O Caminho do Reino

CAPÍTULO 24

MEDIDAS E RECONCILIAÇÕES



"E por que não julgais também por vós mesmos o que é justo?" (LC 12:57). Esta indagação do Cristo contém todo um tratado de direito evolutivo, encerrando a beleza dos movimentos evolucionais que retiram o Espírito de sua elementar sobrevivência na base do instinto e o projeta, gradativamente, aos patamares do "juízo" sobre tudo o que o interessa essencialmente, em relação direta com o meio em que se desabrocha...

Num primeiro momento, a proposta de reconciliação com o "adversário" ou o "inimigo", inserta nas anotações de Lucas, no 12 de 54 a 59 (LC 12:54-59), nos remete aos desafios emocionais intrínsecos - por si mesmos, condições fecundas de aprendizado moral, frente ao infinito da Vida. No entanto, a soma dos valores enunciados por Jesus, nesse passo do Evangelho, é por demais rica de instrumentos intelecto-morais, disponíveis à nossa apreciação. Didático, porque "senhor das probabilidades", o Mestre se reporta, a princípio, à capacidade humana de interpretar as forças climáticas, que definem períodos de chuvas ou de sol aberto, o que já nos inspira a deduzir que, no plano do progresso espiritual, o fulgor do sol é uma imagem de convite ao trabalho que nos remunera moralmente, capacitando-nos pelo mérito, enquanto as chuvas simbolizam o período das aferições morais, desafiando-nos interiormente: "Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos" (MT 5:45); "E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha" (MT 7:25).

A par do Evangelho do Cristo, que é a suprema riqueza deste Mundo, pelo seu sentido de eternidade em Deus, somente a Doutrina dos Espíritos, codificada por Allan Kardec, logrou equações que são preciosas "chaves" para a efetiva emancipação consciente do Ser, ensejando domínio do que é o destino e a evolução que se processam no Universo, sem qualquer nota dissonante. Muitos autores, inclusive Espíritos, dentro de uma linha espiritualista e mais individual, criaram sistemas que "amarram" o estudioso a ideias e proposta que, em essência, são indignas do Criador. Expressam algum esforço, mas faltalhes o cunho de universalidade e de harmonização plena dos temas que esses sistemas interpretativos tentam enfeixar e expor. O advento espírita ainda não foi perfeitamente compreendido, mas será ele, em sua essencialidade conceitual, que libertará o Evangelho de Jesus Cristo das garras interesseiras do materialismo ou do profissionalismo religioso de tantos milênios: "O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito" (JO 3:8).

Dentro dessa visão clara e discernida dos Espíritos superiores que fundaram no Mundo as balizas do Consolador Prometido, entendemos que cada criatura tem suas "medidas", e são essas "medidas" que lhe dão maior ou menor expressão moral, aplicada ao seu cotidiano: "Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus"(MT 5:48).

Na apreciação do versículo 58, do capítulo 12 de Lucas, vemos Jesus advertir sobre a necessidade de se livrar, no caminho, de nosso "litigante", antes de chegarmos à "autoridade" ou "magistrado", ou seja, o livre-arbítrio nos permite movimentos, escolhas, que são legítimos, até certo ponto. Qual a medida? - muitos indagarão. E as equações espíritas, interpretando os ensinos do Cristo, respondem: até o ponto em que nossa consciência, em despertamento contínuo, não nos imponha constrangimentos, aflições, fobias, temores, insegurança...

Em verdade, as experiências são imprescindíveis ao desbravamento do campo mental ("A mente é o espelho da vida em toda parte" - Pensamento e Vida, capítulo 1), e são elas, reunidas, que respondem pelo nível de progresso do Ser, por autorizar-lhe domínio sobre temas, sobre o trecho de vida percorrido, como base para novas projeções de sua inteligência e de sua sensibilidade moral. Mas essas experiências, ou os movimentos voluntários em busca dos interesses, deverão ser regulados pelo nível moral atingido até então pela criatura, e é isso que Jesus salienta no versículo citado ("Quando, pois, vais com o teu adversário ao magistrado"), ou seja, quando estamos no movimento próprio de aprendizado, de busca, de exercício de nossa cidadania cósmica, elaborando valores internos no trato com elementos externos.

É na caminhada que devemos discernir, e não quando a culpa ou o remorso se instauram (expiação). Sempre há tempo de corrigir o passo, de reprogramar a jornada, de refazer os planos: "Procura livrarte dele no caminho; para que não suceda que te conduza ao juiz, e o juiz te entregue ao meirinho, e o meirinho te encerre na prisão". Até o fechamento de ciclo, quando a expiação nos aprisione por insistência no erro, no vício, na deserção, temos uma medida que nos permite aprender sem nos comprometer: "Porque João veio a vós no caminho da justiça, e não o crestes, mas os publicanos e as meretrizes o creram; vós, porém, vendo isto, nem depois vos arrependestes para o crer" (MT 21:32).

Dentro das "medidas" que o processo evolutivo nos enseja, numa mesma existência, ou na somatória de várias existências, podemos nos "reconciliar" com o "adversário" (MT 5:25), pois o verdadeiro adversário está sempre dentro de nós e encontra ressonância em elementos que, no plano social, interpretam-no para nossa visão e sensibilidade (projeção, transferência): "Ou como podes dizer a teu irmão: Irmão, deixa-me tirar o argueiro que está no teu olho, não atentando tu mesmo na trave que está no teu olho? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás bem para tirar o argueiro que está no olho de teu irmão" (LC 6:42).

Assim, retornamos à proposta de Jesus no início dessa passagem: "E por que não julgais também por vós mesmos o que é justo?" É condição sine qua non aprender a discernir, não somente o "bem" do "mal", mas, igualmente, o "melhor" do "menos bom"!