O Caminho do Reino

CAPÍTULO 8

A LIÇÃO DE ZAQUEU - PARTE I



Os apelos imperiosos que eclodem por dentro da alma desde os primórdios da evolução - quando a criatura, ou o Espírito, simples e ignorante, se vê, num fenômeno de fiat lux, a braços com necessidades de sobrevivência, e o "meio ambiente", ou o conjunto de circunstâncias existenciais, o obriga a se preservar, desde o abrigo até a manutenção orgânica - atestam o fenômeno da vida eterna que o Ser herdou de Deus, e será por atender a esses apelos crescentes e complexos que obedecerá aos próprios instintos, até que desenvolva a inteligência e passe a dominar o meio, para, em seguida, dominar-se a si mesmo.

Quando nos reportamos a Adão e Eva, nos albores do Antigo Testamento, identificamos a fixação dos valores elementares da Vida em seu sentido de Justiça ou Lei. Com Caim, observamos a dinâmica de ação dessa Lei, gerindo pela mecânica de causa e efeito o livre-arbítrio das criaturas, até que, em João, o Batista, essa Lei se cumpra em seus dispositivos integrais ("Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido" - MT 5:18). É a partir das experimentações reencarnatórias promovidas sob a custódia da Lei que o indivíduo exercita suas potências irreveladas, alcançando o "senso moral" para as operações essenciais de vida, momento em que o Evangelho - legítimo gestor da Vida Abundante - passa a vigorar, consagrando o Amor por condição inarredável da imortalidade gloriosa no seio do Altíssimo.

Por efeito desses labores conceituais de Justiça, operados pela Lei revelada a Moisés no Sinai, é que a alma se levanta para a vida em outros mundos siderais, mais felizes, tanto quanto se ergue para o universo vibracional que vê desabrochar do próprio coração.

Jesus encontra Zaqueu, o chefe dos publicanos (LC 19:1-10), em Jericó (na cidade dos interesses imediatistas), mas é preciso salientar que o homem de pequena estatura ("obras da Lei"), de alguma forma sensibilizado com a mensagem da Vida Abundante e, notoriamente, insatisfeito com as experiências dentro do circuito rígido da Lei ("Mas para Caim e para a sua oferta não atentou" - Gênesis 4:5), "corre adiante", ou seja, acelera o passo, numa clara alusão ao esforço de vencer preguiça e resistência ao que deve ser feito no contexto reencarnatório ("Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar" - Genesis 4:7), para alcançar o plano de harmonia mental capaz de identificar a mensagem do Cristo, com sua plataforma cósmica de realizações.

O sicômoro, em que Zaqueu "sobe" e do qual deve "descer" apressadamente, segundo orientação de Jesus, é o símbolo das crenças ou dos hábitos religiosos de natureza exterior, que operam os condicionamentos mentais indispensáveis à correção de rumos, à floração de ideais e de sentimentos mais coerentes com a obra do Criador. Note-se que é pelo exercício imposto por essas interpretações morais, tão exploradas pelas igrejas do Mundo, que as almas passam a ter noções de equilíbrio quanto ao direito alheio, à assistência aos semelhantes, ainda dentro de limites, mas já se abrindo para o senso de humanidade ("Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus" - MT 5:43-45).

Sendo o sicômoro uma espécie de figueira, com frutos semelhantes, apresenta-se como símbolo da Lei que dá uma base de projeção, mas que não realiza o indivíduo. Paulo explica que as "obras da Lei" dizem respeito à maldição que recai sobre todo aquele que não opera segundo os mandamentos: "Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las" (Gálatas 3:10).

Apoiando-se no cumprimento da Lei, Zaqueu se eleva para a visão de seu futuro evolutivo, e Jesus o encontra para inspirá-lo em seu afã de conhecer a Vida: "Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé de Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada"(Gálatas 2:16).

Consideremos que, pela Lei, cada criatura deve consagrar a Deus (à obra da Vida) pelo menos dez por cento de suas posses (prerrogativas de alma e naturalmente bens agregados, por fruto de seu trabalho, conforme ocorrera com Caim e Abel). Zaqueu, tocado pela visita de Jesus (Boa Nova redentora), se dispõe a dar "metade" dos seus bens aos "pobres" (quando alguém se desperta e se enriquece de valores morais, naturalmente é convocado a auxiliar os seus semelhantes ainda sem visão e sem perspectiva de vida melhor a se elevarem de nível, a se nutrirem do melhor) e a pagar quatro vezes mais qualquer prejuízo que alguém tenha tido com ele. A "casa mental" de Zaqueu foi salva pelas operações dadivosas da Vida Abundante, que propõe, por solução efetiva, a adoção do Amor por clima de evolução consciente ("Mas, sobretudo, tende ardente amor uns para com os outros; porque o amor cobrirá a multidão de pecados" - I Pedro 4:8).