O Caminho do Reino

CAPÍTULO 6

COMILÃO E BEBEDOR DE VINHO



A interpretação espiritual de determinadas passagens evangélicas merece mais atenção dos estudiosos para que revelem o seu verdadeiro sentido, norteando a mente ansiosa por caminhos de redenção.

A culminância do testemunho de Jesus acerca de João Batista referese à alimentação (LC 7:33-35), quando o Mestre assinala que o precursor "não comia pão nem bebia vinho", diferentemente do "Filho do Homem", o qual "come e bebe", sendo "amigo dos publicanos e pecadores"...

A par da necessidade alimentar da Terra que assegura a euforia das células no corpo físico, o assunto diz respeito aos conteúdos de natureza moral e espiritual, carreados pelas circunstâncias e definidos pelas situações específicas da existência corporal.

Todo o relato pertinente aos discípulos de João Batista averiguando se Jesus era o Messias ou se esperariam outro se constitui de uma "costura" admirável, que estabelece os padrões da Lei e os do Amor, em harmoniosa conjugação para fins evolutivos (LC 7:18-23).

Aferido pelos discípulos daquele que vivia no deserto, Jesus mostra as curas realizadas, e o texto descreve com beleza: "E, na mesma hora, curou muitos de enfermidades, e males, e espíritos maus, e deu vista a muitos cegos" (LC 7:21). É que a obra do Evangelho, através de seu arauto mais abalizado, ali presente, se constitui de elementos libertadores, de natureza sublimante, pois "o amor cobrirá a multidão de pecados" (I Pedro 4:8).

João, em sua condição de antecessor, de precursor, é o legítimo gestor da Lei, a qual opera os ajustes morais no Mundo, orquestrando, através do "a cada um segundo as suas obras" (MT 16:27), o desenvolvimento do "senso moral", quando, após a instrução que forma a cultura da individualidade (relacionamos aqui a soma dos aprendizados multimilenares no campo mental do Espírito, e não apenas o que se colhe numa academia ou universidade da Terra), esta última alcança a educação de si mesma, preparando, pelo discernimento, o advento do "Filho do Homem", quando está efetivamente apta a converter-se aos valores morais da Boa Nova de Jesus.

Curiosamente, João, imagem do zelo e da disciplina, envia discípulos com o fim de averiguar a natureza de Jesus, que era cantado por messias prometido. Em nosso mundo íntimo, somente aderimos a um projeto maior se há convencimento interno, pois os padrões rígidos, já implantados e em automatismo, até cedem, mas apenas se houver autoridade reconhecida no que é proposto. São as "obras" que possuem a vibração transformadora, do contrário há encenação, uma vez que as resistências, na base das desconfianças, não permitem a entrega ou a comunhão.

Mas é Jesus quem emoldura a figura de João, o Batista, quando lembra que ele se priva de "pão" e não bebe "vinho". Retrato da expiação e da prova (devemos recordar que João é a reencarnação de Elias, que cometeu à sua época crimes contra os adoradores do deus Baal e sofreu a pena de Talião, tendo a própria cabeça decepada por Herodes), o primo de Jesus vivia no deserto, trajava roupas rústicas, alimentandose de mel e gafanhotos. Estas imagens vinculam o modus vivendi do notável profeta às maldições lançadas sobre Adão e Eva. Nos estudos da reencarnação que o Espiritismo prodigaliza com sabedoria e fecunda ilustração aos homens, verificaremos que a "culpa" e o "remorso" são capatazes que obrigam a criatura a um regime muito duro de sobrevivência, por isso a imagem do deserto, onde não há fecundidade e o ardor do sol inclemente faz suar e exaurir aquele que já teve e abusou dos recursos da vida.

Se o sofrimento é escolha do indivíduo, a fixação de valores em condições de arrependimento e autodisciplina representam sua redenção: "Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar" (Gênesis 4:7). João, por sua determinação, demonstrada no rigor com que buscava operar a transformação humana ("Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas" - MT 3:3), converteu-se no maior símbolo de esforço pessoal para superação de si mesmo (coragem e determinação para atravessar o deserto humano e alcançar a promessa, a libertação dos condicionamentos e culpas do pretérito), daí, "entre os nascidos de mulheres" (processo reencarnatório), ser o maior (LC 7:28).

João Batista deve ser interpretado, quando buscamos realizar a "pesca de luzes celestiais" - proposta por Alcíone na obra Renúncia (Emmanuel/Chico Xavier) –, como símbolo de esforço e persistência, entre dever e disciplina. Sem ele em nossas vidas, nesse aspecto, não faríamos a transição entre Lei e Amor, entre o "eu" e a "Vontade de Deus".

Fácil depreender que "comer pão" e "beber vinho" são imagens pertinentes à liberdade de ação dos que se encontram liberados de seus delitos, de suas limitações, impostas pela Lei que a tudo rege na Criação Divina com fins promotores e ordeiros (Justiça). O pão, tanto quanto o vinho, são alimentos elaborados, que criam a imagem dos sacrifícios necessários ao atingimento dos sagrados objetivos da vida - nutrir e estimular. Foi utilizando essas duas imagens que Jesus definiu a sua tarefa missionária na Terra: o corpo d’Ele (o "pão", ensinos e testemunhos, o seu corpo doutrinário) alimenta o "Filho do Homem", a renovação interior; e o seu sangue (o "vinho", produto de maceração e fermentação no tempo) será bebido como seiva revigorante e estimulante, dinamizadora dos conteúdos doutrinários (do "pão"), porque tem o sentido de essencialização, de sublimação (MT 26:26-28).