Ajustadas a supremo conforto, no oceano das facilidades materiais, não se forram as criaturas humanas contra os pesares da solidão e da angústia.
Nesse navio prodigioso a que chamamos civilização, estruturado em largueza de conhecimento e primor de técnica, instalam-se os homens, demandando o porto que já alcançamos pelo impulso da morte.
Contudo, isso não impede regressemos ao bojo da nave imponente para alertar o ânimo dos viajores nossos irmãos, com passaporte imprescritível para o mesmo país da Verdade que os espera amanhã, quanto ontem nos aguardava.
E voltamos porque a suntuosidade da embarcação não está livre do nevoeiro da ignorância a lhe facilitar a incursão entre os rochedos do crime, nem segura contra a violência das tempestades que lhe convulsionam a organização e ameaçam a estrutura.
Realmente, dentro dela, atingimos luminosa culminância no setor da cultura, em tudo o que tange à proteção da vida física.
Sabemos equilibrar a circulação do sangue para garantir a segurança do ciclo cardíaco, mas ignoramos como libertar o coração do cárcere de sombras em que jaz, muitas vezes, mergulhado na poça das lágrimas, quando não seja algemado aos monstros da delinquência.
Identificamos a neurite óptica com eliminação progressiva dos campos visuais, e medicamo-la com a vantagem possível, na preservação dos olhos; entretanto, desconhecemos como arrancar a visão às trevas do espírito.
Ofertamos braços e pernas artificiais aos mutilados; contudo, somos francamente incapazes de remediar as lesões do sentimento.
Interferimos com vasta margem de êxito nos processos patológicos das células nervosas, auscultando as deficiências de vitaminas e enzimas, que ocasionam a diminuição da taxa metabólica do cérebro; todavia, estamos inabilitados a qualquer anulação das síndromes espirituais de aflição e desespero que agravam a psicastenia e a loucura.
Achamo-nos convictos de que a hidrocefalia congênita provém da acumulação indébita do líquido céfalo-raquiano, impondo dilatação no espaço por ele mesmo ocupado na província intracraniana; no entanto, não percebemos a causa fundamental que a provoca.
Ainda assim, não voltamos para confabular com aqueles que se sintam acomodados ao desequilíbrio.
Retornamos à convivência dos que contemplam o horizonte entre a inquietação e a fadiga perguntando, em pranto, sobre o fim da viagem.
De espírito voltado para eles, os torturados do coração e da inteligência, aspiramos a escrever um livro simples sobre a evolução da alma nos dois Planos, interligados no berço e no túmulo, nos quais se nos entretece a senda para Deus… Notas em que o despretensioso médico desencarnado que somos — tomando para alicerce de suas observações o material básico já conquistado pela própria ciência terrestre, material por vezes colhido em obras de respeitáveis estudiosos —, pudesse algo dizer do corpo espiritual, em cujas células sutis a nossa própria vontade situa as causas de nosso destino sobre a Terra.
Páginas em que conseguíssemos aliar o conceito rígido da Ciência, compreensivelmente armada com todas as afirmações que não possa esposar pela experimentação fria, e a mensagem consoladora do Evangelho de Jesus-Cristo de que o Espiritismo contemporâneo se faz o mais alto representante na atualidade do mundo… Um pequeno conjunto de definições sintéticas sobre nossa própria alma imortal, à face do Universo…
Todavia, para tal empreendimento, carecíamos de instrumentação mais ampla, motivo pelo qual nos utilizamos de dois médiuns diferentes, em lugares distintos, dois corações amigos que se prontificaram a receber-nos os textos humildes, dos quais se compõe a nossa apagada oferta.
Foi assim, meu amigo, que este livro nasceu por missiva de irmão aos irmãos que lutam e choram.
Se não sentes o frio da noite sobre o revolto mar das provações humanas, entorpecido na ilusão que te faz escarnecer da própria verdade, nossa lembrança em tuas mãos traz errado endereço.
Mas se guardas contigo o estigma do sofrimento, indagando pela solução dos velhos problemas do ser e da dor, se percebes a nuvem que prenuncia a tormenta e o vórtice traiçoeiro das ondas em que navegas, vem conosco!… Estudemos a rota de nossa multimilenária romagem no tempo para sentirmos o calor da flama de nosso próprio Espírito a palpitar imorredouro na Eternidade e, acendendo o lume da esperança, perceberemos, juntos, em exaltação de alegria, que Deus, o Pai de Infinita Bondade, nos traçou a divina destinação para além das estrelas.
Uberaba, 23 de julho de 1958.
A convite do Espírito André Luiz, os médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira receberam os textos deste livro em noites de domingos e quartas-feiras, respectivamente nas cidades de Pedro Leopoldo e Uberaba, Estado de Minas Gerais. As páginas psicografadas por um e outro podem ser identificadas pela data característica de cada texto [Vide no final de cada capítulo a localidade, indicada junto à data]. — (Nota dos médiuns.)