O Evangelho dos Humildes

CAPÍTULO 16

O FERMENTO DOS FARISEUS



(Mt 16:1-28; Mc 8:11-13; Lc 12:54-56)

1 Então se chegaram a Jesus os fariseus e os saduceus para o tentarem, e pediram-lhe que lhes fizesse ver algum prodígio do céu.

2 Mas ele, respondendo, lhes disse: Vós, quando vai chegando a noite, dizeis: Haverá tempo sereno, porque está o céu rubicundo.

3 E quando é de manhã: Hoje haverá tormenta, porque o céu mostra um avermelhado triste.

4 Sabeis logo conhecer que coisa prognostica o aspecto do céu, e não podeis conhecer os sinais dos tempos? Esta geração perversa e adúltera pede um prodígio; e não se lhe dará outro prodígio, senão o prodígio do profeta Jonas. E deixando-os ali, se retirou.

5 Ora seus discípulos, tendo passado à banda de além do estreito, esqueceu-lhes trazer pão.

6 Jesus lhes disse: Vede e guardai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus.

7 Mas eles discorriam lá entre si, dizendo: É que não trouxemos pão.

8 E entendendo-o, Jesus lhes disse: Homens de pouca fé, porque estais considerando lá convosco que não tendes pão?

9 Ainda não compreendeis, nem vos lembrais dos cinco pães para cinco mil homens, e quantos foram os cestos que tomastes?

10 Nem dos sete pães para quatro mil homens, e quantas alcofas recolhestes?

11 Porque não compreendeis que não é pelo pão que eu vos disse: Guardai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus.

12 Então entenderam que não havia dito que se guardassem do fermento dos pães, senão da doutrina dos fariseus e dos saduceus.

Os que não querem compreender, seja por orgulho, por conveniência ou por comodismo, pedem sempre um sinal, qualquer coisa de material, que lhes fira os sentidos. Jesus nunca se iludiu e jamais perdeu tempo com eles. Esses indivíduos, uma vez conseguido o que desejam, apressam-se a arranjar inúmeras explicações absurdas para, apesar da evidência, conservarem e defenderem seus primitivos pontos de vista. Jesus, profundo conhecedor da alma humana, recusou-se a atendê-los, certo de que de nada adiantaria um ato material para convencê-los.

O mesmo acontece hoje com o Espiritismo. Quantos não se achegaram à fonte pura do Espiritismo exigindo provas materiais, esquecidos de abrirem seus corações à humildade, ao amor ao próximo, à obediência a Deus, ao respeito às leis divinas, à resignação e à paciência?

Quanto aos sinais dos tempos, com muito mais intensidade se fazem notar hoje: o Evangelho pregado a todas as nações; o Espiritismo intensificando o intercâmbio entre o mundo espiritual e o plano terrestre e fornecendo testemunhos convincentes; a ruína total das instituições humanas, cujas bases se assentavam no sombrio materialismo; tudo isso são sinais e prodígios a atestarem que não tardará a ser implantado na terra, um novo regime de conformidade com as leis divinas.

O fermento dos fariseus e dos saduceus procura por todos os meios e em todas as épocas envenenar o coração a umanidade. Os fariseus simbolizam o convencionalismo religioso; e os saduceus, o materialismo negativo. Esse fermento, no tempo de Jesus, era a religião tradicionalista, apegada as fórmulas vãs de um culto essencialmente material que desviava os homens do verdadeiro amor a Deus e ao próximo; era o paganismo com a adoração dos deuses falsos e de estátuas de barro; era o orgulho romano a entronizar a força e o direito do mais forte.

Hoje, como outrora, é imprescindível que o discípulo fiel se preserve do fermento corruptor que tenta levedar a massa humana. Pouco mudou em sua essência esse péssimo fermento. As religiões organizadas da terra continuam esquecidas de guiarem a humanidade para Deus, perdidas que estão no culto das riquezas do mundo. A filosofia materialista, a ciência negadora das coisas espirituais, a falsa literatura que envenena as almas, tudo são fatores que corrompem os espiritos e agem como fermento destruidor. Da doutrina errônea dos fariseus e dos saduceus, que continua viva em nossos tempos sob diversas formas, o Espiritismo nos ensina a guardar-nos.


A CONFISSÃO DE PEDRO

(Mc 8:27-30; Lc 9:18-21)

13 E veio Jesus para as partes de Cesareia de Felipe, e fez a seus discípulos esta pergunta, dizendo: Quem dizem os homens que é o Filho do homem?

14 E eles responderam: Uns dizem que João Batista, mas outros que Elias e outros que Jeremias, ou algum dos profetas.

15 Disse-lhes Jesus: E vós quem dizeis que eu sou?

16 Respondendo Simão Pedro disse: Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo.

17 E respondendo, Jesus lhe disse: Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne e o sangue quem te revelou mas sim meu Pai que está nos céus.

Jesus se tinha tornado o alvo das mais contraditórias afirmações. Sua palavra cheia de mansidão e portadora de profundos ensinamentos, as curas que realizava, a pureza de seus atos, tudo servia para acender discussões.

Desejando desfazer as dúvidas que seus discípulos, por ventura, ainda alimentavam a seu respeito, faz-lhes a pergunta para, em seguida, esclarecê-los.

Apoiados na lei da reencarnação, os discípulos respondem que diziam que talvez Jesus fosse a reencarnação do espírito de um dos grandes profetas do passado. Pedro, porém, inspirado pelo plano superior confirma que Jesus era o Cristo, isto é, o Enviado de Deus, que a humanidade esperava.

18 Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.

Pedro, depois de Jesus desencarnar, seria o ponto de partida para as futuras pregações evangélicas. E assim, depois da crucificação, vamos encontrar Pedro em Jerusalém, como centro irradiador de forças espirituais e de ensinamentos para o Cristianismo nascente. E mais tarde, ao lado de Paulo em Roma, Pedro articula os trabalhos evangélicos que se desenvolviam na grande cidade, trabalhando fielmente até cair vítima da perseguição.

Atendendo à sua fé franca e sincera e ao seu espírito, ponderado e humilde com muita coragem de lutar, Jesus confia a Pedro a orientação dos primeiros passos do Cristianismo e a direção dos primeiros trabalhos da disseminação do Evangelho.

19 E eu te darei as chaves do reino dos céus. E tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos céus; e tudo o que desatares sobre a terra será desatado também nos céus.

Jesus aqui nos ensina que há íntima relação entre as ações que praticamos no plano material com o espiritual. Todo o bem e todo o mal que praticarmos, repercutirá no plano espiritual para onde iremos, quando desencarnarmos. Só não se liga ao plano espiritual a parte mecânica de nossa vida; porém, tudo o que envolve responsabilidade moral ou material de caráter elevado, lá se liga e encontra repercussão. Assim, cada um de nós encontrará no plano espiritual o resultado de nossas ações na terra; cada um de nós será responsabilizado pela família que Deus nos confiou, pelo bom ou mau uso de nossa inteligência, pelo bom ou mau emprego do tempo, pelo bom ou mau uso do corpo e pelo bom ou mau destino que dermos aos bens terrenos. Só não se ligam ao plano espiritual as pequeninas futilidades sociais tais como: visitas, passeios, negócios, diversões, et cetera, que não envolvam responsabilidade moral.

Por isso é muito importante que vigiemos cuidadosamente nossos atos a fim de que fiquemos ligados ao plano espiritual somente pelo bem. E envidemos todos os nossos esforços para desatarmos os laços de ódio, da materialidade, dos vícios e do mal, cuja repercussão no plano espiritual será de péssimas consequências para nós.

20 Então mandou a seus discípulos que a ninguém dissessem que ele era o Cristo.

Ao recomendar Jesus a seus discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Cristo, é como se lhes dissesse: Minha pessoa não importa. O que importa é que ensinem a todos como observarem os preceitos divinos que lhes estou transmitindo. Não são as religiões nem os seus pregadores que salvam, mas sim as boas obras que cada um praticar.

Os médiuns e os Centros Espíritas, portanto, por cujo intermédio Deus distribui suas dádivas espirituais a seus filhos necessitados, assim também deverão responder: — Não somos nós que o fazemos, mas o Pai que está nos céus. Não apregoem nossas pessoas, nem nosso modesto Centro Espírita, mas sim louvem e agradeçam unicamente a Deus e procurem viver conforme os preceitos divinos do Evangelho.

21 Desde então começou Jesus a declarar a seus discípulos que convinha ir ele a Jerusalém, e padecer muitas coisas dos anciãos e dos escribas e dos príncipes dos sacerdotes e ser morto e ressuscitar ao terceiro dia.

Mansamente Jesus começa a preparar os seus discípulos para os graves momentos que se aproximavam. Jesus sabia o que ia acontecer pela clarividência que possuía em alto grau. Embora sem a clareza com que Jesus percebia os acontecimentos futuros, há individuos que conseguem predizer com exatidão fatos que se desenrolarão mais tarde, consigo próprios ou com outras pessoas. São os chamados médiuns clarividentes, e essa faculdade mediúnica é muito rara.

22 E tomando-o Pedro de parte, começou a increpá-lo, dizendo: Deus tal não permita, Senhor; não sucederá isto contigo.

23 Ele, voltando-se para Pedro, lhe disse: Tira-te de diante de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não tens gosto das coisas que são de Deus, mas das que são dos homens.

Diante das provas pelas quais teremos de passar, algumas bem rudes nunca falta quem nos queira desviar delas. É preciso bom ânimo para repelir os conselhos que nos fariam fracassar espiritualmente, e muita vigilância para não darmos ouvidos a tentações, que podem vir por meio de pessoas que nos são queridas.

Pedro, pelo seu muito amor a Jesus, quer que ele evite as provas que o aguardavam. Jesus não cede, e de ânimo forte repele as insinuações de Pedro.


OS DISCIPULOS DE JESUS DEVEM LEVAR AS SUAS CRUZES

24 Então disse Jesus a seus discípulos: Se algum quer vir após de mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz e siga-me.

Chegamos ao ponto em que Jesus nos recomenda a renúncia. Renunciar às comodidades terrenas para conseguirmos os bens espirituais é uma grande virtude, a qual servirá de base para o verdadeiro progresso de nosso espírito.

Todavia, a mais proveitosa renúncia é aquela que fazemos em favor de nosso próximo. Quem sabe renunciar, negando-se a si mesmo para seguir a Jesus, é bondoso, tem muito interesse em bem cumprir seus deveres, dedica-se à Verdade e ao bem. Jamais se preocupa com sua felicidade pessoal, mas trabalha com ardor pela felicidade de todos; procura ocultar os seus dotes, pondo em relevo o que há de bom em quantos o rodeiam, a fim de vê-los animados, otimistas, felizes. E finalmente, renunciar às coisas do mundo para seguir a Jesus, é sufocar dentro de si próprio o sentimento do egoísmo, do orgulho, da concupiscência, da ambição e do ódio. É curvarmo-nos humildemente perante a soberana vontade de Deus, suportando com resignação os trabalhos e os sofrimentos de cada dia.

Esta advertência de Jesus é útil para os trabalhadores espirituais e para os médiuns. Os médiuns que bem querem empregar sua mediunidade, e os trabalhadores do Evangelho que desejam, realmente, desempenhar a contento sua tarefa, terão, inúmeras vezes de renunciarem a suas aspirações materiais, diante de seus compromissos espirituais.

25 Porque o que quer salvar a sua alma, perdê-la-á; e o que perder a sua alma por amor de mim, acha-la-á.

26 Por que, de que aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se vier a perder a sua alma? Ou que comutação fará o homem para recobrar a sua alma?

Jesus simboliza na expressão salvar a alma aqui na terra a procura ansiosa dos gozos que a matéria oferece e que desviam por completo o homem da espiritualidade. No afã de acumular fortuna e de gozar a vida, o homem se esquece de cuidar da parte divina que possui. Os gozos imorais, os vícios, a dedicação às coisas materiais como única finalidade da vida, perdem a alma, porque a fazem recair nos círculos das reencarnações dolorosas, até que o sofrimento a depure e desperte nela o desejo de trabalhar para sua elevação espiritual.

Perder a alma por amor de Jesus é lutar por espiritualizar-se, seguindo os preceitos evangélicos. Nesse caso, o que se perde em materialidade, ganha-se em espiritualidade. E quem procura espiritualizar-se, enriquece sua alma com as virtudes que a levarão às regiões luminosas do mundo espiritual.

27 Porque o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então dará a cada um a paga segundo as suas obras.

Jesus vir na glória de seu Pai significa o triunfo dos ensinamentos que nos trouxe e a aplicação deles pela humanidade. Realmente esses ensinamentos aos poucos conquistarão a terra; e a humanidade, mais compreensível e mais adiantada espiritualmente, os tomará por lei. Então o reino de Deus estará estabelecido na terra, e Jesus resplandecerá gloriosamente no coração dos homens.

Os anjos são espíritos superiores, colaboradores de Jesus, aos quais está atribuida a tarefa de examinarem o estado espiritual de cada um de nós ao desencarnar. De acordo com o progresso que tivermos conquistado durante nossa encarnação e com as obras que tivermos praticado, eles determinarão o que deveremos fazer nas futuras encarnações que nos aguardam e nas quais colheremos os frutos de nossas obras.

28 Em verdade vos afirmo que, dos que aqui estão, há alguns que não hão de provar a morte antes que vejam vir o Filho do homem na glória de seu reino.

Tantas vezes quantas um espírito tiver de se reencarnar, tantas vezes terá de experimentar a morte. A expressão morte, que Jesus aqui usa, simboliza a reencarnação, isto é, o tempo de vida que um espírito passa encarnado. E para que consignamos não mais experimentar a morte, devemos viver conforme Jesus nos ensina, pois quem observa seus preceitos renasce para a Vida Eterna, isto é, para a vida livre na pátria espiritual, sem mais necessidade de descer ao cárcere da matéria. E a vida normal do espírito é a que ele vive no mundo espiritual, isento das vicissitudes da matéria.