O templo espírita tinha dimensões pequenas.
Mas os amigos arranjaram um microfone. E Neves da Cruz, o orador convidado, falou para grande multidão. Gente por toda parte, entupindo portas e abafando janelas. A maior parte dos ouvintes enfrentava a noite, do lado de fora.
—Caridade, meus amigos! Todos podemos dar. Os Mensageiros Divinos acompanham todos aqueles que servem com amor. Fugir à caridade é cair na avareza. Viver na preguiça é cair no tédio. E avareza e tédio fazem as doenças sem cura.
Muito aplaudido, Neves retirou-se para o lanche em casa de amigos. E, depois do lanche, o recolhimento no hotel, para a viagem no dia seguinte. Fazia calor e, sem sono, desceu à calçada e pôs-se a ler sob a luz da marquise.
—Uma esmola pelo amor de Deus!
—Que os bons Espíritos o acompanhem. . .
O provável doador, no entanto, só encontra uma nota de cem cruzeiros como dinheiro trocado, e desiste.
—E nunca o alcancem. . .
—Que os bons Espíritos o acompanhem e nunca o alcancem com doenças. . .
Cem cruzeiros, porém, no conceito do Neves, era muito, e a mão voltou sem nada.
—Que possam ser curadas.
—Mas isso é uma injúria! – disse Neves, irritado. – Quem ensinou o senhor a pedir assim, rogando pragas?
—Hoje, na casa espírita, um homem falou que os bons Espíritos acompanham as pessoas caridosas e que falta de caridade faz as moléstias sem cura.
Neves, ruborizado, sem dizer palavra, meteu a mão no bolso, arrancou a cédula de cem cruzeiros e deu-a ao velho.