O Caminho do Reino

CAPÍTULO 4

AS BODAS DE CANÁ



Todas as operações de natureza espiritual se dão pelo favorecimento das aberturas do campo mental - geralmente ocupado com os deveres existenciais, mormente os relativos à sobrevivência, que se agrega de tantos ritos (convenções humanas) ao longo do tempo, fazendo lembrar os ofícios e deveres que os templos estabelecem para adoração religiosa. E, quando o Espiritismo desveste, através de sua admirável estrutura doutrinária, os sistemas e as teologias das convenções, passamos a compreender o que assevera Paulo em sua Epístola aos Hebreus, no capítulo 11, versículo 3: "Pela fé entendemos que os mundos pela palavra de Deus foram criados; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente".

No relato das Bodas de Caná da Galileia (JO 2:1-11), encontramos ensinos preciosos para a vida cotidiana, tendo em vista o significado da presença de Jesus (em essência, em lições) para cada um de nós, encarnados ou desencarnados em seus movimentos evolucionais. Nesta oportunidade, Maria, a mãe de Jesus, é acionada pelas circunstâncias a fim de favorecer o que se considera o início dos feitos do Cristo entre nós. "Lírio puro", na conceituação de Emmanuel, sublimação de Eva e gestora da encarnação do Senhor, Maria, como aquela que dá à luz seu primogênito (LC 2:7), que era o Messias (note-se que o primeiro filho de Eva foi Caim, a imagem da serpente, submetido a duras expiações, porque eivado de ciúme e inveja), "envolveu-o em panos" (aclimata-o em suas vibrações, sem "vestilo", pois Ele é o Salvador do Mundo, o Espírito mais puro que já esteve na Terra). A cadeia de valores somados no tempo e pelas circunstâncias, com o objetivo de favorecer a "descida dos ideais", pode ser reconhecida, também, pelo estudo da genealogia de Jesus em Mateus, assim como naquela citada por Lucas. Nesse sentido, não há operação na caminhada evolutiva que deixe de cooperar com o plano de elevação e aprimoramento interior da criatura.

A condição lirial ou de pureza, estampada no termo "virgem", que é associado a Maria, a ela autoriza intermediar a Vontade de Deus nas circunstâncias possíveis a uma mulher de seu tempo, numa sociedade que não reconhecia nelas o que hoje o Espiritismo explicita, ao demonstrar que, diante de Deus, homens e mulheres são iguais e têm os mesmos direitos (O Livro dos Espíritos, questão 817), e, pressentindo a hora dos feitos de seu filho, convoca-o às realizações, culminando, em termos de plena consciência de sua missão, quando adverte aos servidores da casa: "Fazei tudo quanto ele vos disser" (JO 2:5).

No plano interno de nossas realizações, o sentimento é responsável pelas induções que estabelecem as ideias, conforme ensina Emmanuel: "Sentindo, pensas. Pensando, realizas" (Fonte Viva, capítulo 154).

Sensibilizar significa predispor. A indiferença responde pela inércia, pelo estacionamento, embora tudo tenha seu ponto de equilíbrio. No caso em análise, razão e sentimento conjugados serão responsáveis pela harmonia dos processos evolutivos. Maria aciona Jesus, e o Senhor, quando questiona a própria mãe, demonstra avaliar as circunstâncias para deliberar o melhor. Assim, nascem as orientações para a transformação de água em vinho, ou seja, se a água é o elemento simples, básico da Natureza, o vinho expressa o elemento elaborado, desde a maceração das uvas até a fermentação, resultando em um néctar, vigoroso e estimulante. O vinho será associado ao sangue por Jesus e guardará, por isso, o significado de sacrifício voluntário, de idealismo, de essencialidade... (LC 22:20).

Todo coração já amanhado pelas lutas reencarnatórias se rende à mensagem da Boa Nova. Em verdade, as experiências no plano da Lei de Causa e Efeito preparam o advento dessa redenção, que significa um salto quântico, o alcance de "oitavas" a mais no plano das percepções inteligentes. Quando Caim oferece do fruto da terra que ele fora obrigado a lavrar, Deus não lhe presta atenção (Gênesis 4:5). Tudo o que é regido pela Lei é dever, obrigação. Somente na esfera do Evangelho é que a qualificação se consagra, daí o "vinho" de qualidade, reconhecido pelo mestre de cerimônias das bodas, ter exigido preparação em talhas (em número de seis - simbologia do trabalho do Criador na Criação). Essa base, esse preparo, diz respeito ao nosso esforço através das reencarnações, e é da resultante dessa peleja que surge a água para a transformação, pois "não se tira nada de nada". Jesus significa a operação transformadora do sete, quando tudo se altera substancialmente.

Há de se refletir sobre os mecanismos evolucionais, e, por isso, a Doutrina Espírita propõe a fé raciocinada, a evolução consciente. Com sua presença entre nós, Jesus manteve os pés na terra, vivenciando, sem qualquer privilégio, o que determina a Lei, mas seu coração permanecia ligado a Deus, para fiel cumprimento de Sua excelsa Vontade. Nossa consciência é nosso guia; através dela, o Senhor nos orienta e fortalece. E, se há uma força de alavancamento do poder consciencial já desvelado em nós, esse poder encontra-se nas Lições do Cristo, hoje redivivas no Consolador.