O silêncio se fez profundo e respeitoso.
O grupo esperava a mensagem terminal.
Senti que o ambiente se fizera mais leve, mais agradável.
Sobre a cabeça de Dona Celina apareceu brilhante feixe de luz. Desde esse instante, vimo-la extática, completamente desligada do corpo físico, cercada de azulíneas irradiações.
Admirado com o belo fenômeno, enderecei um gesto de interrogação ao nosso orientador, que explicou sem detença:
— Nossa irmã Celina transmitirá a palavra de um benfeitor que, apesar de ausente daqui, sob o ponto de vista espacial, entrará em comunhão conosco através dos fluidos teledinâmicos que o ligam à mente da médium.
— Mas isso é possível? — indagou Hilário, discretamente.
Áulus ponderou, de imediato:
— Lembre-se da radiofonia e da televisão, hoje realizações amplamente conhecidas no mundo. Um homem, de cidade a cidade, pode ouvir a mensagem de um companheiro e vê-lo ao mesmo tempo, desde que ambos estejam em perfeita sintonia, através do mesmo comprimento de onda. Celina conhece a sublimidade das forças que a envolvem e entrega-se, confiante, assimilando a corrente mental que a solicita. Irradiará o comunicado-lição, automaticamente, qual acontece na psicofonia sonambúlica, porque o amigo espiritual lhe encontra as células cerebrais e as energias nervosas quais teclas bem ajustadas de um piano harmonioso e dócil.
O Assistente emudeceu, de súbito, fixando o olhar no jato de safirina luz, que se fizera mais abundante, a espraiar-se em todos os ângulos do recinto.
Contemplei os circunstantes.
O rosto da médium refletia uma ventura misteriosa e ignorada na Terra.
O júbilo que a possuía como que contagiara todos os presentes.
Dispunha-me a prosseguir observando, mas a destra do Assistente tocou-me, de leve, recordando-me a quietude e o respeito.
Foi então que a voz diferenciada de Dona Celina ressoou, clara e comovente, mais ou menos nestes termos:
— Meus amigos — começou a dizer o instrutor que nos acompanhava o trabalho a longa distância —, guardemos a paz que Jesus nos legou, a fim de que possamos servi-lo em paz.
Em matéria de mediunidade, não nos esqueçamos do pensamento.
Nossa alma vive onde se lhe situa o coração.
Caminharemos, ao influxo de nossas próprias criações, seja onde for.
A gravitação no campo mental é tão incisiva, quanto na esfera da experiência física.
Servindo ao progresso geral, move-se a alma na glória do bem. Emparedando-se no egoísmo, arrasta-se, em desequilíbrio, sob as trevas do mal.
A Lei Divina é o Bem de Todos.
Colaborar na execução de seus propósitos sábios é iluminar a mente e clarear a vida. Opor-lhe entraves, a pretexto de acalentar caprichos perniciosos, é obscurecer o raciocínio e coagular a sombra ao redor de nós mesmos.
É indispensável ajuizar quanto à direção dos próprios passos, de modo a evitarmos o nevoeiro da perturbação e a dor do arrependimento.
Nos domínios do espírito não existe a neutralidade.
Evoluímos com a luz eterna, segundo os desígnios de Deus, ou estacionamos na treva, conforme a indébita determinação de nosso “eu”.
Não vale encarnar-se ou desencarnar-se simplesmente. Todos os dias, as formas se fazem e se desfazem.
Vale a renovação interior com acréscimo de visão, a fim de seguirmos à frente, com a verdadeira noção da eternidade em que nos deslocamos no tempo.
Consciência pesada de propósitos malignos, revestida de remorsos, referta de ambições desvairadas ou denegrida de aflições não pode senão atrair forças semelhantes que a encadeiam a torvelinhos infernais.
A obsessão é sinistro conúbio da mente com o desequilíbrio comum às trevas.
Pensamos, e imprimimos existência ao objeto idealizado.
A resultante visível de nossas cogitações mais íntimas denuncia a condição espiritual que nos é própria, e quantos se afinam com a natureza de nossas inclinações e desejos aproximam-se de nós, pelas amostras de nossos pensamentos.
Se persistimos nas esferas mais baixas da experiência humana, os que ainda jornadeiam nas linhas da animalidade nos procuram, atraídos pelo tipo de nossos impulsos inferiores, absorvendo as substâncias mentais que emitimos e projetando sobre nós os elementos de que se fazem portadores.
Imaginar é criar.
E toda criação tem vida e movimento, ainda que ligeiros, impondo responsabilidade à consciência que a manifesta. E como a vida e o movimento se vinculam aos princípios de permuta, é indispensável analisar o que damos, a fim de ajuizar quanto àquilo que devamos receber.
Quem apenas mentalize angústia e crime, miséria e perturbação, poderá refletir no espelho da própria alma outras imagens que não sejam as da desarmonia e do sofrimento?
Um viciado entre os santos não lhes reconheceria a pureza, de vez que, em se alimentando das próprias emanações, nada conseguiria enxergar senão as próprias sombras.
Quem vive a procurar pedras na estrada, certamente não encontrará apenas calhaus subservientes.
Quem se detenha indefinidamente na medição de lama está ameaçado de afogamento no lodo.
O viajante fascinado pelos sarçais, à beira do caminho, sofre o risco de enlouquecer entre os espinheiros do mato inculto.
Vigiemos o pensamento, purificando-o no trabalho incessante do bem, para que arrojemos de nós a grilheta capaz de acorrentar-nos a obscuros processos de vida inferior.
É da forja viva da ideia que saem as asas dos anjos e as algemas dos condenados.
Pelo pensamento, escravizamo-nos a troncos de suplício infernal, sentenciando-nos, por vezes, a séculos de peregrinação nos trilhos da dor e da morte.
A mediunidade torturada não é senão o enlace de almas comprometidas em aflitivas provações, nos lances do reajuste.
E, para abreviar o tormento que flagela de mil modos a consciência reencarnada ou desencarnada, quando nas grades expiatórias, é imprescindível atender à renovação mental, único meio de recuperação da harmonia.
Satisfazer-se alguém com o rótulo, em matéria religiosa, sem qualquer esforço de sublimação interior é tão perigoso para a alma quanto deter uma designação honorífica entre os homens com menosprezo pela responsabilidade que ela impõe.
Títulos de fé não constituem meras palavras, acobertando-nos deficiências e fraquezas. Expressam deveres de melhoria a que não nos será lícito fugir, sem agravo de obrigações.
Em nossos círculos de trabalho, desse modo, não nos bastará o ato de crer e convencer.
Ninguém é realmente espírita à altura desse nome, tão só porque haja conseguido a cura de uma escabiose renitente, com o amparo de entidades amigas, e se decida, por isso, a aceitar a intervenção do Além-Túmulo na sua existência; e ninguém é médium, na elevada conceituação do termo, somente porque se faça órgão de comunicação entre criaturas visíveis e invisíveis.
Para conquistar a posição de trabalho a que nos destinamos, de conformidade com os princípios superiores que nos enaltecem o roteiro, é necessário concretizar-lhes a essência em nossa estrada, por intermédio do testemunho de nossa conversão ao amor santificante.
Não bastará, portanto, meditar a grandeza de nosso idealismo superior. É preciso substancializar-lhe a excelsitude em nossas manifestações de cada dia.
Os grandes artistas sabem colocar a centelha do gênio numa simples pincelada, num reduzido bloco de mármore ou na mais ingênua composição musical. As almas realmente convertidas ao Cristo lhe refletem a beleza nos mínimos gestos de cada hora, seja na emissão de uma frase curta, na ignorada cooperação em favor dos semelhantes ou na renúncia silenciosa que a apreciação terrestre não chega a conhecer.
Nossos pensamentos geram nossos atos e nossos atos geram pensamentos nos outros.
Inspiremos simpatia e elevação, nobreza e bondade, junto de nós, para que não nos falte amanhã o precioso pão da alegria.
Convicção de imortalidade, sem altura de espírito que lhe corresponda, será projeção de luz no deserto.
Mediação entre dois Planos diferentes, sem elevação de nível moral, é estagnação na inutilidade.
O pensamento é tão significativo na mediunidade, quanto o leito é importante para o rio. Ponde as águas puras sobre um leito de lama pútrida e não tereis senão a escura corrente da viciação.
Indubitavelmente, divinas mensagens descerão do Céu à Terra. Entretanto, para isso, é imperioso construir canalização adequada.
Jesus espera pela formação de mensageiros humanos capazes de projetar no mundo as maravilhas do seu Reino.
Para atingir esse aprimoramento ideal é imprescindível que o detentor de faculdades psíquicas não se detenha no simples intercâmbio. Ser-lhe-á indispensável a consagração de suas forças às mais altas formas de vida, buscando na educação de si mesmo e no serviço desinteressado a favor do próximo o material de pavimentação de sua própria senda.
A comunhão com os orientadores do progresso espiritual do mundo, através do livro, nos enriquece de conhecimento, acentuando-nos o valor mental; e a plantação de bondade constante traz consigo a colheita de simpatia, sem a qual o celeiro da existência se reduz a furna de desespero e desânimo.
Não basta ver, ouvir ou incorporar Espíritos desencarnados, para que alguém seja conduzido à respeitabilidade.
Irmãos ignorantes ou irresponsáveis enxameiam, como é natural, todos os departamentos da Terra, em vista da posição evolutiva deficitária em que ainda se encontram as coletividades do Planeta e, muita vez, sem qualquer raiz de perversidade propriamente dita, milhares de almas, despidas do envoltório denso, praticam o vampirismo junto dos encarnados invigilantes, simplesmente no intuito de prosseguirem coladas às sensações do campo físico das quais não se sentem com suficiente coragem para se desvencilharem.
Toda tarefa, para crescer, exige trabalhadores que se dediquem ao crescimento, à elevação de si mesmos.
Isso é demasiado claro em todos os Planos da Natureza.
Não há frutos na árvore nascente.
A madeira não desbastada é incapaz de servir, com eficiência, ao santuário doméstico.
A areia movediça não garante a sustentação.
Não se faz luz na candeia sem óleo.
O carro não transita com êxito onde a picareta ainda não estruturou a estrada conveniente.
Como esperardes o pensamento divino, onde o pensamento humano se perde nas mais baixas cogitações da vida?
Que mensageiro do Céu fará fulgir a mensagem celestial em nosso entendimento, quando o espelho de nossa alma jaz denegrido pelos mais inferiores dos interesses?
Em vão buscaria a estrela retratar-se na lama de um charco.
Amigos, pensemos no bem e executemo-lo.
Tudo o que existe dentro da Natureza é a ideia exteriorizada.
O Universo é a projeção da Mente Divina e a Terra, qual a conheceis em seu conteúdo político e social, é produto da Mente Humana.
Civilizações e povos, culturas e experiências constituem formas de pensamento, através das quais evolvemos, incessantemente, para Esferas mais altas.
Atentemos, pois, para a obrigação de autoaperfeiçoamento.
Sem compreensão e sem bondade, irmanar-nos-emos aos filhos desventurados da rebeldia.
Sem estudo e sem observação, demorar-nos-emos indefinidamente entre os infortunados expoentes da ignorância.
Amor e sabedoria são as asas com que faremos nosso voo definitivo, no rumo da perfeita comunhão com o Pai Celestial.
Escalemos o Plano superior, instilando pensamentos de sublimação naqueles que nos cercam.
A palavra esclarece.
O exemplo arrebata.
Ajustemo-nos ao Evangelho Redentor.
Cristo é a meta de nossa renovação. Regenerando a nossa existência pelos padrões d’Ele, reestruturaremos a vida íntima daqueles que nos rodeiam.
Meus amigos, crede!…
O pensamento puro e operante é a força que nos arroja do ódio ao amor, da dor à alegria, da Terra ao Céu…
Procuremos a consciência de Jesus para que a nossa consciência lhe retrate a perfeição e a beleza!…
Saibamos refletir-lhe a glória e o amor, a fim de que a luz celeste se espelhe sobre as almas, como o esplendor solar se estende sobre o mundo.
Comecemos nosso esforço de soerguimento espiritual desde hoje e, amanhã, teremos avançado consideravelmente no grande caminho!…
Meus amigos, meus irmãos, rogando a Jesus que nos ampare a todos, deixo-vos com um até breve.
A voz da médium emudeceu.
Sensibilizados, reparamos que, no alto, se apagara o jorro brilhante.
Raul Silva, em prece curta, encerrou a reunião.
Enlaçamos Clementino às despedidas.
— Voltem sempre — convidou-nos gentil.
Sim., sim, continuaríamos aprendendo.
E, lado a lado com o nosso orientador, retiramo-nos, felizes, como quem sorvera a água viva da paz, na taça da alegria.