O Caminho do Reino

CAPÍTULO 26

FILHO DO HOMEM E FILHO DE DEUS



Compreendemos, ao estudar minuciosamente os ensinos de Jesus em seu Evangelho de Amor e Sabedoria, que o "Filho do Homem" é a resultante dos esforços íntimos de uma criatura por ajustar-se às Leis Morais do Universo, ou seja, "fazer" no plano objetivo das reencarnações a "Vontade" de Deus. Nessa pauta, estão a Justiça, o Amor e a Caridade, conforme explicam, em síntese admirável, os Espíritos superiores que confiaram a Terceira Revelação a Allan Kardec (O Livro dos Espíritos, parte terceira, capítulo 11). Sem dúvida, Jesus, no aspecto humano (Espírito encarnado num corpo físico), é a perfeita imagem do "Filho do Homem", exatamente pela harmonia com que se submete à Lei, inclusive se fazendo como um de nós, para elevar, por seus esforços contínuos, todas as noções da Lei antiga ao patamar do Amor e da Caridade ("Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir" - MT 5:17).

Esse caminho de ajuste às Leis Divinas resume, em si, todo o processo evolucional, que faz do Espírito criado simples e ignorante um "Filho de Deus", com todas as prerrogativas de poder e glória do Pai, por efeito de reflexão ("A mente é o espelho da vida em toda parte" - Pensamento e Vida, capítulo 1; "E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou" - Gênesis 1:27).

Mas esse processo passa pelo plano das experimentações contínuas e exaustivas, para efeito de saturação, de impregnação, de automatismo dos valores próprios de cada condição existencial: "Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil" (MT 5:26). Não se trata aqui de maldição, mas de imperiosa necessidade de capacitação, de esgotamento de vínculo com as ilusões próprias acerca dos processos vividos.

Remontando ao primeiro capítulo do Evangelho segundo Mateus, vamos encontrar dezessete versículos narrando, em síntese, a genealogia de Jesus. São quarenta e duas gerações, incluindo todos os tipos de caractere humano, de nobres a plebeus, de justos a desviados, como a dizer que Jesus, em tomando um corpo físico para alavancar a evolução moral na Terra, resume, em si, já que Espírito puro, todas as probabilidades existenciais que possam ter vez e transitório espaço no planeta Terra. Ele é a síntese depurada de todos os sistemas e de todos os processos, os quais findam-se n’Ele (O Consolador, questão 327), pois é a sublimação de tudo, e é exatamente isso, essa condição de pureza, que o define como o Cristo de Deus (A Gênese, capítulo 15, item 2).

Jesus incorpora, em si, como homem - fruto abençoado de ingentes esforços evolutivos através de quarenta e duas gerações (resumo da história evolutiva terrena) –, o "Filho do Homem", ou seja, o que se pode aspirar, em termos de progresso e elevação, neste Orbe. Mas, por sua natureza divina (Espírito puro), Ele é o Cristo ("Eu e o Pai somos um" - JO 10:30), o qual revela para a Humanidade, como "Filho do Homem", o "Filho de Deus", que está acima da condição terráquea e manifesta uma natureza cósmica. Por isso, o Codificador do Espiritismo explicitou tão firmemente em sua obra A Gênese essa dupla natureza de nosso "guia e modelo": a do homem extraordinário ("Filho do Homem") e sua natureza divina (Cristo, o "Filho de Deus").

Semelhantes esclarecimentos nos auxiliam a entender o que consta no Evangelho de Marcos, no 6 de 1 a 6 (MC 6:1-6), reportando à visita de Jesus à sua cidade natal, Nazaré. Afirmando que "não há profeta sem honra senão na sua pátria, entre os seus parentes, e na sua casa", salienta Jesus algo que podemos depreender dos estudos da evolução humana, quando, por projeção no tempo pode-se deduzir os caminhos de progresso e conquistas, já que, ambientado nos circuitos genéticos e de experiência moral vividos, a criatura raramente supera os condicionamentos do grupo, embora isso seja o grande objetivo da Lei Divina, que usa do mecanismo das revelações para operar "enxertias" salvadoras que "despertem" os potenciais dormentes dos indivíduos. Muitas vezes, Jesus salientava, entre os discípulos, sua condição genealógica, condicionante: "E Jesus, respondendo, disselhe: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus" (MT 16:17).

Nossa luta de afirmação passa por todas as etapas vivenciais humanas, e, por isso, temos dificuldade em interpretar um Espírito que "desceu sem perder altura", num processo de adequação, para, num primeiro momento, valorizar os esforços humanos, dando-lhes dignidade, acerto, proveito, uma vez que veio para "cumprir a Lei". Em seguida, Jesus propõe aos renovados, aos que assumem a condição de "Filho do Homem", o despertamento de sua natureza divina, herdada do Pai e Criador, a de "Filho de Deus": "Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer"(JO 15:15); "Assim que já não és mais servo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro de Deus por Cristo" (Gálatas 4:7). Essas gradações de entendimento e vida formulam, em analogia, as espirais evolutivas, que partem de um ponto e propõem gravitações experimentais para as almas, até que se saturem dessas vivências e se projetem para outras laçadas mais abrangentes, conquistando autonomia e domínio sobre a matéria e todas as condições de vida na interdependência universal, culminando nas faixas da cocriação em plano maior, consoante vimos em Jesus Cristo, o Senhor e Mestre.