O Caminho do Reino

CAPÍTULO 36

O PRINCÍPIO DAS DORES



Do mesmo modo que o primeiro capítulo do livro Gênesis, de Moisés, se caracteriza por movimentos cíclicos para o estabelecimento da dinâmica da Luz, do fiat lux, como manifestação "original" da mente que se desperta para a vida consciente, seja em aspecto planetário, seja individualmente, quando a criatura é lançada por forças conjugadas, de natureza exterior, ao plano de suas realizações intrínsecas (evolução consciente), ocorre o mesmo no Sermão Profético de Jesus, que o evangelista Mateus descreveu no capítulo 24 de suas anotações. Lembrando um efeito bumerangue, que é a imagem da Lei de Causa e Efeito, semelhantes movimentos de despertamento e iluminação espiritual se caracterizam por orbitações que nos remetem às expressões espiraloides de nossa galáxia, descrevendo uma órbita quase circular, em que uma laçada avança, quem sabe, "uma oitava" a mais em relação à anterior, e assim por diante, para efeito de expansão de potenciais, de qualificação interna e de projeção dos próprios potenciais... Se podemos reconhecer no livro Gênesis o fundamento dos processos iluminativos e de evolução mental, no Sermão Profético do Cristo iremos identificar a potencialização dessa proposta primeira da Luz, a fim de que ocorra, com legitimidade, um novo fiat lux, dentro daquelas bases apresentadas pelo Senhor e Mestre aos discípulos: "Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus" (MT 5:16).

Todavia, reconhecendo que são processos alavancadores de percepções e realizações no tempo e no espaço, as lutas serão incontáveis, daí as descrições de Jesus acerca do "fim dos tempos", em lances repetidos, imbricados e seletivos: "Mas todas estas coisas são o princípio de dores.

Então vos hão de entregar para serdes atormentados, e matar-vos-ão; e sereis odiados de todas as nações por causa do meu nome. Nesse tempo muitos serão escandalizados, e trair-se-ão uns aos outros, e uns aos outros se odiarão. E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará"(MT 24:8-12).

Doutrinariamente, se estudam no Espiritismo as expiações (reparação, correção de rumo) e as provas (aferição de aprendizado, consolidação de valores) por aspectos das existências que as almas assumem ao reencarnar, tudo dentro de um plano perfeito e irretocável de Justiça Divina. Pois bem, são essas expressões que Jesus apresenta em seu Sermão, como anúncio prévio das batalhas morais a serem vivenciadas por todos os que desejam "sair" dos circuitos de elementar aprendizado moral, tendo a Lei de Causa e Efeito por gestora dessa "iniciação": "Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão. Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil" (MT 5:25-26). E, reconhecendo que a experimentação efetiva é que guarda o condão de emancipara alma em trânsito da animalidade para a angelitude, essa depuração é condição sine qua non de elevação moral, o que certamente levou Jesus a declarar: "Mas aquele que perseverar até ao fim, esse será salvo" (MT 24:13).

Ora, o adversário não é apenas um indivíduo, o semelhante, ele também está configurado no desejo perigoso, no ponto de vista egoico, no hábito pernicioso, na ambição desmedida, na ação pérfida e desrespeitosa (LC 12:58). Portanto, o quadro acima que configura culpa e remorso se erige de nossa insensatez, de nossa invigilância quanto aos sagrados propósitos da Vida Universal. Desse modo, a perseverança no Bem, dentro de um sentido ético, é que nos livrará dos abismos morais: "Porque melhor é que padeçais fazendo bem (se a vontade de Deus assim o quer), do que fazendo mal" (I Pedro 3:17).

A Humanidade, com todos os seus caracteres em desenvolvimento através das gerações e das civilizações que se sucedem umas às outras, expressa um "todo" moral em laboração permanente, em que as individualidades são agentes relativos, se imantando mutuamente conforme as aquisições trazidas de outras experimentações. Sobre essa Humanidade, jorram as "forças" espirituais dos "céus", seja por efeito de influências vibratórias ou mesmo por ação direta das revelações superiores, com o propósito de irrigar esse "todo moral": "Vim lançar fogo na terra; e que mais quero, se já está aceso? Importa, porém, que seja batizado com um certo batismo; e como me angustio até que venha a cumprir-se! Cuidais vós que vim trazer paz à terra? Não, vos digo, mas antes dissensão" (LC 12:49-51). Cabe ponderar aqui, numa reafirmação da harmoniosa cadência da vida cósmica, inteligentíssima e perfeita, que, embora oriundo dos reinos anteriores ao homem (animal, vegetal, mineral), esse "todo moral" que é a Humanidade nutre essa retaguarda de sua evolução por efeito de seus movimentos, permitindo aos Princípios 1nteligentes uma dinâmica experimental crescente, de modo que "tudo está em tudo", e a interdependência é a Lei imutável e promotora do Cosmos, fazendo cumprir o que consta do magistral O Livro dos Espíritos, quando afirma que do átomo ao arcanjo está a cadeia maravilhosa da vida (questão 540): "E ela disse: Sim, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores" (MT 15:27).