Almas em Desfile

Capítulo XVI

Não perdoar



Bezerra de Menezes, já devotado à Doutrina Espírita, almoçava, certa feita, em casa de Quintino Bocaiuva, o grande republicano, e o assunto era o Espiritismo, pelo qual o distinto jornalista passara a interessar-se.

Em meio da conversa, aproxima-se um serviçal e comunica ao dono da casa:

— Doutor, o rapaz do acidente está aí com um policial.

Quintino, que fora surpreendido no gabinete de trabalho com um tiro de raspão, que, por pouco, não lhe atingiu a cabeça, estava indignado com o servidor que inadvertidamente fizera o disparo.

— Manda-o entrar — ordenou o político.

— Doutor — roga o moço preso, em lágrimas —, perdoe o meu erro! Sou pai de dois filhos… Compadeça-se! Não tinha qualquer má intenção… Se o senhor me processar, que será de mim? Sua desculpa me livrará! Prometo não mais brincar com armas de fogo! Mudarei de bairro, não incomodarei o senhor…

O notável político, cioso da própria tranquilidade, respondeu:

— De modo algum. Mesmo que o seu ato tenha sido de mera imprudência, não ficará sem punição. Percebendo que Bezerra se sentia mal, vendo-o assim encolerizado, considerou, à guisa de resposta indireta:

— Bezerra, eu não perdoo, definitivamente não perdoo…

Chamado nominalmente à questão, o amigo exclamou desapontado:

— Ah! você não perdoa!

Sentindo-se intimamente desaprovado, Quintino falou, irritado:

— Não perdoo erro. E você acha que estou fora do meu direito?

O Dr. Bezerra cruzou os braços com humildade e respondeu:

— Meu amigo, você tem plenamente o direito de não perdoar, contanto que você não erre…

A observação penetrou Quintino como um raio.

O grande político tomou um lenço, enxugou o suor que lhe caía em bagas, tornou à cor natural, e, após refletir alguns momentos, disse ao policial:

— Solte o homem. O caso está liquidado.

E para o moço que mostrava profundo agradecimento:

— Volte ao serviço hoje mesmo, e ajude na copa.

Em seguida, lançou inteligente olhar para Bezerra, e continuou a conversação no ponto em que haviam ficado.



(Psicografia de Francisco C. Xavier)




NÃO PERDOAR



Bezerra de Menezes, já devotado à Doutrina Espírita, almoçava, certa feita, em casa de Quintino Bocaiúva, o grande republicano, e o assunto era o Espiritismo, pelo qual o distinto jornalista passara a interessar-se.


Em meio da conversa, aproxima-se um serviçal e comunica ao dono da casa:

—Doutor, o rapaz do acidente está aí com um policial.

Quintino, que fora surpreendido no gabinete de trabalho com um tiro de raspão, que, por pouco, não lhe atingiu a cabeça, estava indignado com o servidor que inadvertidamente fizera o disparo.

—Manda-o entrar – ordenou o político.

—Doutor – roga o moço preso, em lágrimas -, perdoe o meu erro! Sou pai de dois filhos. . .

Compadeça-se! Não tinha qualquer má intenção. . .

Se o senhor me processar, que será de mim? Sua desculpa me livrará! Prometo não mais brincar com armas de fogo! Mudarei de bairro, não incomodarei o senhor. . .


O notável político, cioso da própria tranquilidade, respondeu:

—De modo algum. Mesmo que o seu ato tenha sido de mera imprudência, não ficará sem punição.


Percebendo que Bezerra se sentia mal, vendo-o assim encolerizado, considerou, à guisa de resposta indireta:

—Bezerra, eu não perdôo, definitivamente não perdôo. . .


Chamado nominalmente à questão, o amigo exclamou desapontado:

—Ah! você não perdoa!


Sentindo-se intimamente desaprovado, Quintino falou, irritado:

—Não perdôo erro. E você acha que estou fora do meu direito?


O Dr. Bezerra cruzou os braços com humildade e respondeu:

—Meu amigo, você tem plenamente o direito de não perdoar, contanto que você não erre. . .

A observação penetrou Quintino como um raio.


O grande político tomou um lenço, enxugou o suor que lhe caía em bagas, tornou à cor natural, e, após refletir alguns momentos, disse ao policial:

—Solte o homem. O caso está liquidado.


E para o moço que mostrava profundo agradecimento:

—Volte ao serviço hoje mesmo, e ajude na copa.

Em seguida, lançou inteligente olhar para Bezerra, e continuou a conversação no ponto em que haviam ficado.