O Caminho do Reino

CAPÍTULO 27

NÃO HÁ PROFETA SEM HONRA SENÃO NA SUA PÁTRIA



Cientes de que Jesus "entrou" no Mundo para conduzir-nos ao "Reino de Deus" sem qualquer subterfúgio ou nota de superioridade pessoal ("Eu, porém, entre vós sou como aquele que serve" - LC 22:27), compreendemos que operava Ele pela espontaneidade e sem nenhum aguilhão externo ("Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem" - Romanos 12:21). É exatamente isso o que significa operar no "sábado", o sétimo dia em que, na simbologia da Criação Universal, Deus descansou de sua obra (Gênesis 2:2). Jesus, Espírito puro, mesmo usando um corpo de carne, não mais estava submetido ao jugo da matéria, o que lhe permitia o pleno domínio das circunstâncias existenciais que Ele assumira para alavancar o progresso moral no Planeta.

No texto de Marcos que noticia a visita a Nazaré, sua terra natal, Ele ensina na sinagoga, e os seus contemporâneos se surpreendem com sua sabedoria e com os prodígios que fizera com suas mãos (MC 6:1-6) . É que Jesus, o filho de Nazaré, nascido de José e Maria, consoante o narrador especifica, está tocado do "divino", pois, em sua condição pura, livre das "ilusões que salteiam as inteligências" comuns, opera pelo amor sublimado que lhe permite ser com o Pai, retratando-o com perfeição entre os homens ("Porque as obras que o Pai me deu para realizar, as mesmas obras que eu faço, testificam de mim, que o Pai me enviou" - JO 5:36). Em Lucas, temos revelado o texto de Isaías que Jesus leu naquele ambiente, que reportava à sua missão de "evangelizar", libertando, curando, proclamando o Reino (LC 4:16-30 ; IS 61:1-2).

Note-se que Jesus é definido como filho de José e Maria, sendo que lhe é mencionada a parentela, como irmãos e irmãs, num sentido apenas referencial, não direto, o que nos permite considerar, mesmo do Além, a dizer de sua condição humana, porque irmãos e irmãs citados, que os evangelistas o ambientam como alguém pertencente a um grupo familiar, um "ninho" vibracional, que lhe dá uma base de projeção, a fim de que, na Terra, não seja um elemento sem conexão com a Humanidade. Esses irmãos e irmãs estão, para a turba presente, apenas como grupo familial e não especificamente como seres gerados por Maria, a legítima mãe do Senhor. E como essas almas respiravam apenas os costumes da época, sem maiores percepções, o que Jesus ensinava e vivia lhes soava à sensibilidade como escândalo.

Esse quadro de limitação espiritual e moral é comum na jornada dos que buscam transcender, se iluminar... Por isso o profeta, ou seja, aquele que busca muito além de seu tempo os valores de realização íntima, não é reconhecido e honrado pelos seus, por aqueles padrões condicionantes dos que permanecem em expiações e provas, afivelados a sistemas e concepções que noticiam culpas, remorsos e bloqueios no plano mental. Essa "inibição" constrange aquele que já navega em altos mares de concepções e sentimentos, e, por respeito, ele é chamado a se conter (diminuir-se) e a utilizar didática própria ao entendimento do grupo que lhe é familiar.

A intimidade do grupo em que evoluímos pode nos prender, porque os condicionamentos mentais dos mais próximos guardam uma expressão até violenta, em termos de cobrança, de ciúmes, de despeito, de agressão. Não dizemos isso por leviandade, mas como estudo: "E assim os inimigos do homem serão os seus familiares" (MT 10:36). Se, no plano social, isso é corriqueiro e necessitamos paciência e humildade para "desatar" os nós que herdamos do passado reencarnatório, o fato é mais verdade por dentro de nós mesmos, porque carregamos no psiquismo a "ancestralidade" de onde viemos, de modo que esses condicionamentos nos perseguem com a "autoridade" vivencial de antanho. Daí os "domésticos" nos conhecerem de sobra, nas linhas mais essenciais de nossos pensamentos e vocações. Basta lembrar que em muitas circunstâncias duvidamos de nós mesmos...

Assim, entendemos que o "exterior" a nós reflete o nosso "interior", e, se há luz do amor e da sabedoria nos visitando, é preciso guardar cuidado e zelo para com todo o grupo, pois não se opera em Cristo com violência, nem interna e nem externa: "Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus" (MT 5:43-45).