sentido espiritual...

É por essa natureza devotada e mística da alma que vamos compreender Maria, lançando mão de um tesouro - o unguento de nardo puro, caro (JO 12:3) - para ungir os pés de Jesus. Esse unguento é a imagem da reverência ao sagrado, portas a dentro do coração. É com ele e por ele que louvamos a Deus e a Seus Emissários. No sentido objetivo, é a ternura com que lidamos com o próximo, é o respeito com que tratamos os assuntos mais espinhosos, é a humildade que guardamos no imo do Ser quando as provas se agigantam em nosso caminho, pois o fazemos a Deus, então manifesto nas circunstâncias do plano evolutivo que nos colhe.

Maria ungiu os pés de Jesus, e a imagem nos merece considerações doutrinárias, à luz dos ensinos espíritas. Em singela analogia, podemos considerar que Jesus está no "superconsciente" da alma, porque é projeto do futuro para o nosso hoje operacional. Não o dominamos, pois, na condição de irmão mais velho, Ele percorreu instâncias cósmicas e se experimentou em mundos que já se desintegraram, até atingir o grau de pureza que o torna um "Cristo". Ao ungir os pés, ou a base em que Jesus se erige entre os homens, notamos que isso se refere à interpretação, à percepção que temos do Cristo, o que fez nascer todo tipo de idolatria que as religiões divulgam. Em suma, nosso "superconsciente" hoje atinge o que seria o "subconsciente" de Jesus, ou seja, nossa capacidade relativa de amar e servir faz contato com aquilo que Jesus viveu e já superou, em sua condição de Espírito puro.

Quanto ao cabelo para enxugar os pés, então orvalhados pela devoção de Maria, ele representa a cobertura da mulher ("Mas toda a mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta, desonra a sua própria cabeça, porque é como se estivesse rapada" - I Coríntios 11:5), numa alusão à razão que deve retirar os excessos místicos do sentimento: "Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo o homem, e o homem a cabeça da mulher; e Deus a cabeça de Cristo" (I Coríntios 11:3).