O Evangelho dos Humildes

CAPÍTULO 12

JESUS É SENHOR DO SÁBADO



(Mt 12:1-50; Mc 2:23-28; Lc 6:1-5)

1 Naquele tempo, num dia de sábado, saiu Jesus caminhando ao longo das searas; e seus discípulos, que tinham fome, começaram a colher espigas e a comer delas.

2 E vendo isto, os fariseus lhe disseram: Eis aí estão os teus discípulos fazendo o que não é permitido fazer nos sábados.

3 Porém ele lhes disse: Não tendes lido o que fez David, quando ele teve fome e os que com ele estavam?

4 Como entrou na casa de Deus e comeu os pães da proposição, os quais não era licito comer nem a ele nem aos que com ele estavam, mas unicamente aos sacerdotes?

5 Ou não tendes lido na lei, que os sacerdotes nos sábados no templo quebrantam o sábado e ficam sem pecado?

6 Pois digo-vos que aqui está o que é maior do que o templo.

7 E se vós soubésseis o que é: Misericórdia quero e não sacrifício, jamais condenaríeis os inocentes.

8 Porque o Filho do homem é senhor até do sábado mesmo.

As religiões dogmáticas prendem seus adeptos a rígidas práticas exteriores e colocam o culto a Deus na observância exclusiva de fórmulas vãs, sem cogitarem de melhorar o íntimo de seus fiéis.

Jesus veio ensinar a humanidade a adorar o Pai Celestial em espírito e verdade. Jesus desprezava o ritual das religiões organizadas e, com frequência, faz exatamente o contrário do que elas mandam, a fim de demonstrar ao povo que práticas exteriores e fórmulas de adoração de nada valem diante de Deus.

Esta lição é bem sugestiva. É um brado de revolta do bondoso coração de Jesus contra a hipocrisia dos sacerdotes. Por que podem os sacerdotes fazer certas coisas que proíbem aos fiéis? Pois, não deveriam os sacerdotes ser os primeiros a darem o bom exemplo para a edificação do povo? Então o rigorismo de Deus deixa-os de lado, a eles que são esclarecidos e por isso mais facilmente poderiam obedecer aos preceitos divinos, e vai castigar os inocentes, isto é, aqueles que deixaram de observar fórmulas exteriores?

O pensamento de Jesus ao dizer: misericórdia quero e não sacrifício, é este: — Abaixo templos e religiões organizadas para a exploração do povo.

Abaixo o sacerdócio hipócrita que vive do altar e se julga livre de obrigações para com Deus e para com o próximo. Abaixo fórmulas vãs, práticas exteriores, e dogmas absurdos. Substituamos toda essa inutilidade que atravanca o mundo e enegrece as consciências, pela misericórdia, pela fraternidade, pelo perdão, pelo Amor que deve unir todos os filhos de Deus.


A CURA DO HOMEM QUE TINHA UMA DAS MÃOS RESSICADA

(Mc 3:1-6; Lc 6:6-11)
9 E depois de partir dali veio à sinagoga deles:

10 E eis que aparece um homem que tinha ressicada uma das mãos, e eles, para terem de que o arguir, lhe fizeram esta pergunta, dizendo: É por ventura lícito curar no sábado?

11 E ele lhes disse: Que homem haverá por acaso entre vós, que tenha uma ovelha e se esta lhe cair no sábado numa cova, não lhe lance a mão para• dali a tirar?

12 Ora, quanto mais excelente é um homem do que uma ovelha? Logo é lícito fazer o bem nos dias de sábado.

13 Então disse para o homem: Estende a tua mão. E ele a estendeu e lhe foi restituída sã como a outra.

As curas que Jesus de propósito realizava nos sábados, eram um eloquente protesto contra o rigorismo da religião organizada, que tinha sufocado num amontoado de observâncias materiais, os mandamentos divinos.

Em obediência à lei de Moisés, o sábado era um dia santificado e nesse dia era proibido a um israelita o trabalho de qualquer espécie. Consagravam o sábado às orações e à frequência às sinagogas. Tão longe levaram a observância desse preceito, que o transformaram numa prática material rígida, da qual até a ideia de ajudar o próximo, de fazer o bem, fora banida. Ao fazer o bem nos sábados, contrariando assim o costume da época, Jesus ensina aos homens que é necessário fazê-lo todos os dias; porque o Pai Celestial leva em conta os atos de cada um e não a guarda de um determinado dia.

14 Mas os fariseus, saindo dali, consultavam contra ele como o fariam morrer.

Todos os reformadores deparam com objeções por parte dos que se comprazem na ignorância e dos que tiram proveito do estado de ignorância em que se encontra a humanidade. Esses lutam sempre contra todos os espíritos nobres que se encarnam na terra, para melhorarem as condições em que vivem seus irmãos menores. Árduo é o trabalho dos que aqui vierem para indicar aos povos novos rumos de progresso, trazendo-lhes novos ensinamentos e revelando-lhes novas leis espirituais.

Neste versículo vemos que os beneficiados pela ignorância em que jazia o povo, percebendo que os ensinamentos de Jesus feriam seus interesses, começam a conspirar contra ele. Do mesmo modo, em nossos dias, grande número dos que têm seus interesses contrariados pelos ensinamentos do Espiritismo se insurge contra ele.


(Mc 3:7-12)

15 E Jesus, sabendo-o, se retirou daquele lugar e foram muitos após ele e os curou a todos;

16 E lhes pôs preceito, que não descobrissem quem ele era.

Jesus nos ensina como proceder em relação às curas realizadas espiritualmente. Ele não quer que os trabalhadores espirituais façam propaganda das pequeninas curas de que foram humildes instrumentos. Deus, nosso Pai, é quem realiza a cura; sem que a vontade dele se manifeste, ninguém poderá fazer nada. A contribuição do trabalhador espiritual, do médium por excelência, é sempre mínima. Todos os que alardeiam as curas espirituais para as quais concorrem, contrariam este preceito evangélico e demonstram orgulho e presunção; porque se a cura não partisse da vontade de Deus, nada seria conseguido. Erram, por conseguinte, os médiuns que não sabem manter-se humildes diante das graças e da misericórdia que o Pai, utilizando-os como instrumentos, distribui a seus filhos. E o erro se torna mais grave, quando, além da propaganda, ainda guardam para documentário, retratos, muletas, moldes et cetera, dos que se curaram.

17 Para que se cumprisse o que foi anunciado pelo profeta Isaías, que diz: Na terra encarnam-se espíritos em diversos graus de adiantamento; desde os pequeninos que ainda não conseguem compreender nada do que se refere à espiritualidade, até os bastante adiantados que, embora encarnados, facilmente percebem as coisas espirituais. Isaías pertencia ao número destes últimos, motivo, pelo qual pôde transmitir à humanidade as advertências sobre a missão de Jesus.

Em todas as épocas há aqueles que estão mais bem preparados para compreenderem melhor a marcha do progresso espiritual da humanidade. Em nossos dias, vemos que os ensinamentos do Espiritismo são bem à ceitos por uns, combatidos por outros e indiferentes a muitos. E pela maneira por que são recebidas as revelações do Espiritismo, podemos aquilatar o grau espiritual de quem as recebe.

18 Eis aqui o meu servo, que eu escolhi, o meu amado, em quem a minha alma tem posto a sua complacência. Porei o meu espírito sobre ele e ele anunciará às gentes a justiça.

Quando a sabedoria do Pai Celestial determinou que se formasse a terra, como uma grande escola e oficina de trabalho para o aprendizado de seus filhos, Jesus, cuja perféição se perde na noite imperscrutável do tempo, foi o escolhido para dirigir a comunidade terrena. E ele prometeu ao Pai Celestial guiar seus pequeninos tutelados através de todas as experiências terrenas, até que também eles, por sua vez, se tornassem perfeitos. E no desempenho de seus deveres divinos, Jesus jamais deixou faltar qualquer coisa a seus irmãos menores; na parte material fez com que a natureza produzisse frutos para todos se fartarem; e determinou que a todos se oferecessem magníficas oportunidades de progresso e de realizações. Se ele se esforçou para que a vida material se desenvolvesse normalmente na face da terra, jamais se descurou da parte espiritual de seus aprendizes incipientes.

E desde as mais recuadas eras na história da humanidade, tem enviado periodicamente os seus mensageiros que o auxiliaram a preparar o ambiente terreno para os trabalhos de espiritualização dos espíritos encarnados. Na Grécia, na Pérsia, na Índia, na China, encarnaram-se missionários trazendo luzes espirituais, que até hoje iluminam o pensamento humano. E em todas as nações sempre se encarnaram filósofos e pensadores que, procurando a resolução dos problemas espirituais, agitaram a humanidade, fazendo-a ver algo mais do que a simples matéria. Quando o ambiente terreno estava preparado pelos elementos da filosofia, por Moisés e até João Batista, encarnou-se Jesus para superintender pessoalmente aos trabalhos finais de regeneração, evangelização e espiritualização da humanidade. Médium de Deus, Jesus anuncia a Justiça Divina e nos lega o código celeste que é o Evangelho. Compreendendo isto, foi que Isaías transmitiu esta mensagem dos planos superiores, a qual é um hino de louvor a Jesus e uma exortação à humanidade.

19 Não contenderá, nem clamará, nem ouvirá alguém a sua voz nas praças.

É bem expressiva esta advertência de Isaías: demonstra-nos que Jesus nunca forçaria a quem quer que seja a aceitar sua doutrina por meio de discussões e jamais faria alarde dos bens espirituais que prodigalizaria, nem clamaria contra os que não queriam ouvi-lo.

Os discípulos humildes de hoje devem aproveitar esta advertência: não clamarem, não contenderem, não alardearem sua caridade, nem suas esmolas, nem seus feitos evangélicos. No desempenho de suas funções mediúnicas e evangélicas, por mais modestas que sejam, é imprescindível muita sinceridade. Nem sempre existe sinceridade, porém ostentação no coração de quem faz questão de espalhar aos quatro ventos a caridade material ou espiritual que pratica.

20 Não quebrará a cana que está deprimida nem apagará a torcida que fumega, até que saia vitoriosa a sua justiça.

Por mais oposição que sua doutrina encontre, jamais a palavra de Jesus será abafada. Pelo contrário, quanto mais a humanidade progredir espiritualmente, tanto mais comentará, estudará, assimilará e aplicará os preceitos evangélicos. Por vezes, parece que a vitória pertence ao mal; entretanto, se prestarmos atenção, notaremos que a vitória do mal é efêmera e ilusória; a verdadeira vitória é ganha por tudo o que for para o bem, o que for nobre e útil. Assim sairá vitoriosa a justiça de Jesus, isto é, sua doutrina, por ser boa, nobre e de extrema utilidade para nossa felicidade real.

A felicidade na terra é de curta duração e sempre dosada de acordo com nosso grau de espiritualidade. Somente alcançaremos a felicidade integral no plano espiritual, quando tivermos completado nosso aprendizado das leis divinas e liquidado os débitos contraídos no passado, pela nossa ignorância.

Ao chegar a ocasião de o homem trabalhar para se espiritualizar no ambiente terreno, então se lhe deparam as grandes dificuldades. A sociedade de um lado, e seus familiares do outro, procuram desviar sua atenção do objetivo espiritual que visa. Ë quando se lhe faz mister impor-se muita fortaleza moral para que não venha a sucumbir aos caprichos da sociedade nem às ideias materiais de seus familiares.

Jesus não quer que os homens se afastem nem da sociedade nem da família; quer que cada um saiba vencer as dificuldades e superar os obstáculos, tendo por norma os preceitos de amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

Não apagará a cana deprimida nem a torcida que fumega, até que saia vitoriosa a sua justiça, são símbolos de que Isaías usa para dizer-nos que Jesus jamais imporia sua lei pela violência; porém sempre guiará com amor seus tutelados até Deus.

21 E as gentes esperarão no seu nome.

As leis humanas são transitórias, mutáveis e incapazes de promoverem a felicidade dos povos. A única lei capaz de trazer a felicidade, a paz, a harmonia e a compreensão entre os povos da terra, é a lei divina consubstanciada no Evangelho. À medida que o progresso espiritual se for processando no seio da humanidade, as leis terrenas irão tendo por base os preceitos evangélicos e dia virá em que a única lei será o Evangelho. Nessa época, um tanto longínqua ainda, mas que os povos esperam alcançar, haverá espiritualidade na face da terra e gozaremos da real felicidade. Por isso, é necessário que cada um de nós, em particular, procure espiritualizar-se, concorrendo, dessa maneira, para a espiritualização geral.


A BLASFÊMIA DOS FARISEUS

(Mt 9:32-34; Mc 3:20-30; Lc 11:14-23, Lc 11:12-10)

22 Então lhe trouxeram um endemoninhado, cego e mudo e ele o curou, de sorte que falava e via.

Deparamos aqui com um caso de obsessão. A obsessão é o ato pelo qual um espírito desencarnado persegue uma pessoa. A obsessão pode apresentar-se sob diversas formas: com as características da loucura ou sob o aspecto de moléstias que nada consegue curar.

No caso aqui narrado, o espírito obsessor atuava fluidicamente sobre os órgãos da fala e da vista do obsidiado, causando-lhe a cegueira e a mudez. O remédio para a cura da obsessão é conseguir-se que o espírito obsessor se afaste de sua vítima, conforme Jesus o fez. Uma vez livre de seu perseguidor invisível, a pessoa fica curada.

Não há efeito sem causa. E como cada um recebe de conformidade com seus atos, vamos encontrar a causa das obsessões no mal que tivermos praticado nesta ou em existências passadas. Assim sendo, as obsessões, ordinariamente, nada mais são do que a vingança que as vítimas de outrora exercem sobre seus antigos algozes. Pela lei do choque de retorno, cada um atrairá para junto de si todos aqueles aos quais fez o bem e todos aqueles aos quais fez o mal. Os que receberam o bem virão auxiliar seu benfeitor; os que receberam o mal virão vingar-se de quem os prejudicou, se ainda não souberam perdoar, conforme Jesus ensinou. Daí se originam as obsessões, por vezes dolorosas, que o Espiritismo veio explicar natural e logicamente e ensinar como curá-las.

23 E ficavam pasmadas todas as gentes e diziam: Por ventura é este o filho de David?

Segundo a tradição corrente entre os judeus, o Messias descenderia de David. Notando as maravilhas que Jesus operava, o povo era levado a crer ser ele o descendente de David e, portanto, o Messias esperado e desejado.

Jesus conseguia realizar as maravilhas que pasmavam as gentes em virtude de sua elevação moral, de seu alto grau de espiritualidade e por exemplificar com seus próprios atos o que ensinava.

A vinda de Jesus ao nosso plano marca o início de uma nova era. Até então a humanidade se dedicava unicamente à matéria. Jesus veio ensinar que além da matéria existe algo mais importante, que é o espírito; que esta vida é continuada por outra, infinitamente superior; que o amor fraterno e não o interesse grosseiro deve presidir às relações sociais.

A vinda de Jesus significa que a humanidade atingiu a maioridade. E como o jovem que se torna adulto e daí em diante esquece as frivolidades da infância. e da adolescência, valorizando as coisas sérias, assim a humanidade, do advento de Jesus em diante, começa a preocupar-se com as coisas da vida espiritual.

24 Mas os fariseus, ouvindo isto, diziam: Este não lança fora os demônios, senão em virtude de Belzebu, príncipe dos demônios.

Devemos considerar que Jesus veio inaugurar na terra, as relações mais intensivas entre o mundo material e o mundo espiritual. Em sua época o povo não compreendia as manifestações espirituais que Jesus provocava e por isso surgiam as dúvidas. A princípio, essas dúvidas eram motivadas pela falta de compreensão do povo; mas depois que os sacerdotes perceberam que a obra de Jesus tomava vulto e se firmava, contrariando os objetivos materiais que visavam, resolveram combater a obra do Mestre. E as primeiras armas de que lançaram mão foram a ignorância e a superstição em que mantinham o povo para melhor explorá-lo.

Em nossos dias acontece a mesma coisa com o Espiritismo. Impotente para deter-lhe a marcha, o clero usa a superstição do povo para combatê-lo, pregando que os fenômenos espíritas são realizados pelo diabo, entidade que nunca existiu.

25 E Jesus, sabendo o pensamento deles, lhes disse: Todo o reino dividido contra si mesmo será desolado; e toda cidade ou casa, dividida contra si mesma, não subsistirá.

26 Ora se Satanás lança fora a Satanás, está ele dividido contra si mesmo; como persistirá logo o seu reino?

Em virtude de sua elevada hierarquia espiritual, Jesus possuía a clarividência em toda sua plenitude. Sabemos que os pensamentos são imagens mentais, emitidas pelo cérebro e refletidas no exterior, como numa tela. A clarividência de Jesus permitia que ele visse as imagens mentais projetadas por seus interlocutores e por isso sabia o que pensavam.

A resposta de Jesus é uma lição de concórdia. Toda a obra em que não reine a concórdia entre seus executores, está destinada ao fracasso. Os espíritas deverão tomar estas palavras como uma advertência para que vivam em harmonia, a fim de que o Espiritismo não encontre tropeços em sua expansão.

27 E se eu lanço fora os demônios em virtude de Belzebu, em virtude de quem os ex pelem os vossos filhos? Por isso é que eles serão os vossos 28 Se eu porém lanço fora os demónios pela virtude do Espírito de Deus, logo é chegado a vós o reino de Deus.

Aqui Jesus recomenda que lhe analisem os atos. Belzebu era um símbolo do mal; por conseguinte, quem abrigava o mal em seu coração, jamais poderia estar praticando o bem.

Com o decorrer dos tempos, a humanidade compreenderia a obra de Jesus e, então, saberia julgar com acerto todas as suas ações, realizando os mesmos atos de Jesus. Cumpria que a evolução espiritual se processasse. E hoje, graças às revelações do Espiritismo, sabemos que os demônios nada mais são do que os espíritos desencarnados que já viveram na terra. Como não sabem ainda se comportar cristãmente, perseguem aqueles dos quais guardam ódio.

Para expeli-los, basta que a pessoa tenha superioridade moral e amorosamente lhes ensine o caminho que deverão trilhar para serem felizes, alcançando assim, o reino de Deus. Este reino, Jesus o trouxe a nós; caracteriza-se pela prática do bem, pela observância da lei da fraternidade e pelo auxilio mútuo. Cumpre agora que todos trabalhem com boa vontade, para que este reino se estabeleça em todos os corações.

29 Ou como pode alguém entrar na casa do valente e saquear os seus móveis, se antes não prender o valente? e então lhe saqueará a casa.

No combate ao mal, é imprescindível o preparo íntimo. Jamais poderá trabalhar com eficiência no campo espiritual o trabalhador que não cuidar do seu aprimoramento moral. Para ser obedecido pelos espíritos ignorantes, para ser ouvido quando prega o Evangelho, é necessário que o discípulo exemplifique com os atos, o que prega com as palavras. Ë preciso que vençamos as nossas imperfeições, para depois ensinarmos ao nosso próximo como vencer as dele. Se não prendermos o mal, que como um valente campeia em nossa alma, como poderemos prender o mal que se alastra pelo mundo e arrebatar dele nossos irmãos menos evoluídos?

Jesus aqui frisa a importância do preparo individual, antes de alguém se aventurar a preparar a coletividade.

30 O que não é comigo é contra mim; e o que não ajunta comigo, desperdiça.

Entre o mal e o bem não há meio-termo: ou somos bons ou somos maus. A indiferença é indício de inferioridade moral. Se não lutarmos por melhorar nosso caráter, segundo os ensinamentos do Mestre, estamos desperdiçando o tempo, que nos foi concedido na terra para cuidarmos de nosso progresso espiritual. Esta é uma advertência que Jesus faz aos encarnados, para que aproveitem bem a presente encarnação.

A encarnação é uma bênção divina, a qual deve ser muito bem aproveitada. Tiramos o máximo proveito da encarnação, quando praticamos o bem, quando nós nos dedicamos às obras morais, quando nos aplicamos ao estudo, quando minorarmos a miséria moral ou material de nossos irmãos; e, sobretudo, procurando por todos os meios seguir os preceitos evangélicos, respeitando as leis divinas.

31 Portanto vos digo: Todo o pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens: porém a blasfêmia contra o Espírito Santo, não lhes será perdoada.

32 E todo o que disser alguma palavra contra o Filho do Homem, perdoarse-lhe-á; porém o que a disser contra o Espírito Santo, não se lhe perdoará, nem neste mundo, nem no outro.

Pecar contra o Espírito Santo significa pecar com conhecimento de causa e, por conseguinte, pecar não por cegueira ou por inexperiência, mas por maldade. O Espírito Santo constitui a coletividade de espíritos esclarecidos e bons, que lutam por melhorar as condições espirituais da terra. Todos aqueles que recebem uma parcela de conhecimentos espirituais, e, contudo, persistem na prática do mal, pecam contra o Espírito Santo. Estas faltas são tanto mais difíceis de reparar, porque foram cometidas por livre vontade, menosprezando a alma suas aquisições divinas.

Pecam contra o Espírito Santo os ministros e pregadores e sacerdotes de religiões, quando deixam de praticar o que ensinam, apesar do conhecimento espiritual que possuem.

Dizendo Jesus que o pecado contra o Espírito Santo não será perdoado nem neste mundo nem no outro, não quer ele dizer que a condenação será eterna. Não há condenações eternas. O que ele quer dizer-nos é que os pecados cometidos com conhecimento de causa não apresentam desculpas que os atenuem. Assim sendo, o pecador terá de arcar com a responsabilidade integral do erro cometido, o que lhe acarretará uma reparação difícil e trabalhosa.


AS ÁRVORES E SEUS FRUTOS

33 Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom; ou fazei a árvore má e o seu fruto mau; pois que pelo fruto é que a árvore se conhece.

A árvore é a religião; os frutos são o bem e o mal que os adeptos de uma religião espalham. Aqui Jesus nos adverte de que são os adeptos de uma religião que a tornam boa ou má. Uma religião para dar bons frutos deve seguir as leis divinas; seus sacerdotes devem observá-las estritamente e não pouparem esforços para ensinar o povo a viver de conformidade com elas; do contrário os frutos não poderão ser bons.

Na terra estão encarnados espíritos nos mais variados graus de adiantamento espiritual e desenvolvimento intelectual. Por isso cada criatura possui uma determinada capacidade de raciocínio e, obedecendo à lei da afinidade, formam grupos mais ou menos homogêneos. Origina-se daí quem nem todos os ensinamentos são aceitos por todos, mas que cada criatura e cada grupo somente aceitam os ensinamentos, segundo o grau de compreensão que possuem. As correntes espirituais estão sempre em harmonia com o grau de compreensão do grupo a que presidem e seus frutos são próprios aquele meio. Agora, cumpre a cada componente do grupo fazer com que os frutos sejam bons. Cada um de nós e o grupo a que pertencermos, poderemos produzir frutos bons ou frutos maus: frutos bons se agirmos com pureza de pensamentos, palavras e atos; frutos maus se preferirmos os caminhos tortuosos dos pensamentos malévolos, das palavras maledicentes e dos atos malignos.

Em virtude do grande esforço que o Espiritismo está desenvolvendo junto a seus adeptos para instruí-los nas leis divinas, os espíritos têm por obrigação produzir bons frutos. Nunca nos esqueçamos de que a base para a produção dos frutos bons é a regeneração de nossas almas. Sem renovação íntima não é possível perfazer-se o progresso moral, produtor dos bons frutos.

34 Raça de víboras, como podeis falar coisas boas sendo maus? Porque a boca fala o de que está cheio o coração.

35 O homem bom do bom tesouro tira boas coisas; mas o homem mau do mau tesouro tira más coisas.

36 E digo-vos que de toda a palavra ociosa, que falarem os homens, darão conta dela no dia do juízo.

37 Porque pelas tuas palavras serás justificada e pelas tuas palavras serás condenado.

Jesus se insurge contra os hipócritas, os quais aparentam sentimentos louváveis que não possuem. Contudo, por mais que se esforcem por demonstrarem virtudes, o mal transparece em suas ações, porque cada indivíduo age sempre de conformidade com seus íntimos sentimentos e não com os que finge possuir. Ao passo que o homem sincero, cujos íntimos sentimentos estão trabalhados pelo bem, age em todas as circunstâncias movido pelo bem que realmente traz em seu coração.

A palavra aqui é empregada no sentido figurado e significa os atos que cada um pratica e os pensamentos que habitualmente alimenta. As palavras ociosas, que os homens falarem, são as más ações que cometem e seus pensamentos maldosos. Cada um será justificado ou condenado por suas palavras, quer dizer que cada um receberá exatamente segundo suas obras; nem mais nem menos. O juízo final não existe de um modo absoluto: é simplesmente o julgamento que cada um sofrerá ao passar para o mundo espiritual; reverá em quadros fluídicos, criados por sua consciência, toda sua vida passada; e se sentirá feliz pelo bem que tiver feito e será compelido à retificação do mal que tiver causado. Portanto, quem muito errar, muito padecerá, até extinguir as causas que deram motivo ao seu sofrimento.


O MILAGRE DE JONAS

(Lc 11:24-26, Lc 11:29-32; Mc 8:12)

38 Então lhe tornaram alguns dos escribas e fariseus, dizendo: Mestre, nós quiséramos ver-te fazer algum prodígio.

Incapazes de compreenderem a beleza moral de seus ensinamentos e não querendo ver as numerosas curas que tinha praticado, os escríbas e os fariseus reclamavam de Jesus surpreendentes fatos materiais.

Curando os doentes, Jesus queria demonstrar que o verdadeiro poder é o daquele que faz o bem. Aliviando o sofrimento de todos os que se aproximavam dele, Jesus conquistava as criaturas pelo coração e fazia prosélitos mais numerosos e sinceros, do que se os encantasse com maravilhas, que apenas lhes tocassem os olhos, como se fosse um prestidigitador a desempenhar sua parte num espetáculo.

O objetivo de Jesus não era satisfazer à curiosidade dos indiferentes, mas plantar no coração dos homens as sementes do amor a Deus e ao próximo e fornecer-lhes os meios de concretizarem na terra o reino dos céus. Por isso não atendeu ao estulto pedido que os sacerdotes lhe fizeram. Comentando este episódio da vida de Jesus, Allan Kardec judiciosamente conclui: Do mesmo modo o Espiritismo prova sua missão providencial pelo bem que faz. Ele cura os males físicos, mas cura, sobretudo, as doenças morais, e são estes os maiores prodígios que lhe atestam a procedência. Seus mais sinceros adeptos não são os que foram tocados pela observação de fenômenos extraordinários, mas os que dele recebem consolações para suas almas; aqueles aos quais liberta da tortura da dúvida; aqueles aos quais levantou o ânimo nas aflições, que hauriram forças na certeza que lhes trouxe acerca do futuro, no conhecimento da vida espiritual. Estes são os de fé inabalável, porque sentem e compreendem. E assim como Jesus, não será por meio de prodigios que o Espiritismo triunfará da incredulidade; será pela multiplicação dos benefícios morais.

39 Ele lhes respondeu, dizendo: Esta geração má e adúltera pede um prodígio; mas não lhe será dado outro prodígio, senão o prodígio do profeta Jonas;

40 Porque assim como Jonas esteve no ventre da baleia três dias e três noites, assim estará o Filho do Homem três dias e três noites no coração da terra Três dias e três noites no coração da terra, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, é um símbolo de que Jesus se serve para descrever-nos o estado de transição, que se seguiria ao seu desencarne, antes de poder materializar-se a seus discípulos.

O desencarne traz ao espírito uma série de perturbações. Deixando o corpo material que por tantos anos lhe serviu de morada, é natural que o espirito gaste algum tempo em adaptar-se ao ambiente espiritual no qual passará a viver. Além da perturbação própria da transição, há necessidade de o espírito eliminar os fluidos animalizados que lhe integraram o perispirito durante sua vida terrena e dos quais necessitou enquanto encarnado. Jesus não fugiu à lei. E aqui, em sentido figurado, ele se refere ao tempo que consumiria para libertar-se dos efeitos de seu desencarne.

A transição não é igual para todos; a cada espírito ela apresenta particularidades próprias, que dependem do grau de desenvolvimento moral do espírito, do gênero de vida terrena que viveu, do bom ou do mau emprego do tempo que lhe foi concedido na terra e do progresso espiritual que conseguiu.

De um modo geral, podemos agrupar as transições em três grupos: a dos espíritos superiores, a dos medianos e a dos ignorantes ou inferiores.

A transição dos espíritos superiores é facílima; como já são possuidores de grande adiantamento espiritual e como suas vidas terrenas foram pautadas por sentimentos nobres, rapidamente se identificam com o ambiente espiritual quando desencarnam e tudo se resume no processo mecânico de se desprenderem da matéria; em seguida alijam de seus perispíritos os fluidos animalizados, que se gravaram nele; isso feito, voltam à normalidade e começam a cumprir seus deveres espirituais.

Os espíritos medianos já gastam mais tempo para se adaptarem ao novo ambiente. E depois de libertos da perturbação que se seguiu ao desencarne, ainda passam por um período de aprendizado, antes de iniciarem suas tarefas no novo plano.

Nos espíritos inferiores ou ignorantes a transição é sempre dolorosa. Como a inferioridade deles fez com que somente se preocupassem com a matéria durante suas encarnações, jamais cuidando das coisas do espírito, a transição é acompanhada de grandes e penosas perturbações, que se prolongam por muitos anos.

É um erro alegarmos que a obra de Jesus fica desmerecida, por ter ele sofrido os efeitos normais das leis que regulam a vida na terra. Isso mais realça a grandiosidade de sua missão, porque nos ensina a profunda obediência que devemos às leis divinas, sejam elas quais forem, obediência essa que é uma das principais virtudes dos espíritos verdadeiramente superiores. Ao passo que a rebeldia, às leis divinas e o procurar esquivar-se a elas, revelam ignorância e atraso.

Se Jesus, sem reclamar, submeteu-se às leis iníquas dos homens que o condenaram, sendo ele inocente, porque haveria ele de não respeitar as leis planetárias instituidas pelo Pai Celestial? Assim Jesus também nos prova que na obra de Deus não há privilegiados. A herança do Pai Celestial está distribuída equitativamente por todos os seus filhos; os riscos, os trabalhos, as oportunidades e as recompensas são iguais para todos.

41 Os habitantes de Nínive se levantarão no dia do juízo com esta geração e a condenarão; porque fizeram penitência com a pregação de Jonas. E eis aqui está neste lugar quem é mais do que Jonas.

42 A rainha do meio-dia se levantará no dia do juízo com esta geração e a condenará; porque veio das extremidades da terra ouvir a sabedoria de Salomão e eis aqui está neste lugar quem é mais do que Salomão.

Os habitantes de Nínive simbolizam os que se afastaram das leis de Deus, mas que retornam a elas, logo que alguém lhes abra os olhos. A rainha do meio-dia simboliza os que começam a praticar as leis divinas, assim que alguém lhas ensine.

O convite celeste chega aos homens continuamente. Em sua misericórdia jamais o Pai deixa qualquer um de seus filhos ao desamparo espiritual. Servese ele, para isso, dos mais variados meios: das palavras de um amigo, das advertências dolorosas do sofrimento, dos exemplos de outros irmãos, da voz íntima que cada um traz dentro de si, que é a consciência e, por vezes, até dos lábios inocentes de uma criança. Acontece que uns aceitam o convite e passam a trilhar o caminho reto; outros continuam rebeldes e recalcitrantes, sem quererem ouvir o convite celeste.

Em nossos dias, um apelo direto é feito a todos os corações por intermédio do Espiritismo. Por toda a parte, em todos os lares, multiplicam-se os fenómenos espirituais, abrindo os olhos de todos e convidando-os para o banquete divino. E como no tempo de Jonas e da rainha do meio-dia, uns o aceitam e outros não.

Julgamento e condenação não existem de um modo absoluto, uma vez que não há penas eternas. Os próprios atos de cada um o julgarão; a condenação consiste em quem errou, corrigir os erros praticados. Por outras palavras: cada um arcará com as consequências de suas ações; e se as consequências forem más, terá de trabalhar até livrar-se delas.

43 E quando o espírito imundo tem saído de um homem, anda por lugares secos buscando repouso e não o acha.

44 Então diz: Voltarei para minha casa, donde saí. E quando vem, a acha desocupada, varrida e ornada.

45 Então vai, e ajunta a si outros sete espíritos piores do que ele e entrando habitam ali; e o último estado daquele homem fica sendo pior do que o primeiro. Assim também acontecerá a esta geração.

Não basta que os espíritos obsessores sejam doutrinados e encaminhados.

Há absoluta necessidade de que o homem construa sua fortaleza moral, a fim de que não mais seja assaltado pelo mal. Se não se fortificar pela prática do bem e pela moralização de sua vida, segundo os preceitos do Evangelho, novos espíritos obsessores tomarão o lugar. dos primeiros e o estado da vítima se tornará pior.

A geração a que Jesus alude personifica todos aqueles que receberam os ensinamentos evangélicos. Caso essa geração não conforme o seu viver pelo Evangelho, o erro será de graves consequências, porque recusou espontaneamente a luz que lhe foi oferecida. Assim sendo, o sofrimento que desabará sobre ela será grande, em virtude de ter errado com pleno conhecimento de causa, tal como o homem que uma vez liberto dos obsessores e já esclarecido, contudo não fecha as portas de sua alma às influências malignas.


A FAMILIA DE JESUS

(Mc 3:31-35; Lc 8:19-21)

46 Estando ele ainda falando ao povo, eis que se achavam da parte de fora sua mãe e seus irmãos, que procuravam falar-lhe.

47 E um lhe disse: Olha que tua mãe e teus irmãos estão ali fora e te buscam.

48 E ele, respondendo ao que lhe falava, lhe disse: Quem é minha mãe e quem são os meus irmãos?

49 E estendendo a mão para seus discípulos, disse: Eis ali minha mãe e meus irmãos.

50 Porque todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão e minha irmã e minha mãe Aqui Jesus começa a pregar a fraternidade universal. A despeito dos laços transitórios do sangue, somos todos irmãos, filhos do mesmo Pai, que é Deus.

Não importa a cor, a raça, a religião, o credo político a que cada um pertence; estas coisas são transitórias e deixam o espírito, logo que este desencarne.

Também são transitórios os laços consanguíneos; pelo desencarne, estes laços se desfazem, permanecendo apenas os laços da afeição e da simpatia que unem os espíritos uns aos outros. No mundo espiritual, nossa verdadeira pátria, não há pais, mães, maridos e esposas: há apenas irmãos, filhos de Deus. Se Deus permite que nós nos agrupemos em famílias distintas aqui na terra, é para que através dos laços consanguíneos, das alegrias e das dores suportadas em comum, aprendamos a fraternidade sem mácula.

A lei da fraternidade universal baseia-se na Harmonia, no Amor, na 5erdade e na Justiça.

Entre irmãos que somos, deve reinar a mais bela harmonia. Devemos evitar discórdias, querelas, brigas e descontentamento; e quando surgirem dúvidas, todos devem esforçar-se para resolvê-las harmoniosamente.

Amor é a estima recíproca que deve reinar entre todos. Amparando-nos, ajudando-nos, tolerando-nos uns aos outros, implantaremos na terra o Amor.

A Verdade é a sinceridade com que devemos tratar-nos uns aos outros, evitando a hipocrisia e a maledicência.

A Justiça é o respeito rigoroso que devemos à propriedade alheia, por mais insignificante que o objeto seja. Jamais contrariemos a lei da fraternidade, apropriando-nos, por meios ilícitos, do que pertence aos outros. E saibamos sempre, em quaisquer circunstâncias, dar o seu a seu dono, quer no terreno material quer no terreno moral.

É certo que a humanidade atual ainda não está preparada para a aplicação integral da lei de fraternidade. Mas o Espiritismo está trabalhando ativamente para fazer florescer em todos os corações a lei da fraternidade, preparando, desse modo, a humanidade para os dias de compreensão e de amor. E quando a humanidade estiver preparada, novos ensinamentos virão guiar os homens à prática da mais elevada fraternidade.